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O julgamento do ex-ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, acusado de violência doméstica e difamação, foi retomado esta sexta-feira. O caso esteve suspenso ao longo de dois meses devido a um incidente de recusa da juíza. O Observador foi consultar o processo e mostra-lhe as provas que o tribunal tem em mãos, além das 70 testemunhas que falta ouvir.

Os testemunhos

Na primeira sessão do julgamento, Manuel Maria Carrilho não quis prestar qualquer declaração, pelo que a juíza Joana Ferrer passou logo à primeira de mais de 70 testemunhas arroladas no processo: Bárbara Guimarães. A apresentadora, que é a vítima, contou vários episódios que acabaram com Carrilho a “agarrar-lhe os braços e a dar-lhe pontapés”. Nalguns momentos do seu testemunho, tanto a juíza como a procuradora do Ministério Público tiveram que travá-la e fazê-la recuar. “Estamos num sítio onde essas coisas têm que ser explicadas. Nem eu, nem a procuradora, nem os advogados estiveram a ver as discussões”, disse-lhe a determinada altura a juíza Joana Ferrer.

Bárbara Guimarães contou alguns episódios que constam na acusação e que mostram como as discussões entre ela e o marido acabaram em confrontos físicos. Segundo o despacho de acusação, a relação entre eles agravou-se em 2012, quando Carrilho regressou de Paris para depois se reformar. Naquela altura, a filha mais nova do casal ainda não tinha dois anos. Carrilho, refere a acusação do Ministério Público, começou a isolar-se cada vez mais e a criticar o trabalho de Bárbara Guimarães, insultando-a. Controlava todos os seus passos, o seu telemóvel, os seus e-mails. A apresentadora conta que a maior parte das discussões ocorriam na cozinha e que nunca foi ao médico por “vergonha”. Chegou a contar a familiares e amigas próximas que a relação estava a deteriorar-se. Mas ninguém assistiu às agressões físicas.

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As fotografias

Na inquirição a Bárbara Guimarães, há dois meses, a juíza Joana Ferrer perguntou-lhe porque nunca tinha ido ao hospital. É que, no processo, não existem perícias médicas aos alegados ferimentos por ela sofridos. Existem apenas fotografias. “Eu estou a insistir nesta história dos exames médicos… É a primeira vez que eu vejo uma perícia a fotografias. Quando, depois de ler acusação, vou à procura de prova, encontro uma coisa insólita: uma perícia a fotografias. Podia estar calada (…). Fiquei boquiaberta quando vi isto. Uma perícia a fotografias não tem o mesmo valor da prova pericial médica. Uma perícia a fotografias, minha querida, para mim (…) eu já notifiquei os peritos, mas isto que aqui está, zero.”

“Eu estou a insistir nesta história dos exames médicos… É a primeira vez que eu vejo uma perícia a fotografias. Quando, depois de ler acusação, vou à procura de prova, encontro uma coisa insólita: uma perícia a fotografias. Podia estar calada (…) Fiquei boquiaberta quando vi isto. Uma perícia a fotografias não tem o mesmo valor da prova pericial médica. Uma perícia a fotografias, minha querida, para mim (…) eu já notifiquei os peritos, mas isto que aqui está, zero”, disse a juíza Joana Ferrer.

Contactada pelo Observador, a perita em Medicina Legal, Teresa Magalhães, também defende que “as fotografias valem o que valem”. “Por vezes, as vítimas até trazem fotografias tiradas com o telemóvel, mas um médico não pode atestar em momento algum que aquelas imagens são fidedignas. Podemos dar uma opinião sobre a lesão e é tudo”, disse a perita. Teresa Magalhães lembra que até as “lesões autoinfligidas”, que os peritos analisam várias vezes, são difíceis de conduzir a conclusões claras. Numa fotografia, o caso piora. “Mesmo as fotografias forenses têm técnicas que as pessoas desconhecem, relativamente à focagem, aos planos de referência, à luminosidade.” Sem saber sequer do caso em concreto, Teresa Magalhães afirma que, em casos de violência doméstica, o mais fidedigno são os exames médicos. E estes podem ser feitos em institutos de Medicina Legal, nos hospitais e, em último caso, em médicos privados.

Mensagens e e-mails

No processo constam algumas mensagens e e-mails trocadas entre Bárbara Guimarães e Manuel Maria Carrilho. Em nenhum dos casos Carrilho assume ter agredido Bárbara. Tal como declarou em sede de debate instrutório, Manuel Maria Carrilho afirma sempre desconhecer as razões que levaram a apresentadora a querer o divórcio e a reagir como naquele dia 18 de outubro de 2013, quando ele regressou de Paris. Segundo os autos que constam no processo, Bárbara Guimarães aproveitou a viagem de três dias do marido para intentar a ação de divórcio, a ação de regulação do poder parental e a queixa por violência doméstica. Ao tribunal explicou porquê: já tinha falado várias vezes em divórcio, mas ele nunca quis aceitar. Quando o ex-ministro chegou ao aeroporto de Lisboa, tinha à sua espera um amigo de Bárbara Guimarães com as chaves do carro e um bilhete:

“Comunicação

De: Bárbara dos Santos Guimarães Carrilho

Para: Manuel Maria Ferreira Carrilho

Pela presente comunicação dou-lhe conhecimento de que considero revogada a procuração irrevogável a si passada em 14 de maio de 2002, com justa causa, sendo que esta situação já foi objeto de procedimento judicial. Comunica também que já foram instauradas ações de divórcio, ações de regularização de responsabilidades parentais e queixa-crime. Sem assunto. Atentamente – Assinatura –

18/10/2013”.

Naquele dia, Manuel Maria Carrilho percebeu que a mulher tinha enviado todos os seus bens para a sua casa de família, em Viseu. “Foram mais de dez mil livros”, disse em tribunal, à juíza de instrução criminal. O ex-ministro ainda tentou ir à casa que até então partilhava com a mulher e com os filhos, mas ali chegado deparou com dois seguranças. Ainda chamou a polícia e o caso foi mesmo relatado em várias revistas, mas acabou por ser obrigado a abandonar o local.

Um dos mails que consta no processo foi enviado dias depois, a 22 de outubro. Manuel Maria Carrilho escreve a Bárbara dizendo ter sido privado dos seus filhos, da morada de família e das suas coisas que foram enviadas para um local a 300 quilómetros de distância. “Peço-te assim, que ponhas fim a esta horrível e dolorosa situação, que tanto nos prejudica a todos e em todos os planos…” Ela responde. Diz-lhe que se ele não se lembra das contínuas discussões entre os dois é porque “precisa de tratamento”. Ele volta a responder e alega que os argumentos dela não passam de “torpes mentiras”.

“Só te quero lembrar que todos, mas todos os problemas que houve nos últimos seis meses a que te referes, tiveram exclusivamente a ver com o desatino decorrente da tua crescente dependência alcoólica”, acusa.

Uma acusação que viria a replicar em vários meios de comunicação social e que lhe valeram 21 acusações por difamação e calúnia, que constam neste processo.

Houve (…) muitas agressões, mas foram sempre autoagressões (…) de uma pessoa obcecada com a idade, com o impacto dos sucessivos (…) implantes de silicone que colocaste, com os gramas de botox que querias colocar (e que só a minha imposição impediu que fizesses), com as estrias de celulite com que deliras em permanência e com as dezenas de comprimidos que, sem qualquer controlo, tomas por dia”, lia-se no e-mail enviado a 24 de outubro.

Perícias psicológicas

No processo constam ainda as perícias psicológicas a que agressor e vítima se sujeitaram na delegação sul do Instituto Nacional de Medicina Legal, no âmbito do processo de regulação do poder parental que corre termos no Tribunal de Família e Menores. As perícias psicológicas são importantes para que a juíza perceba o perfil do agressor que está a a julgar e da sua alegada vítima.

Em relação a Bárbara, uma psicóloga concluiu que a apresentadora “apresenta um perfil de validade questionável, que pode ser caracterizado por uma excessiva defensividade na procura de transmitir uma impressão demasiado favorável de si mesma”. Nota-se, ainda, “algum grau de instabilidade emocional e conflitualidade”. Bárbara Guimarães tem “traços de tipo histriónicos, ansiogénicos e impulsivos, no âmbito de uma personalidade do tipo neurótica”. Mas consegue conter “os seus impulsos” quando gere conflitos.

Já da avaliação psicológica feita a Manuel Maria Carrilho, destaca-se uma personalidade “com traços narcísicos e ansiosos no âmbito de uma estrutura de personalidade sem sinais de clara disfunção”. Quando as expectativas que cria “não são atingidas como espera, tende a desenvolver sentimentos disfóricos”. Ainda assim, consegue controlar os seus impulsos, “apesar de se poder revelar algo intolerante face a situações que possam afetar as suas idealizações.”

Imagens do sistema de videovigilância

Outra das provas que surge no processo refere-se a imagens recolhidas pelos sistema de videovigilância do prédio onde Bárbara vivia. Estas imagens mostram que, na madrugada do dia 21 de maio de 2015, Carrilho foi até à sua casa. As imagens captadas mostram-no à porta.

Dentro de casa a versão de Carrilho é diferente da de Bárbara. Ele diz que o filho lhe telefonou a dizer que a apresentadora o tinha deixado sozinho em casa e, por isso, foi até lá. O filho abriu a porta ao pai. Ela conta que estava no quarto, no andar de cima, e que, quando ouviu Carrilho dentro de casa, desceu as escadas e ele atacou-a.

Já dentro de casa, Manuel Maria Carrilho liga para o 112. Na gravação dessa chamada, que consta das provas, ouve-se Bárbara Guimarães a chegar e a perguntar a Carrilho o que fazia ali. A apresentadora conta que Carrilho a “atacou. Nisto, o amigo terá também descido as escadas para a socorrer. E é ele quem põe Carrilho fora de casa.

Carrilho conta outra história. Diz que o filho estava efetivamente sozinho e que Bárbara e o amigo o encontraram no apartamento vindos da rua. Mas as imagens do sistema de videovigilância mostram o contrário: Bárbara surge à porta de camisa de dormir acompanhada do amigo, depois da chegada de Carrilho.

Recortes de revistas

O 6.º volume do processo está recheado de recortes de revistas com sublinhados a caneta nalgumas frases. Em alguns casos são excertos de entrevistas feitas a Bárbara Guimarães, em que ela afirma que o marido a apoia e que até a ajuda a escolher a roupa que veste. Noutros, Bárbara Guimarães afirma mesmo que o marido “é fundamental” na sua vida. Há cópias de notícias do lançamento do livro “Pensar o Mundo”, de Manuel Maria Carrilho, em outubro de 2012, em que também estão presentes a mãe e a irmã de Bárbara –ambas moveram processos por difamação contra Carrilho. Em tribunal, a apresentadora afirmou que o marido sempre controlou tudo o que foi publicado “em revistas”. “Ele comprava tudo.” Até terá sido ele a negociar os direitos das fotografias do casamento civil de ambos. A ideia de juntar estas provas ao processo — por parte da defesa do ex-ministro — é mostrar que, aos olhos do público, a relação entre os dois não passou por fases negativas.

Bárbara Guimarães tem uma explicação: durante um ano viveu com medo das ameaças que afirma terem sido proferidas por Carrilho. Segundo disse ao tribunal, ele recusava separar-se dela e dizia que se ela tentasse, desaparecia com os filhos. Bárbara afirma que, numa das discussões, ele a ameaçou a ela e aos filhos de morte. Depois disse que se suicidava.

Pedido ao El Corte Inglês

Em mais de uma dezena de volumes que já compõem o processo está um pedido, no mínimo pouco comum, do Tribunal, dirigido ao El Corte Inglês. Pede-se que, através do número de cartão de cliente de Bárbara Guimarães, lhes seja fornecido o número de garrafas de bebidas alcoólicas que ela comprou durante o ano de 2013. O El Corte Inglês responde que não tem essa informação e que esta deve ser pedida à empresa de crédito que gere os cartões de cliente. Poderá a resposta a este pedido provar alguma coisa?

Quem vai testemunhar?

São cerca de 70 as testemunhas que vão prestar depoimento em tribunal. A família mais próxima de Bárbara e de Carrilho vai dizer à juíza como era a relação entre o ex-ministro e a apresentadora de televisão, casados desde 2003. Há também amigos e colegas de trabalho de parte a parte que foram chamados ao Campus de Justiça e que deverão falar sobre a relação de ambos. Algumas discussões públicas, entre elas no 40º aniversário de Bárbara, deverão ser corroboradas pelas testemunhas em tribunal, perante a juíza Joana Ferrer. Também lhes será perguntado se viram, alguma vez, sinais de agressão no corpo de Bárbara Guimarães. A juíza arrolou, ainda, peritos em Medicina Legal para avaliar as fotografias que constam no processo

Próximos passos

O julgamento será retomado esta sexta-feira, dia 13 de maio, e já há sessões marcadas até outubro. Neste processo, Manuel Maria Carrilho é acusado de um crime de violência doméstica e 21 crimes de difamação e calúnia. Além de Bárbara Guimarães, também a irmã e o cunhado são assistentes neste processo. O casal pede uma indemnização a Carrilho, na sequência de um episódio registado em casa de Bárbara, quando Carrilho foi buscar os filhos para um fim de semana. O cunhado e a irmã de Bárbara dizem que Carrilho foi violento e que, depois, ainda os difamou na comunicação social.

Mas os processos não se ficam por aqui. Paralelamente, Manuel Maria Carrilho enfrentará um outro julgamento por difamação, em que a assistente é a mãe de Bárbara Guimarães. Em causa estão declarações do ex-ministro a jornais e a revistas em que dizia que a ex-mulher — de quem se divorciou em 2013 — tinha sido vítima de várias tentativas de violação do padrasto. Carrilho dizia que a mãe de Bárbara não a defendeu.

Pelas mesmas declarações, Carrilho foi já condenado, num outro processo, ao pagamento de uma indemnização de 25 mil euros por danos morais e a uma multa de 320 dias à taxa diária de 20 euros (num total de 6400 euros) ao padrasto de Bárbara Guimarães.

Bárbara Guimarães e Manuel Maria Carrilho também estiveram frente a frente no Tribunal de Família e Menores para a regulação do poder paternal dos dois filhos, na sequência do processo de divórcio. O Ministério Público chegou a propor a custódia partilhada entre os pais, mas a defesa de Bárbara Guimarães não concordou. Até ao dia em que o filho mais velho, de 12 anos, bateu à porta do pai e disse que queria ficar com ele. O Tribunal de Família e Menores chamou-os de urgência e tomou uma decisão provisória. O rapaz ficaria com o pai. E é onde está desde março.