“A recuperação económica abrandou de forma acentuada na segunda metade de 2015″ e “as reversões das reformas, aplicadas pelo novo governo, irão provavelmente penalizar ainda mais o investimento privado”. Este é o retrato de Portugal feito pelo gigante bancário holandês ING, num relatório em que os economistas argumentam que a Europa tinha condições para estar a crescer mais do que está. O problema? “É a política, estúpido“.
Não deverá crescer mais do que 1,2% o Produto Interno Bruto (PIB) português neste ano. O vaticínio do ING é ainda mais pessimista do que os 1,4% previstos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e os 1,5% apontados pelo Banco de Portugal. E, também, ainda mais pessimista do que o crescimento de 1,3% previsto pela Universidade Católica na quarta-feira – uma forte redução face aos 2% anteriormente previstos.
É perante este coro de previsões menos positivas – distantes dos 1,8% que constam do Orçamento do Estado – que Mário Centeno já terá avisado os partidos da esquerda parlamentar de que vêm aí tempos difíceis.
Neste relatório que o ING enviou aos investidores (seus clientes) no final desta semana, os economistas debruçam-se sobre se os problemas são específicos a Portugal ou se são fruto do contexto na economias europeias e globais. A resposta é que a pergunta está mal colocada: cada país europeu à sua maneira, e Portugal incluído, tem problemas específicos – mas, em comum, todos os países têm o facto de o problema ser “a política, estúpido”.
É com uma adaptação da famosa expressão que marcou a campanha eleitoral de Bill Clinton em 1992 (it’s the economy, stupid) que o ING titula uma análise aprofundada à economia europeia numa altura em que se aproxima a segunda metade de 2016. Em Portugal e na maioria dos outros países – Espanha, Irlanda, Itália, França, até a Alemanha e o Reino Unido – são questões políticas que estão a impedir que as economias cresçam mais e tirem partido de um contexto favorável criado pelos preços do petróleo mais baixos, taxas de juro em mínimos históricos e um euro baixo face ao dólar (que anima as exportadoras).
Virar de página “parcial” na austeridade
A equipa de economistas liderada por Peter Vanden Houte, economista-chefe do ING para a zona euro, tece duras críticas àquilo que vê como “reversões das reformas” feitas pelo governo anterior. Mas os problemas em Portugal começaram antes: com a “demorada indefinição que levou à tomada de posse do governo liderado por António Costa”, algo que “teve um impacto no desempenho da economia portuguesa no segundo semestre de 2015″.
Aos seus clientes, o ING descreve a situação portuguesa destacando que houve um “desvanecimento” do investimento. “Confrontados com a incerteza fiscal, as empresas terão decidido abrandar os planos de investimento“, afirma o banco holandês que já quando foram divulgados os últimos números do PIB pelo INE tinha avisado que a economia portuguesa teria sido penalizada pela incerteza política no último trimestre de 2015.
Olhando para o Orçamento do Estado, o ING diz que este “tem como objetivo claro aumentar os rendimentos das famílias através da reversão dos cortes anteriormente aplicados nos salários da Função Pública e da redução da sobretaxa extraordinária”. O banco receia que “estas medidas possam não ser suficientes para compensar a desaceleração imposta pela evolução do mercado de trabalho”, que poderá ser menos favorável do que nos últimos anos, na opinião do ING. “Surpresas positivas” no horizonte? Só mesmo as “exportações saudáveis”.
ING diz que reformas estruturais não chegam
“Uma crise dos refugiados não resolvida, um risco latente de Brexit [saída do Reino Unido da União Europeia], um possível regresso de uma crise na Grécia, ascensão de forças políticas nacionalistas e populistas e, finalmente, um desespero crescente acerca daquilo que a política monetária consegue e não consegue fazer.” Estes são os principais fatores — iminentemente políticos — que vão determinar o rumo das economias nos próximos meses, diz o ING.
Este deverá ser um verão marcado pela política. E para isso contribui muito o facto de “não haver na zona euro um ímpeto económico de recuperação e de aceleração da economia”. O ING diz que pode olhar-se para essa realidade com duas perspetivas distintas: com impaciência ou com naturalidade.
“Os puristas argumentam que a zona euro está, simplesmente, no meio de um processo de ajustamento necessário e que as reformas estruturais e as medidas de austeridade estão a abrir caminho para um futuro melhor“, diz o banco holandês. Concorde-se ou não com esta perspetiva, “a realidade atual é que a recuperação fraca alimentou o crescimento de forças pela desintegração, movimentos políticos populistas e separatistas”.
É neste contexto que o ING considera que “reformas estruturais e finanças públicas sustentáveis são requisitos cruciais, mas não são a única solução. São necessárias mais medidas de estímulo ao crescimento, o que inclui política monetária mas, também, medidas orçamentais“. Peter Vanden Houte diz que “para combater o crescimento baixo, tendências políticas adversas e uma possível desintegração da zona euro, é necessária uma abordagem com múltiplas camadas“.
E que medidas orçamentais podem ser essas? É necessário olhar para os países numa perspetiva individual, diz o ING.
A maior economia da zona euro, a Alemanha, teve um crescimento “sólido” de 0,3% no final de 2015, apesar do “ano turbulento com a crise grega, o abrandamento chinês e as tensões geopolíticas”. A procura interna na Alemanha tem sido robusta, graças às melhorias no mercado de trabalho, e isso poderá suportar um crescimento “positivo, ainda que não entusiasmante”. Contudo, “a produção industrial está a atravessar tempos mais difíceis” devido à quebra da procura externa (caiu mais de 7% desde o verão).
No longo prazo, contudo, é importante que Berlim dê ouvidos aos alertas da OCDE para continuar a fazer reformas em áreas como a educação, a saúde e as pensões. Ao mesmo tempo, deve aumentar-se o investimento em infraestruturas, aproveitando a margem orçamental de que o Estado federal alemão dispõe. Caso contrário, a derrota pesada sofrida por Angela Merkel nas eleições estaduais recentes, em favor da extrema-direita, poderá tornar-se uma tendência irreversível.
França também tem um problema político que está a empatar a economia. O ING diz que, apesar de ainda faltar mais de um ano, já se sente a aproximação das eleições. O mercado laboral em França precisa de reformas que aumentem a flexibilidade do mercado laboral mas, diz o banco holandês, “qualquer versão da reforma do mercado de trabalho que venha a sair deverá ser um projeto muito diluído” em comparação com as medidas que estiveram em cima da mesa.
“Assim, o impasse político deverá manter-se até 2017 e, até lá, reformas do mercado de trabalho menos ambiciosas podem ser adotadas, sem grandes resultados”, diz o ING, antevendo que “nestas condições, a recuperação económica deverá continuar fraca e o crescimento em 2017 estará vulnerável a possíveis choques na confiança económica”.
O principal parceiro comercial de Portugal, e país vizinho, também está num impasse político que arrisca prejudicar gravemente o crescimento se se arrastar muito mais tempo. O défice de Espanha foi revisto em alta para 5,2% do PIB, violando as metas acordadas com Bruxelas, e o esforço neste ano de 2016 terá de ser elevadíssimo — mais de 23 mil milhões de euros de corte no défice.
O pior, contudo, diz o ING, é que “a situação política continua num impasse mais de três meses depois das eleições que levaram a um parlamento fragmentado”. “Nenhum partido parece disposto a ceder”, diz o banco holandês, notando que o prazo para formar governo é o dia 2 de maio. Caso não seja possível, como acredita o ING, podem ser agendadas eleições para 26 de junho “que levem a um parlamento tão fragmentado quanto aquele que saiu das eleições de dezembro”.
“Se a paralisia política se prolongar além de julho, a incerteza política poderá afetar o crescimento económico”, que até ao momento tem sido ajudado pelos efeitos da política monetária (juros baixos e euro baixo). “Os riscos negativos que existem apontam para um crescimento mais baixo na segunda metade de 2016“, diz o ING, notando já que alguns indicadores avançados de confiança do consumidor estão a dar sinais de estar a ressentir-se do impasse político.