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HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

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Os oito holandeses desaparecidos regressaram a casa

Não estavam em casa quando o fogo começou, não tendo conseguido regressar à aldeia. Seriam acolhidos na quinta de amigos. Hoje, os Lindeboom que ontem estavam desaparecidos regressaram a Salaborda.

Entre sábado à tarde e a noite de segunda-feira ninguém soube dos Lindeboom. Polícia, sapadores, os vizinhos, absolutamente ninguém. Temiam o pior dos cenários: a morte. Tudo em volta da casa de Gerrit e Hiskea (erguida num vale isolado em Salaborda Velha, Pedrógão Grande) tinha ardido logo na primeira noite em que se perdeu o paradeiro ao casal de holandeses e seis filhos – o mais novo com dois anos; a mais velha com treze. A casa resistiu, quase miraculosamente, ainda que a poucos metros a horta, a estufa, o galinheiro, a canalização e os painéis solares tenham sido destruídos pelas chamas.

“Estão seis meninos desaparecidos em Salaborda. Temos de ir procurá-los, já!”

À noite, o Observador chegou à fala com Sammy e Anna, um casal (também ele holandês) que vendeu a casa aos Lindeboom. Os oito estariam bem e de saúde, na quinta de amigos belgas na aldeia de Bêco, em Ferreira do Zêzere. Mais acrescentariam Sammy e Anna: os Lindeboom regressariam a Salaborda Velha na manhã desta terça-feira. Procurámo-los lá.

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Mas nem sinal dos Lindeboom. Os cães por lá continuavam – agora não somente dois, mas uma cadela adulta e quatro crias –, as portas ainda entreabertas, as camas desfeitas à pressa, roupa de criança espalhada pelo chão, silêncio e vazio. Nem sinal da família de oito. Esperámos. Pouco depois, um carro descia apressadamente em direção à casa. No interior dois voluntários que, sabendo da notícia do desaparecimento — e posterior localização dos Lindeboom –, trouxeram comida (sobretudo latas de atum e salsichas) e vários litros de água engarrafada. Pousaram tudo sobre a mesa (alimentaram também os cães que devoraram tudo num trago só) e partiram.

Antes mesmo de os Lindeboom regressarem a casa, dois voluntários foram até Salaborda para entregar água e comida (Créditos: H. Casinhas/Observador)

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Talvez Gerrit, Hiskea e os filhos continuassem em Bêco. Por volta das onze da manhã avançámos para lá, até à aldeia que fica a trinta minutos de viagem. A casa é quase palaciana, ampla, de jardins e plantação a perder de vista, caiada, ornamentada em tons de azul e amarelo-garrido, com uma torre a romper para lá do telhado. Não tardou que uma criança espreitasse por detrás de um muro e gritasse, em francês, disparando depois a correr até dentro de casa: “Maman? Maman?…” Logo chega a nós Ruvnah, “palmo-e-meio” de estatura, sorridente, de lenço florido a cobrir a cabeça, uma argola dourada a reluzir no nariz, que à pergunta sobre o paradeiro dos Lindeboom responde de pronto: “Acabaram de sair, ainda agora. Os oito”.

Aproxima-se o marido, Filip, vindo da horta com as jardineiras enlameadas e um chapéu de palha na cabeça [que mais tarde tiraria para a fotografia, vestindo-se “de lavado”], arriscando um contacto em português — ainda que um português-afrancesado: “Bóns diás, cómu éstão?” Conta que conheceu os Lindeboom na Bélgica (de onde Filip e a mulher são originários) e que sábado à noite estes procuraram abrigo na sua quinta em Ferreira do Zêzere, onde vivem há dois anos.

Acolheram-nos. Mas acolheram muitos mais.“Quantas famílias? Hmmm… não sei. Muitas. Nós recebemos muitas famílias daquela área, famílias que fugiram do incêndio. São de todo o lado: portugueses, checos, alemães, holandeses, belgas… No domingo foram-se embora dez pessoas; hoje de manhã mais vinte e cinco. Não, não me pagaram nada. Isto não é um hotel – quero que venha a ser mas ainda não é. Vieram cá porque ficaram sem casa. Não podia cobrar-lhes nada.”

Ruvnah e Filip acolheram na Quinta do Souto quase cinquenta pessoas: holandeses, belgas, checos, alemães e portugueses (Créditos: H. Casinhas/Observador)

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Até segunda-feira os Lindeboom viveram dias de sobressalto. As crianças não, conta Filip: “Estiveram sempre na brincadeira com os nossos filhos — acho que nem se lembraram do fogo. O Gerrit e a Hiskea, eles sim tentaram voltar a casa logo no domingo, preocupados — mas as estradas foram cortadas pela polícia. Ainda tentaram ligar a amigos em Salaborda mas os telefones não funcionavam por causa do fogo. Só ontem [segunda-feira] é que falaram com um amigo que lhes explicou que a casa estaria a salvo e os animais bem”.

Era tempo de nos despedirmos de Filip e Ruvnah, procurando outra vez pelos Lindeboom no vale. À hora de almoço ainda não tinham voltado a casa. Mas pouco depois, uma velha Toyota Hiace, azul, espaçosa, a ranger encosta abaixo, estacionava à porta de casa. Enfim chegavam. Aproximam-se e Gerrit atira prontamente: “Estamos bem, estamos completamente bem. Todos”. A mulher Hiskea, antes mesmo de entrar em casa, apercebe-se de que os cães foram alimentados hoje. “Foste tu? Ohhh, obrigado!… Deus te abençoe!”, diz, curvando o corpo para a frente e erguendo as mãos em oração.

Hiskea traz no colo o filho de dois anos. Os restantes (quase todos loiros, olhos azulados, branquíssimos de tez) vão-se timidamente aproximando. Gerrit apresenta-os: “Pronto, nós é que somos os Lindeboom por quem procuravas ontem. Sou o Gerrit e esta é a minha mulher Hiskea. A minha filha mais velha é Amen. Quantos anos tens? Doze? Treze, treze. O Yuran tem dez anos. Onze? Onze! Este é o Levi que tem nove – ou quase nove. A Louise tem sete anos e o Nathan quatro. E o mais pequenino é Raheem. Idade? Dois anos — a Hiskea estava grávida dele quando nos mudámos para cá.”

Fugir ou fugir: tentar alcançar a casa (e salvá-la) seria o fim

Afinal, o que é que aconteceu aos Lindeboom na tarde de sábado? E como é que escaparam ao incêndio? Não escaparam.

E Gerrit explica: “Nós não estávamos em casa. Não estávamos. Então não ‘escapámos’. Tínhamos ido visitar um amigo em Sabugueiro…” Hiskea interrompe-o. “… E quando voltámos, por volta das sete da tarde, é que percebemos que havia um incêndio perto de nossa casa. Tentámos ir até lá, para salvá-la e acudir os animais, mas ao descer o fogo era cada mais intenso, o ar cada vez mais negro e mais negro, então voltámos para trás”, explica. Gerrit conclui, entre a certeza e o alívio: “Não conseguimos voltar. Tentámos, mas não conseguimos. Se voltássemos, hoje não estaríamos aqui. E pela estrada até Bêco ainda conseguimos dar boleia a mais três pessoas que fugiam. Foi horrível”.

Na segunda-feira o Observador acompanhou dois bombeiros, o vereador António Pena e uma técnica florestal na busca pela família de oito holandeses (Créditos: H. Casinhas/Observador)

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Apesar de tudo, os Lindeboom não sentem medo. Não sentiam antes — apesar do isolamento e do risco. E não sentem agora, depois de terem perdido tanta coisa.

“É verdade que ainda não caímos em nós. Ainda não sabemos bem o que aconteceu à nossa casa, só sabemos o que um amigo que cá veio nos contou por telefone. Acabámos de chegar. [Gerrit pousa as mãos a sobre a casa e fica com elas totalmente negras de fuligem] Mas a casa está bem. Medo? Medo não. Nunca. Nós sabíamos que houve um incêndio aqui perto há cinco anos – mas muito menor do que este. Mas não tínhamos medo de viver aqui isolados, não. Estamos felizes em Salaborda, temos tudo o que precisamos aqui, não há stress, as crianças estudam em casa. Nós só temos medo d’Ele, o criador; ele é o ‘chefe’. E protegeu-nos. É verdade que o fogo nos levou muitas coisas, mas continuamos a ter uma casa onde viver; isso é o mais importante. Agora vamos ter de começar de novo.”

A família Lindeboom: Yuran, Amen, Gerrit, Louie, Nathan, Heskia, Raheem e Levi (Créditos: H. Casinhas/Observador)

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À despedida, pois é tempo de recomeçar para os Lindeboom, Gerrit pergunta-nos:

– Como é que está tudo por aqui?
– Sessenta e quatro mortos. Até agora…
– Como?! Sessenta e quatro? Oh meu Deus! Isso é tão triste… Vamos rezar por eles.

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