À chegada, o ambiente na sala parecia tranquilo. Mas os presentes vigiavam atentamente os ecrãs dos computadores à procura de um sinal. Estava previsto que o maior acelerador de partículas do CERN (Organização Europeia de Física Nuclear) efetuasse as primeiras colisões à energia máxima de 13 teraelectronvolt (TeV). E assim aconteceu.

A equipa da experiência CMS (Compact Muon Solenoid) – um dos detetores que regista os dados das colisões no LHC (Large Hadron Colider) – estava a postos. Era a primeira oportunidade para afinar os aparelhos perante as colisões a uma energia de 13 TeV, que vão marcar a próxima temporada do CERN. E espera-se que experiências como CMS, ATLAS, ALICE ou LHCb possam começar a registar dados de colisões a partir de junho. Por agora, só se põem as máquinas a postos para o início da corrida.

A sala de controlo é cortada a meio pelo corredor que leva à caverna onde está enterrado o detetor de CMS a 100 metros de profundidade. Entre os computadores, um painel que permite desligar todo o sistema caso algo corra mal. Aliás, uma violação do protocolo pode ser o suficiente para que tanto a experiência CMS como o LHC se interrompam. Como abrir a porta errada, por exemplo.

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As conquistas da primeira temporada

Durante a primeira temporada, que terminou em 2013, as colisões no LHC (registadas nas diversas experiências) permitiram encontrar evidências da existência de uma partícula compatível com o bosão de Higgs – uma partícula fundamental proposta em 1964 –, registar eventos raros como o decaimento do mesão Bs em dois muões e confirmar vários pressupostos do modelo-padrão – a teoria de física de partículas mais aceite neste momento.

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Em 2013, no mesmo ano em que o LHC foi desligado para dois anos de manutenção e melhoramento, Peter Higgs e François Englert ganharam o prémio Nobel da Física por terem postulado a existência do bosão de Higgs e definido o campo de Higgs. O terceiro físico a descrevê-la, Robert Brout, morreu ainda antes da partícula ser detetada pelas equipas do CERN.

Se até 2013 a energia máxima atingida na colisão dos dois feixes de protões, que correm em sentidos opostos no túnel circular de 27 quilómetros, tinha sido 8 TeV, agora os cientistas querem chegar quase ao dobro – 13 TeV (embora a máquina esteja preparada para chegar aos 14 TeV). Para isso, também as experiências tiveram de melhorar e atualizar os equipamentos e software. Os testes efetuados pelo LHC permitem calibrar os próprios sistemas. E foi isso que aconteceu nos dias 20 e 21 de maio no CERN.

Preparados para a segunda volta

Desde o início de abril deste ano, quando o CERN reativou o LHC, que se têm realizado uma série de testes para verificar se os dois feixes de partículas completam as voltas ao circuito, se os magnetes estão a funcionar corretamente, se acontecem colisões (ainda que a muito baixa energia) ou se a colisão à energia máxima que se pretende para esta temporada apresentam problemas.

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Na sala de controlo de CMS, ouvia-se atentamente a “voz” do LHC, as instruções e os avisos que chegavam, mas no espaço, misturavam-se as línguas – inglês, francês, italiano ou português -, mostrando, mais uma vez, a dimensão internacional das experiências do CERN.

A meio da semana já a equipa do CMS tinha detetado um problema: as comunicações de banda larga, substituídas para esta nova temporada, estavam com problemas. Mas isso em nada impedia o funcionamento do LHC. A equipa seguia com atenção a injeção do feixe de partículas no acelerador, a aceleração dos feixes e o atingir da velocidade desejada. Perto das 22 horas elevam-se as vozes na sala de controlo – tinham sido registadas as primeiras colisões com 13 TeV no CMS. Os resultados são bons, mas isto é só um teste. Com estas colisões a equipa do CMS conseguiu confirmar que o detetor está bem alinhado, explica André David ao Observador. Mas o físico lembra que as colisões que darão dados para ciência só começam em junho.

Estes eventos também servem para o LHC afinar o desempenho. O registo das marcas deixadas pelas colisões, assim como a luminosidade associada durante o alinhamento dos feixes é registada pelo detetor CMS, refere Anne Dabrowski, responsável pelo grupo de Luminosidade e Instrumentação de Radiação do Feixe. Estes dados serão úteis para o LHC perceber em que momento do alinhamento terá um maior número de colisões e isso permitirá ao CMS ter melhores dados numa temporada em que se espera encontrar novas partículas e mais informação sobre a energia escura – a força que se pensa fazer o universo expandir cada vez mais depressa – ou a matéria escura – que compõe a maior parte do universo.

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Na quinta-feira (dia 21) as colisões continuavam. A sala de controlo da experiência ATLAS (A Toroidal LHC ApparatuS) estava muito mais cheia do que de costume. Sentados ou de pé, mas de olhos fixos nos ecrãs a seguir os acontecimentos. As colisões de protões do LHC permitiram afinar os equipamentos. Se amanhã fosse preciso começar a recolher dados para a física, o detetor de ATLAS estava preparado, confirmou Patricia Conde-Muíño, investigadora do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP) e coordenadora da participação portuguesa deste laboratório em ATLAS. Nesta fase todos os subdetetores de ATLAS estão a funcionar. “Foram seis meses a testar passo a passo o que estava a acontecer. E este é o último passo dos testes”, disse Patrícia Conde-Muiño.

Do lado de fora do vidro que permite ver tudo o que se passa na sala de controlo, a investigadora estava surpreendida com a quantidade de pessoas e o entusiasmo que se fazia notar. É verdade que o acontecimento é importante para que a recolha de dados a partir de junho tenha sucesso, mas estas colisões ainda não permitem registo de dados para análise. E também não era esse o objetivo.

Entre o entusiasmo de alguns cientistas por se ter conseguido pela primeira vez na história da humanidade fazer colidir dois protões a 13 TeV e a contenção de outros que, de pés bem assentes na Terra, lembram que embora esta fase seja importante para a calibração da máquina, ainda não há recolha de dados científicos, está o gabinete de comunicação.

O CERN orgulha-se de ser transparente em relação aos acontecimentos, sem secretismos, e o entusiasmo dos cientistas dificilmente seria contido. Especialmente considerando a utilização generalizada das redes sociais. Por isso, sabendo o que iria acontecer esta semana, James Gillies, chefe de Comunicação do CERN, e respetiva equipa começaram a assistir às reuniões diárias e a preparar o que poderia ser divulgado quando as primeiras colisões acontecessem. “É um desafio, porque queremos ter a certeza que a mensagem é correta, precisa, compreensível e clara”, disse ao Observador James Gillies.

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