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Os "papa-hackathons" portugueses que somam vitórias lá fora

Há uma equipa de portugueses, que trabalha na Outsystems, a ganhar maratonas de programação pelo mundo fora. O Observador falou com seis e descobriu que quando programam "por gosto, nunca é trabalho".

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Um dia. Uma app. Na primeira hackathon (maratona de programação) que Pedro Queirós venceu, há dois anos, o desafio era este: criar em menos de 24 horas uma aplicação que permitisse verificar o estado da licença de construção dos prédios de Atlanta, nos EUA. Acabou por resolver o problema mais rápido do que imaginava: “Fiz aquilo sozinho, numa hora, e fui dormir. Mas achava que ter uma aplicação móvel não era uma boa ideia”, conta ao Observador.

Na manhã seguinte, ligou-se aos dados reais das licenças e criou um “sistema de sms” para informar as pessoas através de uma mensagem. Um par de horas depois, estava tudo a funcionar. “Nunca tinha acabado uma hackathon em que a aplicação estivesse pronta a ser usada na realidade na segunda-feira seguinte”, nota. Tudo isto em menos de 24 horas e sem perder uma boa noite de sono. “Ganhei aquela hackathon e percebi que a diferença entre esta e as outras é que tinha conseguido pensar na ideia”, reconhece.

O termo hackathon pode não ser muito familiar, mas para Pedro Queirós, Rúben Gonçalves, Joel Alexandre e Bruno Martinho, e outros colaboradores da Outsystems, as maratonas de programação que reúnem dezenas, centenas, às vezes milhares de programadores em torno de soluções tecnológicas que resolvam problemas, já têm poucos segredos. Só em 2016, participaram em quatro hackathons, nos EUA: Finapps Party Atlanta, Goodie Hack, Global Hack e Metro Atlanta Rapid Transit Authority. Resultado: três vitórias e uma distinção. Da fama de “papa hackathons” já não se livram.

Pedro Queirós a receber 20 mil dólares por ter vencido uma hackathon nos EUA

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Quem são? São engenheiros de informática, são geeks e trabalham na Outsystems, uma empresa portuguesa detentora de uma tecnologia low-code, que, dizem os programadores, permite desenvolver aplicações de forma mais rápida e eficiente. Além disso, Pedro, Rúben, Joel e Bruno gostam de competição. Juntos formam a Team Portugal, quase como uma seleção nacional para maratonas de programação.

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Pedro Queirós, 34 anos, é o selecionador que lidera a equipa que, apesar de não ser sempre a mesma (e de às vezes não ser exclusivamente portuguesa), se tem destacado e repetido vitórias por onde passa. É engenheiro informático pela Universidade do Minho e vive em Atlanta, nos EUA, há quatro anos, onde lidera a equipa de especialistas da Outsystems. Durante a faculdade, descobriu as competições de programação, até que ganhou a primeira há cerca de dois anos. Desde então “praticamente” não perdeu nenhuma, conta.

Depois, Rúben Gonçalves, 31 anos, que lidera a equipa de Mobile and Front-end Expert da Outsystems, em Lisboa, depois de ter passado por São Francisco, nos EUA. Quando saiu do secundário, era a Geologia que o cativava, mas acabou por entrar no mundo da informática. Permitia-lhe fazer “coisas de autor que realmente causavam desafios”, explica. Da sua lista de vitórias, faz parte a Global Hack, que, em outubro, o “obrigou” a voar de propósito para Saint Louis. Era uma hackathon “gigante”, com cerca de 150 equipas, reunidas numa sala como o Meo Arena. Apesar de não terem recebido o primeiro prémio, foram distinguidos como a Best Team Spirit. “Acabamos por ser eleitos pela assistência como a equipa mais engraçada”, conta.

"É o gosto por podermos entregar uma aplicação a funcionar. Nós estamos aqui a semana toda a trabalhar e depois chegamos lá e conseguimos, em pouco tempo, fazer uma nova coisa, com um objetivo completamente diferente, com base em cenários que nem sabíamos que eram possíveis de acontecer"
Joel Alexandre, 37 anos

E como se convence alguém a fazer milhares de quilómetros mesmo que seja para fazer “coisas fixes” como “ganhar hackathons“? “Tenho de os chatear”, brinca Pedro. “Estamos a falar de pessoas que programam a semana inteira, no trabalho, e depois vão programar e passar stresses durante o fim de semana”, nota.

Ninguém melhor para explicar isto do que Joel Alexandre, 37 anos, que também vive em Atlanta. Em outubro, participou em três hackathons, em fins de semana seguidos. Como aguentou? “É o gosto por podermos entregar uma aplicação a funcionar. Nós estamos aqui a semana toda a trabalhar e depois chegamos lá e conseguimos, em pouco tempo, fazer uma nova coisa, com um objetivo completamente diferente, com base em cenários que nem sabíamos que eram possíveis de acontecer”, refere.

Bruno Martinho, 35 anos, é outro dos maratonistas. Licenciado em Electrotecnia e Computadores, a sua formação base fez-se na energia, mas o bichinho sempre esteve na informática. Trabalha em Atlanta há cerca de dois meses e meio. Do currículo, fazem parte duas hackathons, onde conquistou duas vitórias. “O que nós fazemos por gosto nunca é trabalho. No trabalho acabamos sempre por estar presos. Há um projeto, há um orçamento, há clientes, há chefes. E a diferença, aqui, é que quando estamos neste tipo de atividades, apesar de estarmos a fazer também o nosso trabalho, estamos num contexto completamente diferente, de liberdade, de desafio e de prova de capacidade”, salienta Bruno.

Há maratonas de programação que chegam a contar com milhares de pessoas

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Abrir alarmes de roupa com o telemóvel

A primeira competição de 2016, Finapps Party, decorreu em março e juntou programadores em Atlanta e em Londres. O desafio era outro: ter uma ideia inovadora que permitisse reduzir as filas de pagamentos. Como? “E se conseguíssemos, com o telemóvel, abrir o alarme que as roupas trazem? Testámos a ideia em poucas horas, simulamos tudo com dois telemóveis, e fomos a uma loja pedir que nos arranjassem alarmes para fazer a demonstração”, conta Pedro. Em 24 horas, desbloqueou o alarme, passando apenas o telemóvel. Ao mesmo tempo, criou uma app que permitia ao consumidor comprar o produto, fazer o pagamento através do telemóvel e, no final, o alarme abria.

As hackathons já não são apenas para programadores. As empresas que não fazem parte do mundo tecnológico também aproveitam as intensas maratonas de brainstorming e de desenvolvimento para terem novas ideias sobre diversos temas: da mudança cultural aos transportes, ao planeamento das cidades ou para criar soluções que ajudem comunidades. Foi o caso da Goodie Hack, que decorreu em outubro, em Atlanta — a primeira hackathon de Joel Alexandre e de Bruno.

"Algumas organizações dão formações a jovens e arranjam-lhes trabalho. Se uma empresa precisasse de um jardineiro, por exemplo, podia contactar essas organizações e receber licitações"
Joel Alexandre, 37 anos

Os dois engenheiros não iam para competir mas, no final, levaram o troféu para casa com uma ideia que minimiza os efeitos da gentrificação. Desenvolveram numa solução que facilita o contacto entre empresas e trabalhadores locais, para que se mantivessem na comunidade: “Algumas organizações dão formações a jovens e arranjam-lhes trabalho. Se uma empresa precisasse de um jardineiro, por exemplo, podia contactar essas organizações e receber licitações. As organizações diziam que conseguiam formar quatro ou cinco ou 20 jovens e as empresas ficavam com essas pessoas durante x tempo por determinado valor”, explica Joel.

No fim de semana que se seguiu à Goodie Hack, Pedro, Joel e Bruno participavam já noutra hackathon, desta feita promovida para o metro da cidade de Atlanta (MARTA). Apesar de estarem do outro lado do oceano, muitos dos problemas de uma rede de transportes, como a de Lisboa ou do Porto e que utilizam cartões recarregáveis, são comuns. Como muitas vezes não temos ideia do saldo ou da quantidade de viagens que temos no nosso cartão, a ideia destes programadores era utilizar a tecnologia NFC, presente no chip do cartão, e fazer com que se pudesse ler o saldo do cartão a partir do próprio telemóvel.

Muitas vezes estas ideias não se perdem pelo caminho. Nas maratonas de programação que têm como objetivo ajudar uma cidade, as propostas apresentadas podem realmente ser implementadas. Nas hackathons que têm prémios muito altos (podem chegar aos 20 mil dólares), as empresas que as promovem compram a propriedade intelectual dos projetos e podem depois desenvolvê-los.

"Fomos tão ambiciosos que construímos um sistema de uma ponta a outra que foi muito mais do que a organização estava a pedir"
Rúben Gonçalves, 31 anos

O segredo está na tecnologia

São ideias muito diferentes, com diferentes objetivos, mas que acabam por ser concretizadas graças a uma “vantagem” que os profissionais da Outsystem dizem ter encontrado. O segredo, dizem eles, está na tecnologia que utilizam e que é desenvolvida em Portugal. “É sem dúvida a plataforma”, referem. Porquê? Porque”permite desenvolver aplicações muito rápido”, sem escrever muito código, refere Rúben. “O problema da programação é que tens de escrever muito código para conseguir que aquilo faça o que tu queres”, acrescenta. Como a implementação acabar por ser mais fácil, a equipa tem geralmente mais tempo para pensar na ideia, desenvolver e testar o produto para ser apresentado sem falhas.

E admitem até já ter “caído no erro” de fazerem “demasiadas coisas”. Como daquela vez em que fizeram uma aplicação para ajudar as equipas com quem estavam a competir. Na Global Hack, o objetivo era desenvolver soluções tecnológicas para causas sociais, no caso, sem-abrigos. “Fomos tão ambiciosos que construímos um sistema de uma ponta a outra que foi muito mais do que a organização estava a pedir”, refere Rúben. Não ganharam o primeiro prémio, mas a ousadia valeu-lhes a distinção de Best Team Spirit e a alcunha de Team Portugal.

"O importante é mesmo focar na ideia e fazer uma coisa boa, ambiciosa, que não precisa de estar perfeita. Ninguém espera uma coisa perfeita numa hackathon"
Pedro Queirós, 34 anos

“O importante é mesmo focar na ideia e fazer uma coisa boa, ambiciosa, que não precisa de estar perfeita. Ninguém espera uma coisa perfeita numa hackathon“, salienta o líder da equipa. É identificar bem o contexto do problema e “calçar os sapatos da outra pessoa”, diz Rúben. Por isso, a primeira noite de competição costuma ser dedicada ao brainstorming, à definição das ideias e como vão ser implementadas. Depois vão dormir. Dito assim parece fácil, mas não é, admite Pedro. “Não é fácil. Mas estas coisas vão lá com trabalho. O que se tem de fazer é pegar na ideia e ir falar com outras pessoas, entrevistar as pessoas, fazer protótipos, testar e iterar até refinar”, nota.

O número de hackathons em todo o mundo tem vindo a aumentar e Portugal acompanha a tendência. Em outubro, o Porto acolheu uma maratona de programação promovida pelo unicórnio de origem portuguesa (empresa que está avaliada em mais de mil milhões de dólares) Farfetch. Nesse fim de semana, enquanto Pedro, Bruno e Joel ganhavam a competição da MARTA, em Atlanta, outra equipa da Outsystems dava cartas na competição da Farfetch.

Na equipa que venceu essa hackathon estava Joana Mendonça, 31 anos. Ao contrário dos colegas, Joana não vem da área das tecnologias. É licenciada em Direito pela Universidade de Lisboa, mas o mundo da inovação esteve muito presente na sua vida nos últimos cinco anos, quando estava responsável pelo Gabinete de Empreendedorismo da Universidade Nova de Lisboa. Quando começou a fazer o mestrado em Gestão, entrou para a Outsystems e, hoje, lidera o treino digital dos programadores a nível mundial. Antes disso, teve uma startup, um projeto que acabou por não correr muito bem, mas a “resiliência, a resistência e a determinação” que diz ter do Direito não a afastaram da “paixão” pela tecnologia.

Rúben Gonçalves a receber o cheque do prémio de Best Team Spirit

A hackathon da Farfetch não foi a primeira em que participou nem que ganhou. O segredo da vitória, considera Joana, foi não terem desenhado apenas uma aplicação, mas sim “uma experiência” que levava o utilizador numa (hipotética) viagem até Londres para fazer compras. Através da aplicação da Farfetch, o utilizador descarregava o catálogo dos produtos que existiam nas lojas de Londres e podia utilizá-lo em offline durante o voo.

Durante a viagem pela app, tal como no Tinder, podia fazer swipe [movimento de deslizar o dedo] para a esquerda e para a direita, escolhendo as roupas de que mais gostava. Quando aterrasse, o cliente fazia a sincronização com a internet e obtinha uma lista das lojas onde existiam aqueles produtos. Através do telemóvel, podia agendar uma visita à loja e, quando lá chegasse, tinha o vestido que queria experimentar à espera no provador.

O provador era interativo, o espelho permitia tirar fotografias e partilhar com as amigas e, como o cliente estava em viagem e não era confortável andar com sacos atrás, as compras seriam enviadas diretamente para a morada no país de origem. “Era toda uma experiência que implicava várias aplicações, incluindo uma em que podíamos fazer uma ligação pelo espelho para um stylist que nos ajudava a escolher a roupa”, explica Joana. Ao fim de 30 horas, a equipa tinha desenvolvido não uma, mas três aplicações que estavam funcionar. “As pessoas pensavam que era mentira, que nós já vínhamos com o trabalho feito de casa”, nota Joana.

"Isto não é um evento para techies ou só para quem sabe desenvolver. Nós tínhamos programadores, pessoas puramente técnicas, eu estava mais orientado para o negócio, a Joana estava claramente orientada para o pitch e para a mensagem e a outra equipa até tinha um designer, que não tem nada a ver com tecnologia"
Hélder Ribeiro, 36 anos

As ‘hackathons’ não são só para ‘techies’

À semelhança de outras maratonas de programação, a equipa que foi à da Farfetch era constituída por cinco elementos, na qual se encontrava o estreante Hélder Ribeiro, 36 anos. Fez o curso de Engenharia Eletrotécnica no Técnico de Lisboa e trabalhou como programador durante quatro anos – até que passou para a área da consultoria. Neste momento, é responsável pela gestão de clientes da Outsystems.

Apesar de ter “deixado de fazer coisas muito técnicas” há já dez anos, aceitou o desafio. “Foi também uma forma de diversão, de fazer uma coisa que é muito diferente da que faço no meu dia a dia e de ajudar as competências que neste momento tenho, que são mais de negócio e ajudar a equipa mais técnica a cumprir aquele desafio”, admite Hélder Ribeiro. Há, por isso, espaço para todos.

As pessoas de fora "trazem uma opinião e uma visão fresca sobre os problemas que estamos a tentar resolver. Tecnicamente, eu posso ser muito bom, mas posso não fazer ideia de quais são os problemas que as pessoas têm", considera.
Hélder Ribeiro, 36 anos

“Isto não é um evento para techies ou só para quem sabe desenvolver. Nós tínhamos programadores, pessoas puramente técnicas, eu estava mais orientado para o negócio, a Joana estava claramente orientada para o pitch e para a mensagem e a outra equipa até tinha um designer, que não tem nada a ver com tecnologia”, assegura. Para Hélder, é importante ter a ajuda de pessoas que não conhecem a tecnologia, mas que estão ligadas ao problema, porque “trazem uma opinião e uma visão fresca sobre os problemas que estamos a tentar resolver. Tecnicamente eu posso ser muito bom, mas posso não fazer ideia de quais são os problemas que as pessoas têm”, considera.

Muitas vezes o júri não é constituído por pessoas da área da tecnologia, por isso, para Bruno, “a parte mais interessante é conseguir mostrar que as coisas são possíveis, que por muito que pareçam complicadas se conseguem implementar. Quebra-se aquela fronteira do impossível para o atingível”, refere Bruno.

A par de todo o desafio e do conhecimento técnico, há uma coisa que distingue esta equipa nacional: “A nossa mentalidade de problem solvers (do desenrascanço, em bom português) ajuda muito a ter ideias criativas para resolver problemas e a encontrar soluções que nem sempre são óbvias”, conclui Joel Alexandre. Como o golo do Éder, estão a ver?

Editado por Ana Pimentel

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