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Robin Urdang quer resumir um filme numa canção. Em "Chama-me pelo Teu Nome" esteve perto

“Chama-me pelo Teu Nome” concorre ao Óscar de Melhor Canção Original, com um tema de Sufjan Stevens. Robin Urdang, a supervisora musical do filme, diz-nos que tem "o melhor trabalho do mundo".

Não é o elemento mais importante em “Chama-me pelo Teu Nome”, não é bem essa a questão. Mas, se não tivesse a música que tem, este seria um filme razoavelmente diferente.

A história é a do livro com o mesmo título escrito por André Aciman, publicado em 2007. Um romance de verão em 1983 entre um jovem de 17 anos e o estagiário do pai, sete anos mais velho. O cenário é a Itália idílica de Crema, parada no tempo e ainda bem. Já a música escolhida para acompanhar este conto apaixonado não tem data certa: vai da clássica à contemporânea, dos 80s ao século que vivemos, mais eletrónico, mais simplista, com direito a música original de Sufjan Stevens [a canção “Mystery of Love” está nomeado para o Óscar de Melhor Canção Original”] e a um (re)sucesso pop com umas quantas décadas em cima. Sem esquecer o detalhe que não é detalhe nenhum: Elio, uma das personagens principais do filme, estuda piano e composição.

Robin Urdang foi a supervisora musical do filme. Trabalhou de perto com o realizador Luca Guadagnino, como já trabalhou com muitos outros, em produções diferentes. Tem três dos principais requisitos para fazer um trabalho bem feito nesta coisa de pôr uma cena a dançar: currículo, vício e bom gosto. Na verdade, para Robin isto não é trabalho e por isso se nota tanto a classe do resultado final. Uma certeza: quem vê o filme pode gostar mais ou menos, mas é quase certo que vai guardar na memória pelo menos uma cena ou um momento e a respetiva canção. E a culpa é, em boa parte, de Robin, que diz que é possível “resumir um filme numa canção”. Em “Chama-me pelo Teu Nome” esteve perto. Mas porque não sabemos muito sobre como todo este processo funciona, nada como começar a conversa por aí.

[uma das cenas do filme em que Elio, interpretado por Timothée Chalamet, toca piano:]

Qual foi a sua função na produção de “Chama-me pelo Teu Nome”?
Fui supervisora musical. Isto quer dizer que o meu papel foi o de assegurar-me que a visão que o Luca [Guadagnino, o realizador] tinha da história, a forma como ele a queria contar, era concretizada também através da música, que a música ocupava um lugar de apoio à construção da narrativa, que não era um simples acessório. É normalmente isso que faço quando trabalho em qualquer filme.

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E que processo de trabalho é que isso implica? Aliás, há um método habitual que segue ou depende do filme?
Qualquer filme ou série pode implicar um método diferente. Mas o objetivo é sempre o mesmo: procuro chegar sempre ao mesmo resultado final, a tal questão da música, qual o lugar que ocupa na história. Além disso, tenho de trabalhar todos os aspetos legais. As músicas e as canções têm de ser autorizadas, não posso usar nada à margem da lei. Juntar as duas coisas pode ser bastante complicado, dependendo da matéria em questão.

"Não podemos ter um filme nas salas com a música errada ou com uma canção para a qual não temos autorização de uso. É um puzzle com muitas peças e algumas são bastante frágeis."
Robin Urdang

E no meio de tudo há uma série de passos obrigatórios, é isso?
Na maioria das situações, quem faz a supervisão musical recebe o guião e de imediato procura saber se há alguma música que está incluída, alguma obra específica que o realizador e o argumentista querem ver numa determinada cena. O primeiro passo é tratar das autorizações para essa gravação. Depois, há que trabalhar de perto com toda a equipa e perceber que música serve melhor o propósito de diferentes momentos, que canções os ilustram, suportam, apoiam ou elevam. A escolha de um compositor, das gravações, dos intérpretes.

Na composição de uma banda sonora as coisas tornam-se ainda mais elaboradas porque a música tem de ser feita de raiz. Em qualquer dos casos, acompanhar o processo de pós-produção é essencial, para ter a certeza que tudo está no lugar certo e na forma certa, sobretudo em relação às questões burocráticas. Não podemos ter um filme nas salas com a música errada ou com uma canção para a qual não temos autorização de uso. É um puzzle com muitas peças e algumas são bastante frágeis.

Quando vê uma cena de um filme ou de uma série e sabe exatamente que canção escolher mas por alguma razão não a pode usar, isso deve ser frustrante…
Completamente. Aconteceu-me há pouco tempo com “The Marvelous Mrs. Maisel” [série da Amazon, protagonizada por Rachel Brosnahan, sobre uma dona de casa nos anos 50 que decide dedicar-se à comédia stand up]. Encontrámos uma canção yiddish dos anos 40 que a Amy [Sherman-Palladino] e o Dan [Palladino, respetivamente criadora e produtor executivo] adoraram. Mas não a pudemos usar porque a companhia alemã que gere os direitos do tema não autorizou. Nem nos deram uma razão, a não ser “não é permitido usá-la num filme”. A verdade é que normalmente não aceitamos o “não” como resposta, mas desta vez foi um nega mesmo impossível de contornar. Nem sequer com a ajuda da filial americana da editora. Ainda bem que é algo muito raro. Porque normalmente, quando não há autorização é por questões financeiras.

[o trailer de “The Marvelous Mrs. Maisel”:]

A música depois pode ter um papel fundamental na construção das personagens. Por exemplo, neste filme, o Elio não seria a personagem que é se não ouvisse a música que ouve, se não tocasse a música que toca.
Claro, essa é a magia da música no cinema. Agora, resumir um filme numa canção? Não sei se é possível, mas eu tento. Se virmos as cenas sem música, transformam-se em cenas completamente diferentes, neste filme e nos outros, é sempre assim. Por exemplo, o Elio ouve música contemporânea, ouve-a a toda a hora, ainda que toque e escreva música clássica. E depois existem os detalhes, que não são detalhes. Ele tem uma T-shirt dos Talking Heads. O Oliver talvez tivesse gostos mais sofisticados para a altura.

Como os Psychedelic Furs.
Sim. Essa canção, o “Love My Way”, fazia parte do argumento, da história como o Luca a imaginou. Porque tinha a ver com a cena, com a emoção, o sentido de liberdade que ele queria dar às personagens e àqueles momentos em específico. E é incrível como a canção voltou a ter sucesso, as pessoas voltaram a ouvir a canção, outras descobriram-na pela primeira vez. Adoro isto, este efeito. E adorava ter estado na rodagem das cenas em que o Arnie [Hammer, o ator que faz de Oliver] dança. Não estive, tenho pena.

[“Love My Way”, dos Psychedelic Furs, com algumas das cenas do filme:]

Como é que acontece a participação do Sufjan Stevens?
Tentei ter a colaboração do Sufjan há uns anos, noutro filme, mas nessa altura ele não estava interessado. Agora, o próprio Luca queria muito que ele escrevesse alguma coisa para o filme e enviou-lhe o argumento. Em vez de fazer uma canção, o Sufjan escreveu duas e ainda fez uma nova mistura para um tema antigo, o “Futile Devices”. E a verdade é que a música dele conseguiu assumir-se como uma espécie de narração do filme, como se ele contasse a história através das canções. É uma mistura perfeita, muito difícil de conseguir. E quem sai do cinema, depois de ver o filme… das duas uma, ou sai a cantarolar uma das canções ou então, quando as ouvir na rádio, vai lembrar-se das cenas do filme. Aliás, “Mystery of Love” está na corrida para o Óscar. Ver isto a acontecer é um prémio enorme, sinto que fui premiada de alguma maneira, pelo percurso que tenho feito.

[“Mystery of Love”, de Sufjan Stevens:]

Quando começou a trabalhar nesta área?
Trabalho neste negócio há muitos anos. Comecei por trabalhar em filmes independentes, depois passei para a televisão e agora faço ambos. Faço ambos e adoro música. Imagino músicas e canções quando leio livros, é uma coisa da qual nunca me consigo desligar. Além disso, tirei um major em psicologia.

E isso tem alguma influência no trabalho que faz?
Bom, acho que seria muita presunção dizer “sim, sou especial por causa disso”. Não é isso. Meio a brincar, meio a sério, costumo dizer que saber um pouco de psicologia não faz mal a ninguém e nesta indústria do entretenimento deveria até ser um pré-requisito. Quanto ao meu trabalho específico, não sei se tem a ver com a minha formação ou não, mas tenho tendência a olhar com muita atenção para os detalhes das personagens, os traços de personalidade mais profundos. É inevitável depois que a música também se relacione com isso.

“Chama-me pelo Teu Nome”: um amor clandestino na Itália dos anos 80

Que filmes é que a levaram a querer fazer isto?
Musicais, sobretudo. Acho que a minha educação foi fundamental. A forma como cresci. Lembro-me bem de ver o “Música no Coração” vezes sem conta, com a casa cheia de crianças, éramos sempre muitos. E depois representar cenas desse filme, mas não só, nos campos de férias, no Verão. Quando cheguei à universidade trabalhei num bar e estava sempre a par do que acontecia na música, as bandas novas, os discos novos, tudo isso.

E em que filmes é que gostou mais de trabalhar?
Tantos, sempre razões diferentes, é difícil escolher… mas se pensar nisso de repente lembro-me do “Thanks for Sharing” [“Uma boa dose de sexo”, de 2012], talvez porque a minha irmã Leslie o produziu. O “Mambo Kings” [“Os Reis do Mambo”, de 1992], tive um papel um pouco diferente nesse filme, mas diverti-me tanto. Foi o primeiro filme americano com o António Banderas. Estava na rodagem todos os dias. E outro filme do Luca no qual trabalhei, o “A Bigger Splash” [“Mergulho Profundo”, 2015]. Depois duas séries de televisão, a “Younger” e a “The Marvelous Mrs. Maisel”. E aqui simplesmente porque as séries são mesmo muito boas. E porque são produções que me lembram sempre que é impossível fazer o que faço sem o trabalho das outras pessoas. É preciso uma aldeia inteira para pôr estas coisas todas a funcionar como queremos. Já agora, posso dizer-te uma coisa? Tens de ver a edição especial da banda sonora de “Chama-me pelo Teu Nome”. É em vinil azul. Bom, não é especial só por causa da cor, mas é mais um elemento que a torna fora de série.

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