“E não há papéis para eu distribuir? Até me sinto mal, carago. Sei que a sondagem de hoje é boa, mas tenho de continuar a fazer campanha”, desabafou Manuel Pizarro esta sexta-feira, logo à chegada da Sé do Porto, coração da cidade e um super bastião socialista. A frase podia resumir na perfeição o clima político que se vive na corrida à autarquia portuense: os socialistas acreditam, talvez como nunca acreditaram, que a vitória é de facto possível; Rui Moreira, por sua vez, parece estar a perder vantagem para chegar à maioria absoluta desejável.

Os dois são diferentes. Um foi comunista, o outro toda a vida burguês da Foz. Um é socialista e político profissional, o outro é um profissional sem querer ter nada a ver com a política tradicional. Rui Moreira rompeu com o PS por causa de uma entrevista de Ana Catarina Mendes ao Observador, acusando os socialistas de estarem tentar condicionar as decisões do movimento independente. Manuel Pizarro foi dado como politicamente irrecuperável e Rui Moreira tinha, teoricamente, via verde para a gloriosa maioria.

Os dois homens que deviam estar a lutar por uma maioria absoluta depois de quatro anos juntos na câmara, entraram nesta campanha eleitoral como adversários, circunstância que se tem agravado à medida que a campanha se aproxima da reta final. Agora é a valer e os dois vão mandando recados todos os dias, com mais ou menos acidez á mistura.

Pizarro, que começou a corrida condenado a procurar um segundo lugar que lhe permitisse de alguma forma lavar a honra, apareceu esta sexta-feira empatado numa sondagem com Rui Moreira. O socialista entra assim na semana final a fazer pressão para passar o independente. Enquanto não se conhecerem os verdadeiros resultados, até parece que a melhor coisa que podia ter acontecido a Pizarro foi o divórcio com o antigo aliado. Moreira está livre de partidos como desejava — o CDS é discreto — mas a tarefa tornou-se aparentemente mais difícil.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Eu é que fui o presidente da câmara. Não, o presidente sou eu…

O facto de Manuel Pizarro ter sido, durante os últimos três anos e meio, um animado e convicto seguidor de Rui Moreira, traz um ingrediente curioso à disputa eleitoral: depois de ter sido um fiel apoiante do atual presidente da Câmara, depois de ter convencido o partido a apoiar Moreira, abdicando de uma candidatura própria, depois de ter dito que grande parte do programa que foi executado era o programa do PS, o socialista teve de recalibrar o discurso como opositor de Moreira.

O candidato do PS encontrou uma fórmula criativa de o fazer: assumir para si a maioria dos méritos do atual executivo. Sobretudo na área da habitação e da ação social. É o que diz para convencer os eleitores: “Agora imaginem o que conseguiremos fazer numa posição maioritária”, vai repetindo, aqui e ali.

Rui Moreira não acusa o toque. Não esse, pelo menos. Quando confrontado com a estratégia de Manuel Pizarro, o presidente da Câmara do Porto chega mesmo a dizer que qualquer dia ainda ouvirá Pizarro dizer “que foi ele que construiu a Torre dos Clérigos”. Os eleitores decidirão quem foi mesmo o presidente da câmara nos últimos quatro anos.

Um político profissional contra um profissional que diz não ser político

Na rua, as diferenças entre os dois são também evidentes. Manuel Pizarro é desde sempre um político. Cresceu na escola comunista, percorreu todo o aparelho socialista e já cumpriu muitas vezes o circuito do lombo de porco — vulgarmente conhecido como campanha eleitoral. Distribui beijos, abraços e apertos de mão como só um político com a sua tarimba sabe fazer.

Rui Moreira é diferente. Nunca foi político e diz não quer ser político. Evita a rua, não por inaptidão, mas porque diz ter fobia ao carnaval da política-espetáculo.

Pode ver aqui o Best Of do Carpool do Observador com Manuel Pizarro:

“Queremos uma campanha discreta, sem grandes arruadas, bombos e bandeiras. Não temos parafernália, não há barulho, nem há ruído. Acho que as pessoas estão cansadas disso. As pessoas deixaram de olhar com clubite para as eleições. Isso para um movimento independente como o meu, é excelente. Acho que os partidos estão em crise e se não encurtarem caminho e se não perceberem o que está a suceder isto pode agravar”, chegou a afirmar o autarca, durante uma visita relâmpago a um centro de convívio para reformados no Porto.

O presidente da câmara tem alternado, aliás, entre uma agenda pública e outra privada, cumprindo várias ações de campanha sem avisar a comunicação social. “Gosto muito de vocês, mas às vezes gosto de ser só eu”, desculpou-se perante os jornalistas. Resta saber se essa estratégia se vai manter até ao fim. Para já, mesmo com sondagens menos brilhantes, Rui Moreira garante que sim, que nada se vai alterar.

Pizarro está definitivamente modo campanha profissional. Anda de bicicleta, de metro, vai para onde sabe que vai ser bem recebido, arrisca uma corrida com Rosa Mota (sábado) e nova volta de bicicleta (domingo) pelo Porto.

Além disso, investiu em força como qualquer grande partido que se preze: há bandeiras, carros de apoios e outdoors gigantes com a cara do socialista espalhados por toda a cidade. O slogan “Fazer pelos Dois” é uma evidente mas nunca assumida referência à música de Salvador Sobral que venceu o Festival da Eurovisão.

O desgaste de Moreira com o caso Selminho e a evolução de Pizarro

A novela em que se transformou o caso Selminho não ajuda às contas do independente. Os adversários de Moreira não desistem do tema e aproveitam cada oportunidade para atingir o presidente da Câmara — que continua, debate após debate, entrevista após entrevista, a não encontrar uma fórmula que afaste definitivamente o fantasma que paira sobre ele.

Pode ver aqui o Best Of do Carpool do Observador com Rui Moreira:

E Pizarro, que durante três anos e meio pouco ou nada disse sobre o tema, teve de ir modelando o seu discurso para não ficar isolado na defesa ou indiferença perante o seu antigo aliado. Começou por não querer falar do tema. Depois admitiu que o caso não estava encerrado. E a seguir passou a defender que a câmara tinha de reclamar nos tribunais a posse dos terrenos que estão nas mãos da família de Rui Moreira: “Os serviços jurídicos devem interpor as ações judiciais que se revelarem mais apropriadas para fazerem valer o registo em nome da câmara municipal do Porto”.

No meio deste caldo, Moreira segue praticamente a solo. Não por falta de reconhecimento — como sucede, por exemplo, com Álvaro Almeida. O presidente da câmara é um fenómeno de popularidade nas ruas do Porto, mas é um one man show: apesar de ser apoiado pelo CDS, Rui Moreira vai evitando a presença dos democratas-cristãos nas ações de campanha e assume as despesas da campanha, seguido sempre por uma pequena comitiva de tropas mais fiéis.

O cordão sanitário para o CDS é de tal forma evidente que Rui Moreira não se encontrou com Assunção Cristas no Porto, depois de a líder democrata-cristã e candidata do CDS a Lisboa ter percorrido mais de 300 quilómetros para participar num evento no Palácio da Bolsa. “Não sabia“, explicou Rui Moreira aos jornalistas, durante a ação de campanha desta tarde, apesar de a deslocação de Cristas ter sido naturalmente divulgada pela comunicação social.

Horas antes, no debate organizado pela TSF e pelo JN, Pizarro já tinha tocado na ferida: o socialista acusou Rui Moreira de esconder o apoio do CDS, quando tem as listas carregadas de militantes democratas-cristãos. O presidente da câmara do Porto não deixaria o ex-aliado sem resposta: “Quando Pizarro queria estar nesta candidatura nunca levantou esse problema. Tenho muito orgulho no apoio do CDS. Há quatro anos, o CDS apoiou-nos, não nos condicionou de maneira nenhuma e tratou-nos muito bem. E estamos muito agradecidos. O CDS percebeu nessa altura que éramos um movimento independente”.

O autarca descartou, aliás, uma eventual participação de Cristas na campanha. “Não está previsto nada“. Perante a insistência dos jornalistas, exasperou: “Mas não tenho problema em encontrar-me com quem quer que seja. E também não tenho problema nenhum em encontrar o líder do PS, que por acaso é chefe do Governo e tem vindo tantas vezes cá apoiar o Pizarro. Pode ser que um dia consiga encontrar alguém do Governo que venha cá que não seja para fazer campanha.”

O isolacionista vs. o construtor de pontes

Moreira não gosta de Almeida, que não gosta de Moreira, que também não gosta de Ilda e muito menos de Teixeira Lopes. Sobraria Pizarro, não fosse a tinta que foi usada para assinar os papéis de divórcio estar ainda tão fresca. O facto de Rui Moreira ser o alvo a abater por todos os adversários coloca-o numa situação complexa: se ganhar sem maioira, governa com quem?

À falta de pretendentes — e à falta de coragem política para pedir uma maioria absoluta –, Rui Moreira vai alertando os eleitores para os problemas de governabilidade que se podem colocar se as intenções de voto se traduzirem nas urnas. Uma forma subtil de pedir maioria absoluta, sem a pedir. Manuel Pizarro percebeu isso mesmo e vai ataca: Moreira é, aos olhos dos socialistas, um homem isolado, incapaz de dialogar e disposto a tudo para governar sozinho.

“Agitar o papão da ingovernabilidade é inventar um assunto, porque no Porto nunca houve nenhum problema de ingovernabilidade. É mais uma demonstração do isolamento com que Rui Moreira hoje se apresenta perante a cidade.”, disse Manuel Pizarro ao Observador. “Ele sente que tem dificuldade em dialogar com as instituições da cidade e também com as outras forças políticas. Porque de outra forma não há uma boa justificação para agitar agora o papão da tal ingovernabilidade se não tiver maioria absoluta”, sugere o socialista ao Observador.

Perante isto, Pizarro reclama a fórmula que António Costa deu com sucesso: o PS, e ele próprio, são os único capazes de dialogar à esquerda — mas também à direita. É essa a receita escolhida pelo candidato para enfrentar o resto da campanha: transformar as eleições ao Porto num duelo entre o pacificador e o tirano, entre o construtor de pontes e o absolutista.

O socialista só ignora o contexto em que está envolvido: ao contrário de Costa, Pizarro tem no currículo uma aliança à direita e animosidade à esquerda. Importar a “geringonça” para o Porto é improvável e quaisquer acordos pontuais de governação seriam negociados à vírgula. Por muito que o socialista o jure, qualquer resultado que não seja a maioria absoluta de Moreira ou Pizarro, trará evidentes dificuldades de governação ao Porto.

O socialista que empatava o independente, aparece empatado

As duas sondagens divulgadas esta sexta-feira vieram baralhar as contas: uma, coloca Rui Moreira perto da maioria absoluta (Aximage); outra, dá um empate técnico entre os dois antigos aliados (Católica). O histórico recente da cidade do Porto impõe cautelas. Rui Rio venceu pela primeira vez contra todas as expectativas e Luís Filipe Menezes sofreu uma derrota humilhante quando era apontado como grande favorito para a suceder a Rio. Seja como for, o desenrolar da campanha no terreno e os números até agora divulgados estão a ter efeitos na corrida à autarquia portuense.

Embora desvalorize os estudos de opinião, Manuel Pizarro sente que está a ganhar ímpeto. “É melhor ter sondagens com bons resultados, do que com maus resultados. Mas os portuenses não gostam de ser substituídos: são eles que decidem o futuro da cidade. Nós não nos considerámos vencedores antecipados, nem nos resignámos a ser derrotados antecipados. Levámos a sério esta campanha. Quem não vai aos debates, quem não apresenta programa eleitoral, não está a tratar dos assuntos das eleições com a seriedade que o assunto merece“, diz o socialista. O alvo? Rui Moreira, claro.

Contra todas as expectativas, o divórcio entre Rui Moreira e Manuel Pizarro parece estar beneficiar o socialista. Pelo menos, teve um efeito imediato: uniu o aparelho socialista em torno de um objetivo comum e salvar a honra do partido, depois de ter sido humilhado por Rui Moreira — recorde-se que o autarca chegou a propor ao seu antigo aliado que se juntasse a ele, desde que abdicasse do apoio do PS. A máquina do PS está com Pizarro no terreno e António Costa, que se empenhou diretamente na candidatura ao Porto, vai aparecer ao lado do candidato para uma demonstração de força dos socialistas.

Mas há outro fator a contribuir para um crescimento dos socialistas. O trabalho de Manuel Pizarro na Câmara do Porto, com a pasta importante de vereador da Habitação e da ação Social, deu-lhe uma notoriedade que não tinha quando concorreu às autárquicas de 2013. Os últimos três anos voltaram a dar protagonismo ao partido no Porto, depois de 12 anos de domínio do PSD.

Rui Moreira, por sua vez, vai correndo na sua pista e recusa-se a comentar sondagens. “Não trouxe os meus cromos para trocar convosco“, repetiu, à medida que os jornalistas tentaram obter uma reação ao possível empate técnico com Manuel Pizarro. Tradução: sondagens há muitas e Rui Moreira já teve a sua dose de profecias que não se cumpriram.

O independente tem uma vantagem clara em relação a Pizarro e a qualquer outro candidato: é um presidente recandidato e tem, por isso, o favoritismo do seu lado. Mas a corrida, afinal, podem “não ser favas contadas”, como já sugeriu Rui Rio, numa das raras aparições públicas ao lado do candidato do PSD ao Porto, Álvaro Almeida. A acreditar no que dizem as sondagens, a cisão com Manuel Pizarro não iluminou o caminho de Moreira até à Câmara do Porto. Tornou-o mais agitado, com acusações de arrogância e soberba à mistura.

Rui Moreira está aflito? PS acredita que sim

Para os socialistas, a aparente ausência de Rui Moreira na campanha eleitoral é sinónimo de arrogância. O autarca achava que tinha as eleições no bolso, vão dizendo os militantes do PS. Pizarro não deixa passar uma oportunidade para recordar que o independente ainda não apresentou o programa eleitoral. Vai fazê-lo este sábado, a pouco mais de uma semana das eleições.

A recusa de Rui Moreira em participar em alguns debates organizados no Porto e pela comunicação social tem sido outra arma de arremesso de Pizarro. A participação de Rui Moreira no debate da Antena 1 — não estava prevista e foi confirmada na quinta-feira — está a ser entendida entre os socialistas como uma reação antecipada às sondagens que iam ser conhecidas esta sexta-feira. O mesmo vale para a colocação de outdoors — Moreira não os tinha, agora tem quatro. “Ele anda aflito“, ouviu o Observador.

Rui Moreira garante que não, que a participação nesse debate nada tem que ver com a pressão dos números. E afasta qualquer acusação de falta de presença nas ruas com a experiência de 2013: nessas autárquicas, quando derrotou o establishment partidário do PSD e do PS, as ações de campanha foram igualmente pouco expansivas e nada mediatizadas.

No dia 1 de outubro, o resultado das eleições vai demonstrar que estratégia foi a mais acertada. Uma coisa é certa: quando tudo fazia prever que esta corrida às urnas fosse apenas um passeio para Rui Moreira, a imprevisibilidade histórica do Porto pode reservar nova surpresa. Mas isso só se saberá no dia 1 de outubro. Até lá, falta uma semana de luta política. Um para recuperar. Outro para manter. Os antigos aliados combatem por um eleitorado que os faça regressar ao topo da avenida com o mesmo nome.