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Andreia Reisinho Costa

Andreia Reisinho Costa

PJ tem 500 incendiários identificados. Nenhum é pirómano

A base de dados da Polícia Judiciária reúne, desde 1997, perfis de 500 incendiários. A nenhum foi traçado um diagnóstico de piromania, mas a maior parte sofre de doença mental.

Há oito anos que os bombeiros de Proença-a-Nova não enfrentavam um inferno assim. As temperaturas, pensavam eles, tinham trazido de volta os violentos incêndios numa zona caracterizada por si só como perigosa, por ser rica em pinhal. Mas, dias depois do maior fogo deste verão no concelho, ficariam incrédulos. Não tinha sido o calor o rastilho do fogo, mas um ex-colega da corporação: José, 46 anos, foi detido por suspeitas de ter ateado 16 fogos no concelho. Preso preventivamente, é agora um dos cerca de 500 incendiários detidos que constam na base de dados da Polícia Judiciária. Mas não é pirómano.

“Geralmente os incendiários são indivíduos que vivem na floresta e que, quando assumem o que fizeram, consideram o seu comportamento pouco grave, porque ‘não mataram ninguém’, como costumam dizer. Acham que a floresta volta a crescer depois e que não é grave. Nalguns casos, os fogos resultam de fogueiras feitas a horas indevidas, noutros são situações mais graves, de doença mental. Mas não existem pirómanos em Portugal. Aliás, mesmo em termos internacionais é muito raro”, afirma ao Observador a psicóloga da Polícia Judiciária, Cristina Soeiro.

José tem 46 anos e foi detido pela Polícia Judiciária (PJ) na segunda quinzena de setembro. O juiz considerou que os 16 fogos que terá ateado eram indício suficiente para que ficasse em prisão preventiva a aguardar o desenvolvimento do processo. José foi também o 72.º detido neste ano de 2016 por suspeita do crime de incêndio florestal. E terá sido responsável por uma área ardida de “um milhão de metros quadrados, composta por povoamento de pinheiros, eucaliptos, sobreiros e oliveiras”, especificou a PJ em comunicado. Mesmo assim, não é considerado pirómano.

Foram as suas mãos que escreveram em dezembro uma carta aos responsáveis pelos Bombeiros Voluntários de Proença-a-Nova, onde entrara há doze anos transferido da Sertã, depois de ter mudado de casa. José, casado e com filhos, trabalhava como mecânico numa oficina que até tinha acordo com os bombeiros. Na carta que enviou ao Comando, explicava que teria que se retirar das funções de bombeiro voluntário por “problemas pessoais”. Fonte dos bombeiros explicou ao Observador que José sofria de uma doença “que não o incapacitava fisicamente”, e que tinha “muitas consultas marcadas”. Teria chegado à conclusão de que não era possível conciliar as duas coisas.

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Em Proença-a-Nova ninguém percebe o que passou pela cabeça de José. “Sempre foi um homem prestável, super acessível, tranquilo, e nunca nos passou pela cabeça que pudesse fazer isto”, disse o comandante dos bombeiros Tiago João Serra Marques, que assinou já um comunicado na tentativa de manter os seus homens motivados. “Não queremos que associem os bombeiros aos incendiários”, esclareceu ao Observador. “O corpo de bombeiros vive um momento de consternação e de tristeza”, escreveu no comunicado que divulgou na rede social Facebook.

Não se sabe porque é que José provocou 16 fogos — mas por prazer não foi. Segundo a psicóloga clínica Diana Frasquilho, a piromania é “uma perturbação do controlo de impulsos e foi mais recentemente classificada como uma perturbação de controlo de impulsos e de conduta, por incluir não só problemas relacionados com o controlo das emoções e comportamentos, mas também por esses problemas se poderem manifestar em comportamentos que violam os direitos de terceiros (como por exemplo agressão, destruição de propriedade) ou normas da sociedade ou figuras de autoridade”, esclarece.

Diana Frasquilho explica, por outras palavras, que, para ser diagnosticada a piromania a alguém, tem que haver “presença de múltiplos episódios de provocação deliberada e propositada de incêndios, antecedidos por tensão ou excitação afetiva antes do comportamento”. Ou seja, “o comportamento incendiário é motivado pelo fascínio ou atração pelo fogo e seguido pela sensação de prazer (ao provocar o incêndio)”. O pirómano aprecia as “qualidades estéticas do fogo”. Um prazer que o incendiário que procura “ganhos monetários”, expressar “raiva ou vingança” ou que esteja mesmo em “delírio ou alucinação” não sente. E é essa a diferença entre um pirómano e um incendiário, mesmo que este sofra de uma outra doença mental.

A psicóloga da PJ, Cristina Soeiro, diz que só é possível diagnosticar esta patologia quando todas as outras doenças mentais “são descartadas”. Por isso, em Portugal ainda não houve um diagnóstico semelhante.

José integra agora a base de dados da Polícia Judiciária, que reúne cerca de 500 incendiários. Criada em 1997, esta base permite à polícia perceber que tipo de incendiários existe em Portugal. Permite também monitorizar se há reincidências. De acordo com declarações de Cristina Soeiro ao Observador, nos últimos anos os incendiários que aparecem obedecem a três perfis diferentes.

Incendiario-perfil-clinico

A PJ chama incendiários de história clínica ao grupo de homens e mulheres detidos por suspeita de serem os autores de incêndios florestais a quem foram detetados problemas psicológicos. Os problemas mais frequentes resultam do álcool, da depressão ou do défice cognitivo. Estes incendiários, explica Cristina Soeiro ao Observador, são responsáveis por 55% dos fogos. Neste grupo há ainda 8% dos suspeitos do sexo feminino. A maior parte das mulheres que provocou um fogo, fê-lo por atravessar uma depressão ou em resposta a uma questão amorosa. Já os mais jovens deste grupo atuam por impulso ou por vandalismo, constata a psicóloga da PJ.

A taxa de reincidência também não é reduzida. 17 % destes incendiários são reincidentes, ou seja, já estavam referenciados pela polícia por crimes idênticos. “Têm uma visão muito simplista do mundo e não têm noção da gravidade dos seus atos”, explica Cristina Soeiro.

Incendiario-perfil-retaliatorio

No grupo dos incendiários retaliatórios estão 43% dos incendiários registados pela PJ. Aqui encontram-se homens e mulheres que cometeram o crime de incêndio por vingança, como por exemplo em casos de partilhas. De acordo com a psicóloga Cristina Soeiro, neste grupo os suspeitos agem com um motivo para cometer o crime.

Normalmente, conhecem os donos dos terrenos que escolhem para queimar e querem atingi-los por uma questão de vingança. 10% dos suspeitos integrados neste grupo são do sexo feminino.

Incendiario-perfil-beneficio

Os incendiários de benefício têm uma intenção económica, ou seja, procuram um benefício quando ateiam um fogo. Segundo a PJ, são uma minoria e representam apenas “1,6% dos incêndios criminosos”, diz Cristina Soeiro.

Os psiquiatras Pedro Oliveira e Joana Mesquita, coordenados pelo psiquiatra Victor Mota, analisaram 2834 perícias médico-legais feitas entre 1986 e 2011 no Hospital Conde Ferreira e na Unidade Funcional de Psiquiatria e Psicologia Forense do Hospital de Magalhães Lemos e traçaram uma análise sócio demográfica e clínica. Daqui, selecionaram 92 relatórios clínicos relativos a incendiários. A maior parte (56%) autores de incêndios florestais.

O trabalho, feito em 2013, concluiu que na maior parte (52,2%) dos casos analisados as pessoas em causa sofriam de debilidade mental, 39,1 % de alcoolismo e 17,4% de psicose. A 12% foi diagnosticada epilepsia e a 9,8% perturbações na personalidade. “Não foi encontrado nenhum indivíduo com diagnóstico de piromania”, lê-se nas conclusões do estudo apresentado no VI Congresso Internacional da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Psicologia da Justiça, em 2013.

Contactado pelo Observador, Pedro Oliveira explicou que o trabalho partiu mesmo da ideia de que em Portugal há um número elevado de incêndios com mão criminosa. Ressalva-se que o trabalho destes psiquiatras assentou em incêndios florestais e urbanos, mas as conclusões não se distanciam daquelas a que o gabinete de Psicologia da Polícia Judiciária já chegou: a maior parte dos incendiários sofre de doença mental, mas não é pirómano.

“O presente estudo, efetuado em 92 perícias médico-legais realizadas ao longo de 25 anos, corrobora o conhecimento prévio relativo às características sócio demográficas e clínicas mais habituais dos incendiários com doença mental”, lê-se.

Da amostra de doentes, os psiquiatras conseguiram perceber que a maior parte destes incendiários (94,6%) são homens, de 38 anos, sem ocupação profissional e solteiros. Os que se encontravam a trabalhar têm baixas qualificações e dedicavam-se à agricultura ou construção à civil. Aqui a taxa de reincidência foi de 6,5%.

Nalguns casos, o crime de incêndio estava associado a outros crimes, como danos, agressão, homicídio, coação sexual ou ameaça. Para a psicóloga da PJ, Cristina Soeiro, a taxa de reincidência combate-se não com a aplicação de medidas privativas da liberdade, como tem sido sugerido, mas com tratamento. “De que serve prender um incendiário com doença mental se depois esta doença não é tratada?”, interroga-se.

Pedro Oliveira explica que os resultados mostram a raridade de pirómanos que existe. “Este meu estudo é a prova disso, são mais frequentes os débeis mentais e alcoólicos, que são mais de 89%”, acrescenta. Na piromania, lê-se no estudo, “os incêndios são ateados pelo prazer de ver arder e pela satisfação do fogo em si. Os efeitos destrutivos das chamas produzem no pirómano um certo bem-estar e uma sensação gratificante, que o liberta da tensão”.

“Não é de todo surpreendente a não existência de um verdadeiro pirómano na nossa amostra”, conclui-se.

Nos incendiários estudados, os motivos de incêndio prendiam-se principalmente com negligência, acidentes e ganhos primários, “sobretudo no contexto de vingança e delírio”. Tal como os incendiários registados pela PJ, apenas uma minoria agiu motivada por ganhos financeiros.

De acordo com a Autoridade Nacional de Proteção Civil, a 31 de agosto deste ano tinham sido registados 10.288 fogos, menos 3.194 do que no mesmo período de 2015 mas com uma área ardida bem maior: este ano arderam 107.128 hectares de florestas. Em 2015, no mesmo período, tinham ardido 58.601 hectares.

Quando anunciou este número, o comandante nacional operacional da ANPC, José Manuel Moura, afirmou que a área ardida estava acima da média dos últimos dez anos, com valores semelhantes a 2013 e 2010, mas inferiores a 2003 e 2005.

O comandante dos bombeiros de Proença-a-Nova, onde José foi preso, também refere que este ano foi “anormal” em termos de número de ignições. E que não se via um ano assim desde 2003. O último grande incêndio foi registado perto das propriedades da família de José, nos primeiros dias de setembro. José, ex-bombeiro, foi detido pouco depois.

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