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Reino Unido. Escolas de elite promovem equidade?

Um debate com décadas de vida regressou com o anúncio polémico da abertura de novas “grammar schools”, escolas de elite que seleccionam alunos. Um ensaio de Alexandre Homem Cristo.

Theresa May, dois meses após tomar posse como primeira-ministra britânica, apresentou um plano para reformar o sistema educativo, deixando claro que esse será um dos eixos prioritários do seu mandato. O que motiva essa reforma? Nas suas palavras, a promoção da igualdade de oportunidades e da meritocracia. Em Inglaterra, mais de um milhão de alunos frequenta escolas que as autoridades identificaram como inadequadas ou que requerem melhorias e, olhando ao perfil social desses alunos, sobressai que são filhos das famílias da classe trabalhadora ou baixa classe média. Ou seja, conclui May, para muitas crianças, “as oportunidades que terão na vida são determinadas por onde moram ou por quanto dinheiro têm os seus pais” e que os seus pais, “por mais horas que trabalhem, não obtêm a garantia de que os seus filhos terão as oportunidades que merecem”. A identificação do problema é consensual. As soluções, nem por isso.

O Governo britânico, que neste momento tem o plano de reforma em consulta pública, estabeleceu quatro propostas de acção. Primeiro, nas universidades, fixando relações entre estas e as escolas da sua área de influência. Segundo, retirar as barreiras existentes para a criação de mais “faith schools”, isto é, escolas com orientação religiosa. Terceiro, exigir das escolas privadas um papel mais activo no apoio às escolas do Estado e aos seus alunos, tanto em termos de infra-estruturas como em conhecimento e boas práticas. Quarto, retirar as barreiras existentes para a selecção de alunos, nomeadamente autorizando a criação de novas “grammar schools” (que são escolas de elite, onde só entram os melhores alunos). E foi esta última proposta que despertou o debate no Reino Unido.

O que são “grammar schools”?

As “grammar schools” são escolas secundárias (no Reino Unido, considera-se educação secundária entre os 11-18 anos de idade) que seleccionam os alunos a partir de um exame, o “11-plus”, aplicado aos alunos com 11 anos. O objectivo do exame é testar as capacidades em raciocínio matemático, compreensão de texto, gramática, argumentação e criatividade na escrita. Quem passar no exame pode ser seleccionado, quem reprovar fica excluído da frequência dessas escolas. Refira-se que, no quadro do sistema educativo, as “grammar schools” são vistas como escolas de elite e representam uma minoria, uma vez que o padrão, no país, é a existência de escolas que recebem todo o tipo de alunos, independentemente das suas capacidades. Assim, em cerca de 3000 escolas secundárias inglesas, apenas 163 são “grammar schools”.

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Theresa May considera ilógico manter restrições à abertura de boas escolas e, assim, impedir que os pais optem, para os seus filhos, por escolas selectivas.

A origem destas escolas é antiga e o seu modelo foi reforçado aquando da reforma educativa de 1944, que instituiu uma educação secundária dividida em duas vertentes. De um lado, as escolas secundárias ditas modernas, que recebiam os alunos que pretendiam trabalhar no comércio. De outro, as “grammar schools”, destinadas àqueles que ambicionavam prosseguir os estudos no ensino superior. Ou seja, estas duas vertentes impunham uma segregação social – uma via para quem visava profissões melhor remuneradas, uma outra via para quem tinha ambições mais humildes.

Em 1965, após muitas críticas a este modelo, o governo britânico, liderado por Harold Wilson (do Partido Trabalhista), ordenou a progressiva diminuição do número de “grammar schools” e a sua substituição por escolas que não seleccionassem alunos. Ao longo de 20 anos, o número de “grammar schools” reduziu-se imensamente, de mais de 1300 para pouco mais de 150. E, em 1998, Tony Blair (também do Partido Trabalhista) formalizou a proibição da criação de novas escolas selectivas, impedindo assim este número de aumentar. Até hoje.

Theresa May e a defesa da meritocracia no pluralismo

A existência de “grammar schools”, ou em geral de escolas que seleccionam os seus alunos, gerou inúmeros debates ao longo de décadas – no Reino Unido e não só. Tradicionalmente, o Partido Trabalhista britânico opõe-se à criação destas escolas, argumentando que, apesar da sua intenção de reduzir desigualdades sociais no acesso à educação, acentua-as. Por seu lado, o Partido Conservador tem uma posição mais favorável, embora nem sempre isso seja consensual e se reflicta nas opções governativas – por exemplo, os governos de David Cameron não abriram espaço para mais “grammar schools”. No entanto, esta foi uma das prioridades políticas da actual primeira-ministra conservadora, Theresa May, que recupera três dos tradicionais argumentos a favor da selecção nas escolas.

O primeiro argumento é a redução das desigualdades sociais quando se observam os resultados. Nas escolas que seleccionam alunos, a diferença de resultados escolares entre alunos socialmente favorecidos e desfavorecidos é praticamente nula. Ou seja, numa “grammar school”, ser mais pobre ou mais rico não ajuda a prever os desempenhos escolares, ao contrário do que acontece nas escolas que não seleccionam alunos.

O seu segundo argumento é a qualidade dessas escolas. Diz a primeira-ministra que, na avaliação do Ofsted (o organismo do Estado que aprecia o desempenho do sistema educativo), 80% das “grammar schools” foram consideradas “excelentes” e que apenas 1% ficou abaixo de “bom”. A diferença face às escolas secundárias estatais é, portanto, significativa, visto que entre essas apenas 20% são consideradas “excelentes”.

Por fim, o seu terceiro argumento é o reforço da ideia de meritocracia na sociedade e no sistema educativo. Nas suas palavras, numa “verdadeira meritocracia, não se deve pedir desculpas por puxar os mais hábeis academicamente até aos mais elevados padrões da excelência”.

Theresa May defende que as "grammar schools" promovem a igualdade de oportunidades e a meritocracia

Getty Images

Ou seja, Theresa May considera ilógico manter restrições à abertura de boas escolas e, assim, impedir que os pais optem, para os seus filhos, por escolas selectivas. Até porque, afirma, tal como o sistema hoje funciona, as escolas secundárias tornaram-se indirectamente selectivas, nem que seja porque as melhores estão nos melhores bairros e permanecem inacessíveis aos mais desfavorecidos. Mas, note-se, May rejeita por completo que mais “grammar schools” implique um regresso ao passado e a um sistema binário entre escolas para as elites e escolas para os mais humildes. Afinal, a meta da reforma consiste em alargar o leque de diversidade de oferta e acrescentar mais “grammar schools” à existente multiplicidade de tipos de escola no Reino Unido – onde já constam as “free schools” e as academias, entre outras.

O risco de regredir nas reformas dos últimos anos

As críticas ao alargamento do número de “grammar schools” têm sido abundantes. E, sobretudo, têm vindo de algumas das vozes mais influentes quando o tema é a Educação no Reino Unido. Sir Michael Wilshaw, presidente do Ofsted e figura incontornável neste debate, arrasou a proposta do governo, em entrevista ao The Guardian. Na sua opinião, a introdução de mais “grammar schools” reduzirá os padrões de exigência para a grande maioria dos alunos em outras escolas, anulará os progressos de anos recentes na Educação e aumentará divisões sociais. Isto dito, ele considera que as prioridades políticas na Educação têm de ir noutro sentido estratégico, nomeadamente tendo em vista a preparação para as consequências da saída do Reino Unido da União Europeia, reforçando a oferta educativa no ensino vocacional/profissional.

Theresa May e o governo estão cada vez mais isolados na defesa desta reforma. Não será por isso surpreendente que a primeira-ministra tenha aconselhado os defensores das “grammar schools” a entrar no debate.

Foi também nesse sentido que Nicky Morgan, ministra da Educação entre 2014 e 2016 no governo de David Cameron, se pronunciou. De acordo com a conservadora, esta reforma representa, “no melhor dos casos, uma distração face às reformas cruciais que importa implementar para elevar os níveis de desempenho e diminuir as diferenças de resultados, e, no pior dos casos, o risco de regredir nas reformas dos últimos seis anos”.

As declarações de Morgan ajudaram a despertar o cepticismo entre os conservadores. Parecem ser inabaláveis as dificuldades políticas que Theresa May terá de enfrentar no parlamento, uma vez que há vozes críticas dentro do seu próprio partido. De resto, noticia o The Guardian, já há 23 deputados do Partido Conservador alinhados numa campanha para convencer o governo a recuar. Do lado dos trabalhistas, sem surpresa, parece haver consenso contra a reforma.

O que dizem os números e o que vai acontecer?

Theresa May e o governo estão cada vez mais isolados na defesa desta reforma. Não será por isso surpreendente que a primeira-ministra tenha aconselhado os defensores das “grammar schools” a entrar no debate e na consulta pública que o governo abriu, partilhando evidências dos benefícios destas escolas. A primeira-ministra bem que precisa desse apoio, uma vez que, até ao momento, a investigação parece ir toda no sentido contrário ao da sua reforma.

Primeiro, porque a representação de alunos desfavorecidos nas “grammar schools” é muito diminuta, sugerindo que efectivamente a selecção por mérito se converte, na verdade, em selecção social. As acusações de segregação social nestas escolas ganharam força face a dados oficiais recentemente publicados: apenas 3100 alunos (2,6%) entre os 117.000 que frequentam “grammar schools” têm um perfil socioeconómico desfavorecido. Ou seja, tal como existem hoje, as “grammar schools” estão a deixar os alunos desfavorecidos à porta.

Segundo, porque não existem evidências empíricas de que a selecção nas escolas ou o alargamento das “grammar schools” promova um ambiente de equidade. Ou, sequer, uma melhoria dos resultados. Aliás, muito pelo contrário. E este parece ser um dos pontos fracos na defesa da reforma, uma vez que em todos os debates a primeira-ministra tem sido confrontada com esse vazio de evidências que sustentem a sua proposta.

Nesta fase, só é certo que a pressão sobre o governo britânico está alta e que, enquanto a reforma estiver sob consulta, não será possível antecipar o desfecho. A consulta durará até dia 12 de Dezembro. Até lá, vai ficando mais claro que Theresa May terá de começar por convencer o seu próprio partido dos méritos desta reforma. Ou, então, terá de arranjar um caminho alternativo – mesmo que seja recuar.

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