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Estabilidade é uma das palavras mais ouvidas quer nos discursos de Passos Coelho, quer nos discursos de António Costa, mas estabilidade sem (mais) reformas não parece valer muito para os mercados. Mesmo sem maioria à vista, os analistas não parecem muito preocupados com a composição do Parlamento que sair das eleições, desde que o próximo Governo, à esquerda ou à direita, mantenha as reformas e não caia em extremismos, ou seja, coligações com forças que prevêem a possível saída do euro. Já os empresários falam em apreensão face aos resultados das eleições e contam que, dos seus parceiros de negócios internacionais, ouvem perguntas sobre a situação política em Portugal. Estes empresários mostram confiança, contudo, de que em nome da governabilidade “haverá bom senso”.

A situação política de um país, especialmente depois de passar por um programa de ajustamento, é um dos fatores que influenciam o investimento externo e a atividade das empresas, mas em vésperas de eleições e mesmo sem maioria absoluta à vista, Portugal não é, pelo menos para já, um ponto de preocupação para os mercados. Mas cuidado, isso pode mudar. “É claro que a economia sofre quando há incerteza política, mas considero que mesmo sem maioria absoluta isso não seria algo tão prejudicial como os socialistas tentarem seduzir as outras forças políticas à esquerda que se opuseram às reformas nos últimos anos”, afirma ao Observador Ralph Solveen, líder do departamento de investigação económica do Commerzbank.

Para António da Mota, presidente da Mota Engil, “é importante haver um Governo que tenha condições para fazer passar o seu programa” para os próximos quatro anos, mas isso não serve de nada sem algumas condições básicas. “A prioridade é sempre o crescimento e o emprego, sem isto, não há maioria que resista“, defende o empresário em declarações ao Observador, garantindo que para já não tem recebido quaisquer questões sobre a situação política de Portugal quando viaja ao estrangeiro. “Portugal conta pouco lá fora“, assegura o presidente da construtora.

Apesar do peso reduzido do país, há uma aversão generalizada por parte dos investidores em relação à incerteza política. “Quem investe, quer como empresário, quer como financiador, tem sempre alguma aversão ao risco e, portanto, à instabilidade das políticas e às incertezas dos parâmetros e regras que regem os negócios”, sublinha José Poças Esteves, presidente executivo da Sociedade de Avaliação de Empresas e Risco (SaeR). O especialista em Finanças diz que as condições subjetivas, ou seja, as vontades e decisões dos governos, também são avaliadas pelos mercados e que “as possíveis mudanças que criam incertezas são avaliadas negativamente”. “A maior ou menor estabilidade política é, pois, um dos fatores mais determinantes para as decisões de investimento“, garantiu ao Observador.

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Só uma maioria pode garantir estabilidade? Depende da maioria

Jorge Armindo, presidente da Associação Portuguesa de Casinos,  diz que não haver uma maioria no Governo “pode criar instabilidade”, porque ter maior número de deputados pode não significar nada se se tratar de um Governo minoritário. No entanto, o empresário diz esperar que “haja bom senso”. “Acredito que alguma crispação que agora existe no discurso político mudará após as eleições e que coisas que agora não parecem possíveis venham a tornar-se possíveis”, afirma Jorge Armindo, admitindo que dia 5 de outubro, a bem da estabilidade no país, “alguém terá de engolir sapos“.

Para Diogo Teixeira, administrador da Optimize, uma sociedade portuguesa de gestão de fundos, a estabilidade política é importante para todos os países, mas em Portugal assume um caráter definitivo já que o país “tem muitos desafios pela frente”. Uma maioria por si só, contudo, pode não ser garantia de maior sucesso económico. “No caso português o facto de existir uma maioria poderá não ser suficiente. Enquanto a coligação demonstrou claramente a sua intenção de manter condições muito favoráveis para o investimento, o mesmo não se aplica ao programa do PS, que deixa claro que irá favorecer uma política de procura, favorecendo o consumidor em vez do investidor”, considera o especialista.

A ideia de uma maioria não ser garantia de estabilidade por si só também é defendida por Steven Santos, gestor de ativos do banco BIG. “A maioria não é uma condição indispensável para atrair investidores para a bolsa nacional ou para cativar investimento direto estrangeiro. Os investidores valorizam a estabilidade política, mesmo que ocorram coligações entre correntes políticas distintas, e um enquadramento fiscal previsível, mas não exigem necessariamente uma maioria no governo”, defende o gestor em declarações ao Observador.

Também Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa Portugal e antigo secretário de Estado da Energia de Cavaco Silva, considera que não ter maioria não tem de ser um “drama”. Mas, no atual clima político “o discurso está muito polarizado, especialmente do lado do PS. O PS parece estar apenas disposto a falar com o Bloco de Esquerda e com o PCP, partidos que não querem o euro e querem sair da NATO”, sublinha o empresário.

Uma maioria parlamentar favoreceria a aposta dos investidores estrangeiros em Portugal, na opinião de Ralph Solveen. O economista alemão até avança qual a maioria que geraria maior confiança nos mercados. “O interesse seria ainda maior se a coligação que agora governa o país se conseguisse manter em funções”, diz o economista do Commerzbank.

Ralph Solveen, do Commerzbank, diz que as eleições em Portugal são “um evento menor” e que não se antevê uma grande mudança no sentido da política económica do país. Para José Poças Esteves, a “ansiedade não é muito elevada” e uma das maiores razões para isso acontecer é a pertença de Portugal à União Europeia e à zona euro e o apoio das duas maiores forças políticas a estes projetos. “As maiores incertezas poderão advir da política fiscal e de emprego e das condições estruturais de competitividade da economia portuguesa a médio e longo prazo”, admite o presidente da SaeR.

Desde 1985, Portugal conheceu quatro governos de maioria relativa. Só um durou a legislatura toda, o primeiro de António Guterres (1995-99). Cavaco Silva caiu com uma moção de censura, Guterres demitiu-se em 2001 e José Sócrates em 2011.

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Reformas, reformas, reformas e dúvidas

Com ou sem maioria, a estabilidade, segundo os analistas e empresários, parece vir da vontade de continuar a reformar o país. “Sem estabilidade política não há reformas, o país continua, no melhor dos casos, a avançar pela força da inércia, no pior dos casos começa a paralisar aos poucos. Um país enfrenta os mesmos desafios, ao nível macro, do que as empresas: precisa de ser gerido, de ter uma estratégia, uma boa gestão das despesas e dos investimentos. Sem estabilidade política Portugal estará condenado”, defende Diogo Teixeira, da Optimize.

A questão do pós-eleições tem surgido nas deslocações de Nuno Ribeiro da Silva ao estrangeiro, especialmente quando está em Espanha. “Já tive várias perguntas. Em Espanha salta logo a pergunta sobre o ponto de situação, porque Portugal é um ponto crítico de atenção e preocupação”, defende o antigo governante que lida com o setor das energias. Já no setor do turismo e nos casinos, Jorge Armindo garante que “não será difícil obter consensos”, já que não há grande discrepância entre a esquerda e a direita, “a não ser na taxa do IVA da restauração”. “Há muitos setores com apoio maioritário, mas é claro que se não houver estabilidade política, isso vai afetar toda a economia”, conclui.

Quanto à dinâmica nos mercados, Portugal tem sido um dos maiores beneficiados pelos estímulos do BCE e os juros da dívida estão em mínimos históricos. Mas o banco americano Morgan Stanley considera, num relatório sobre as eleições portuguesas, que o processo pode complicar-se, caso não haja um vencedor claro depois das eleições de 4 de outubro. “Isso poderá significar negociações longas e volatilidade política, sobretudo porque governos minoritários são acontecimentos raros em Portugal e os partidos não estão habituados a este tipo de situação”, receia o Morgan Stanley. O banco considera ainda não haver “um plano de reformas estruturais”, nem à direita, nem à esquerda, avisando que isso pode penalizar a economia a prazo.