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© Hugo Amaral/Observador

© Hugo Amaral/Observador

Rui Moreira: uma manhã intensa com o presidente da Câmara do Porto

Detesta chegar atrasado. Sempre que pode anda a pé pela cidade. Vai ao futebol de Metro. Ao fim de um ano de mandato na Câmara do Porto, Rui Moreira lamenta "não ter avançado mais" no Bolhão.

“Foi pena não haver ninguém a bater”, disse um bem-disposto Rui Moreira, já depois de se ter despedido de Manuel Acácio à saída da redação da TSF no Porto. Passavam muito poucos minutos do meio-dia e o presidente da Câmara tinha estado as duas últimas horas no “Fórum TSF“, onde respondeu a perguntas do jornalista e dos ouvintes, maioritariamente da região Norte. Durante o programa não houve um único registo que não fosse positivo, o que pareceu, genuinamente, surpreender Rui Moreira, que haveria de confessar mais tarde na entrevista ao Observador, que não acha “nada que exista unanimismo, a cidade do Porto é das cidades em que tudo é discutido até ao pormenor.”

A informalidade e as respostas sempre prontas foram marca constante durante a manhã do dia em que Rui Moreira completou precisamente um ano de mandato à frente da Câmara do Porto, tomou posse a 22 de outubro de 2013, e aceitou que lhe seguíssemos os passos.

O primeiro contacto aconteceu no edifício da Câmara, na Avenida dos Aliados, alguns, poucos, minutos antes das dez da manhã. Na mesa redonda de madeira que fica à direita, para quem entra no gabinete da presidência, estavam alguns cafés e umas folhas de papel espalhadas. No gabinete, com Rui Moreira, encontravam-se o chefe de Gabinete, Azeredo Lopes (antigo presidente da Entidade Reguladora da Comunicação e professor associado de Direito na Universidade Católica do Porto) e Nuno Santos, adjunto do Presidente e responsável pela área da comunicação da autarquia. “Não foi precisa muita preparação, ele gosta de responder às pessoas”, disse Nuno Santos já na TSF, enquanto decorria o Fórum.

A conversa, ainda meramente de circunstância, para “desbloquear”, começou pela noite de sono do presidente – “Dormi muito bem, durmo sempre bem, pouco, mas bem.” – e acabou por abrir caminho à primeira “revelação” da manhã: “No dia das eleições, à tarde, dormi, eram para aí umas cinco da tarde e eu dormi. Durmo em qualquer lado.” Nuno Santos contou mais tarde que “no dia da última entrevista antes das eleições, no Porto Canal, combinámos que o ia buscar a casa, para irmos juntos. Aquilo foi à noite, meia hora antes lá estava à porta, a tocar à campainha, toquei três vezes e nada. Liguei para o telemóvel e ele lá atendeu. Tinha adormecido, tomou banho e deitou-se a descansar um bocado, adormeceu. Quando toda a equipa estava em stress, ele dormiu…”

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A conversa no gabinete é curta porque as 10h aproximam-se e Rui Moreira prima por ser pontual. “Detesto esperar por alguém, mas ainda detesto mais quando estou atrasado para chegar a algum sítio.” No elevador, ao descermos para a rua, o tema passa para a faceta pela qual o autarca se tornou mais conhecido dos portugueses: ser sócio e adepto do FC Porto. “Aquilo ontem [vitória do Porto, 2-1, frente ao Atlético de Bilbau] foi mau, jogam muito pouco, não é bem uma orquestra, parece mais… uma banda de jazz.”

À espera, no parque de estacionamento da autarquia estava o motorista, o Sr. Guedes. Rui Moreira preferia ir a pé para a TSF, que fica muito perto, mas um problema de saúde do responsável pela comunicação da Câmara, Nuno Santos, impede-o de apanhar sol e assim o trajeto de menos de dois minutos é feito de automóvel. “Depois pode ir embora porque eu volto a pé, Sr. Guedes”, disse o presidente ao motorista já no parque de estacionamento da rádio. “Ando muito a pé, gosto de andar pela cidade”, revelou antes de sair do carro.

Ir à Queima das Fitas e acabar a tirar uma selfie com Quim Barreiros

Às 10h, em ponto, Rui Moreira estava a cumprimentar Manuel Acácio. Depois de alguns minutos de conversa entraram os dois na redação e foram para o estúdio. Do lado de fora, Nuno Santos, que trabalha com Moreira desde abril de 2013, o início da campanha para as autárquicas, e depois de ficar com os telemóveis do presidente, que levou apenas o iPad para o estúdio, aceita partilhar algumas histórias da convivência com Rui Moreira. Começa pela pontualidade britânica (Rui Moreira viveu em Londres vários anos, estudou na Universidade de Greenwich): “É a pessoa, que eu conheci em toda a minha vida, mais escrupulosa a cumprir horários, cumpre ao minuto, é impressionante. Chega a desformalizar cerimónias porque ele chega a determinada altura e diz ‘desculpem, mas eu tenho de discursar porque tenho de ir embora’, o que acaba por ajudar a que a quantidade de trabalho se torne mais fácil de gerir.” Os dias na Câmara podem ser longos, com o presidente a ser sempre dos primeiros a chegar, “por volta das 08:30 já lá está”, e dos últimos a sair, “pode ser às 20:30/21h”.

"Foi ao Queimódromo, na Queima das fitas, e foi lá para o meio da multidão, sozinho. Tirou muitas, muitas selfies com quem lá estava, eu abri o Facebook e aquilo estava inundado de fotografias de pessoas com ele, no fim tirou uma com o Quim Barreiros."
Nuno Santos, adjunto do Presidente e responsável pela comunicação da Câmara do Porto

Nascido no Porto, a 8 de agosto de 1956, o presidente da Câmara é um “apaixonado pela cidade”, diz o próprio, o que Nuno Santos corrobora – “gosta mesmo muito do Porto – que adora andar a pé, o que Nuno Santos também confirma plenamente – “anda mesmo muito, chega a parecer um autarca de província, porque vai a pé e vai ver aquele problema na rua de que nos falaram, e depois acontece uma coisa interessante, nunca foi insultado, nem na campanha nem agora, nunca houve o mínimo problema… Nada” – e que procura viver os acontecimentos da cidade – “foi ao Primavera Sound e não quis ir para a zona VIP, sentou-se na relva, ao lado das pessoas”, conta Nuno Santos, “foi ao Queimódromo, na Queima das fitas, e foi lá para o meio da multidão, sozinho. Tirou muitas, muitas selfies com quem lá estava, eu abri o Facebook e aquilo estava inundado de fotografias de pessoas com ele, no fim tirou uma com o Quim Barreiros.”

Outro dado sobre o empresário que no ano passado venceu, como independente, a eleição para a autarquia portuense é a quantidade de café que bebe: “Bebe muitos por dia. Quando sai a pé pela cidade por vezes toma cinco cafés porque muita gente o convida para ‘um cafezinho’ e ele aceita, chega um ponto em que tem de recusar porque já bebeu os tais quatro ou cinco…”

Sim, sou eu, ora veja lá  

As redes sociais foram uma poderosa arma a que a candidatura de Rui Moreira à presidência da Câmara do Porto recorreu durante a campanha. A página oficial do candidato no Facebook foi utilizada abundantemente, sendo atualizada várias vezes ao dia. “Não ganhámos a eleição no Facebook, naturalmente, mas teve uma importância maior do que habitualmente porque a cobertura por parte dos órgãos de comunicação não contou com as televisões, teve pouca cobertura dos outros órgãos e depois ele não tinha um partido, o dinheiro, a máquina partidária ou o líder do partido, que era o que chamava mais os órgãos de comunicação”, refere Nuno Santos.

A página na rede tem mais de 56 mil “gostos” e continuou ativa depois da eleição, está ativa há um ano e meio. “É atualizada por ele e por mim, normalmente o post é colocado por mim, mas depois é ele que responde”. Rui Moreira gasta bastante tempo a interagir dessa forma com os internautas, os seguidores, mas nem sempre consegue ser absolutamente convincente, ou melhor, de tanto responder, acaba, por vezes, por levantar algumas dúvidas. No dia 16 deste mês, outubro, numa publicação sobre a Maratona do Porto que acabou por ir redundar numa discussão sobre o Circuito da Boavista, perante as respostas do presidente da Câmara, um seguidor questionou se seria mesmo Moreira quem estava do outro lado. O autarca não foi de modas, à argumentação juntou uma foto dele com o jornal daquele dia e publicou.

Da rede, social e da internet propriamente dita, chegaram várias perguntas a que Rui Moreira foi respondendo no Fórum TSF. No intervalo, às 11h, foi lá fora fumar um cigarro e conversar de forma mais descontraída com Manuel Acácio. Voltaram para dentro e uma hora depois a participação na rádio estava fechada.

Na entrada da redação da TSF, à espera de Rui Moreira estava o presidente da Junta de Freguesia do Centro Histórico do Porto, que agora agrega seis freguesias – Cedofeita, St. Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória -, se fosse uma cidade, em termos de tamanho e habitantes seria a 34ª maior do país. A sede fica mesmo ao lado do edifício do Jornal de Notícias, onde também funciona a rádio, e António Fonseca queria aproveitar a presença ali de Moreira para lhe mostrar as instalações.

Rui Moreira entrou a cumprimentar todos os funcionários e as duas pessoas que estavam na sede da Junta. Entrou em vários gabinetes, incluindo o médico, onde, perante a presença da enfermeira, não se fez rogado e, “depois de duas horas de entrevista e antes de outra”, brincou, aproveitou para medir a tensão arterial. “8,5/14, está óptimo!” foi o diagnóstico. Podíamos seguir descansados, Rui Moreira estava de boa saúde.

O caminho de regresso à Câmara foi feito a pé, tal como havia sido anunciado. Em passo lento, cumprimentando quem se cruzou no caminho com um “bom dia, como está?” ou simplesmente com um aceno de mão, passámos pela Estação da Trindade onde voltámos a falar um pouco de futebol – “vou de metro ao Dragão, sem problema” – e depois fomos até um parque de estacionamento municipal, onde está obra de que Rui Moreira se orgulha: dois graffitis que dão vida a duas enormes paredes laterais. “Está espetacular, não está?”

"Podem-se tomar medidas que aparentemente são muito pequenas, mas que são eficazes e bonitas."
Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto

As duas obras foram “encomendadas” pelo município a dois artistas portuenses. “Só podemos fazer isto em edifícios da câmara, claro. Fica muito bonito, dá outra vida à cidade.” O mesmo, entregar a graffiters o espaço para criarem, foi feito nas cabines de telefones públicos na Avenida dos Aliados. E isso é também uma iniciativa que orgulha Rui Moreira. O autarca acredita que não é só de grandes obras que se faz uma cidade e recorre ao economista E.F. Schumacher, que escreveu um conjunto de ensaios sob o título “Small is beautiful”, para ilustrar a ideia: “Podem-se tomar medidas que aparentemente são muito pequenas, mas que são eficazes e bonitas, vou dar um exemplo – nós com o apoio da Faculdade de Engenharia, com duas latas de tinta, pusemos as faixas de BUS a poderem ser circuladas por motociclos. Fomos a primeira cidade a fazê-lo. O impacto é inacreditável. Não só tivemos os taxistas e os motoristas dos autocarros a dizerem que é ótimo, que assim as vias ficam limpas, ou seja, garantem a frequência, como ao mesmo tempo percebemos que houve uma data de pessoas que pensaram ‘isto é muito mais seguro para nós, vamos começar a ir para a Baixa de mota’. Aquilo custou duas latas de tinta, não custa dinheiro.”

A derradeira etapa da manhã do dia em que Rui Moreira celebrou um ano à frente dos destinos da Câmara do Porto estava reservada para uma entrevista ao Observador. No gabinete da presidência, no 3º andar do edifício da autarquia, Moreira pediu cafés e sentou-se num dos sofás.

Elegeu a Cultura como exemplo “das áreas em que mais se andou para a frente”, e colocou a requalificação do Mercado do Bolhão como o principal lamento. Falou da paixão pela cidade do Porto e dos tempos em que conseguia andar de Leica a fotografar as ruas. A conversa não deixou de fora a política nacional e Rui Moreira disse que António Costa poderá dar um bom primeiro-ministro, fazendo questão de sublinhar logo a seguir que tem uma “excelente relação” com Pedro Passos Coelho.

 

Observador: Como é que foi este primeiro ano?

Rui Moreira: Pessoalmente foi fantástico. Muito cansativo, às vezes para além daquilo que eu podia imaginar que fosse possível, mas passou a correr, o que é bom sinal. Quando o tempo pára é porque corre mal, quando o tempo anda depressa é porque está a correr bem. Isto em termos daquilo que eram as minhas expectativas pessoais. Acho que é possível fazer coisas sem grandes recursos, depende da capacidade de imaginação das pessoas. O caso da Cultura é talvez o caso mais estranho porque praticamente sem recursos conseguiu-se perceber que a cidade estava desejosa, que havia cultura e que era só preciso fazer, atuar.

OBS: O ponto de partida era baixo? Como é que explica isso?

RM: Acima de tudo havia uma grande expectativa e as pessoas estavam muito motivadas, perceberam que nós olhamos para a Cultura e para o efeito indutor incrível que ela tem. É muito gregária, coloca pessoas de origens diferentes não em confronto, mas antes do mesmo lado. Isso era para nós crucial. A cidade vivia muito esse distanciamento, os agentes culturais da cidade e os públicos culturais não sentiam que isso fosse devidamente valorizado e quando nós começámos a valorizar, e acho que tivemos um projeto muito ousado no princípio, as pessoas aderiram de uma maneira incrível. Isto depois potencia muita coisa porque tem impacto direto no turismo, tem impacto nos pequenos negócios…Acho que isso é um fenómeno que se notou.

Outra coisa, quando eu estudava em Inglaterra havia um tipo chamado Schumacher que escreveu uma coisa muito engraçada: small is beautiful. Podem-se tomar medidas que aparentemente são muito pequenas, vou dar um exemplo: nós com o apoio da Faculdade de Engenharia, com duas latas de tinta, pusemos as faixas de BUS a poderem ser circuladas por motociclos. Fomos a primeira cidade a fazê-lo. O impacto é inacreditável. Não só tivemos os taxistas e os motoristas dos autocarros a dizerem que é óptimo, que assim as vias ficam limpas, ou seja, garantem a frequência, como ao mesmo tempo percebemos que houve uma data de pessoas que pensaram: isto é muito mais seguro para nós, vamos começar a ir para a Baixa de mota. Aquilo custou duas latas de tinta, não custa dinheiro.

© Hugo Amaral/Observador

OBS: Tem ido buscar muitas ideias ao estrangeiro?

RM: Imensas, sim. Estudei em Inglaterra, vivi na Noruega, na Alemanha… Ainda agora, andamos a pensar nas ciclovias e como é que elas hão-de conviver com os passeios urbanos. No outro dia fui ao Rio de Janeiro, pego na minha máquina fotográfica começo a ver, a tirar fotografias, a fazer pequenos filmes, depois trago, mando aquilo para o vereador, para os técnicos, sento-me com eles: vocês já viram isto? É muito assim…

Agora estive em S. Paulo. Eles fazem a publicidade do comércio de uma determinada zona, como forma de potenciar, têm uma espécie de MUPIs com os circuitos e com as lojas assinaladas, o que é que vendem. Aquilo é um elemento potenciador em que uma loja acaba por puxar por outra, isso é o género de coisa que depois podemos incluir aqui.

OBS: Ao falar consigo nota-se que ao falar da cidade fá-lo com um brilho nos olhos. Considera que esse gosto pela cidade pode ter sido chave para a sua eleição?

RM: Gosto imenso do Porto. Acho que pode ter residido aí a chave para a eleição, sim. Sou completamente apaixonado pelo Porto. Já tive imensos convites, alguns muito aliciantes para ir viver para o estrangeiro, fazer projetos, para a Alemanha, onde iria ganhar uma fortuna, na área portuária e… não.

Eu passei a gostar do Porto quando vivi fora do Porto. É muito curioso. Quando era miúdo, até aos 18 anos, achava o Porto interessante, mas ia lá fora, visitava, fazia vela e portanto viajava muito em competição, e não achava que houvesse nada de particularmente interessante na cidade do Porto. Depois quando vivi fora, e foram bastantes anos, comecei a gostar muito do Porto. É curioso… É uma coisa muito portuguesa também, não é? A saudade…

OBS: Disse logo no início da manhã que gosta muito de andar a pé na cidade, consegue fazê-lo muitas vezes?

RM: Sempre andei a pé no Porto. Antigamente andava com uma máquina fotográfica daquelas pesadas, que agora não posso usar, não posso andar com a máquina porque as pessoas nunca entenderão que o presidente da Câmara ande com uma Leica a tirar fotografias… A Leica ainda consigo andar, de vez em quando, mas hoje em dia já não tenho muito tempo para isso. Mas as pessoas conheciam-me muito por isso: olha, lá vai o Rui Moreira que anda sempre a tirar fotografias nos sítios mais recônditos. É por isso que conheço tanta gente na cidade.

OBS: Chega sempre a horas a tudo?

RM: Eu detesto esperar por alguém, mas ainda detesto mais quando estou atrasado para chegar a algum sítio. Para mim chegar cinco minutos atrasado é chegar atrasado, as nossas reuniões começam sempre à hora, ao minuto, e acho que é uma questão de disciplina e de aproveitamento de tempo. Como tenho uma agenda carregada a única maneira é cumprir. Se uma pessoa começa a habituar-se a chegar atrasada…Ser pontual é uma ciência exata. Só precisamos de um dia para começar a ter uma desculpa para chegar 10 minutos atrasado.

OBS: Considera que chegou à hora certa à presidência da Câmara?

RM: Há 10 anos não conhecia suficientemente bem a cidade para poder fazer o que fiz. O facto de ter sido presidente da Associação Comercial do Porto deu-me experiência para conhecer um pouco as articulações de forças na cidade e quem são os players. Ajudou imenso a ganhar conhecimento para depois chegar à presidência. Há 10 anos não teria sido possível um independente ganhar na cidade do Porto, isso era impossível.

OBS: Venceu as eleições como candidato independente, mas houve sempre quem falasse da sua relação com o CDS, que o partido estava por trás…

RM: Não está por trás, agora já se percebeu. O CDS veio apoiar, e acho bem, ainda bem. Se mais alguém quiser apoiar foi o que eu sempre disse. Isso não nos pode tolher. Eu fico muito contente quando as pessoas dizem: pois, ele é coordenado pelo CDS, ou é dominado pelo PS… Ainda hoje a crítica do PSD é isso. Eles ainda não perceberam nada. E enquanto andarem a dizer isso é ótimo porque ainda não perceberam.

OBS: O quê? O que é que eles têm de perceber?

RM: A realidade é muito diferente dessa. Objetivamente eu apresentei um programa, a que chamei manifesto, que foi construído com a cidade. Aquele manifesto não foi construído por mim, nós tivemos uma sequência de reuniões, que eram públicas, em que participava quem queria, em que era quase como aquelas reuniões de Orçamento participativo em que as pessoas iam propor ideias e discutir. Algumas aproveitaram-se, outras não e outras foram transformadas. Nós no fundo formámos um programa de governo. E portanto, para nós o importante é cumprir esse programa, foi isso que determinou a nossa opção de concorrer à cidade do Porto. E a partir daí eles têm de perceber que é isso nós vamos cumprir, e um dia isso pode estar mais próximo do PS, noutro mais próximo do CDS, outro dia pode estar mais próximo do BE. Isso a nós não nos pode afligir.

OBS: Manuel Pizarro, vereador eleito pelo PS, ao fazer o balanço do primeiro ano do executivo classificou a sua postura para com o PS e com a cidade como “impecável”. No Fórum não ouvimos um único ouvinte criticá-lo. As pessoas com quem falei sobre si, pessoas daqui do Porto só me disseram coisas boas. Há quem considere o unanimismo perigoso, o que é que lhe parece?

RM: Não acho nada que exista unanimismo. A cidade do Porto é das cidades em que tudo é discutido até ao pormenor. Os portuenses gostam de tal maneira da cidade, são patriotas em relação à cidade, não são bairristas, são patriotas relativamente à cidade. Portanto, tudo na cidade se discute, os Aliados, o Siza fez este projeto há não sei quantos anos e continua-se a discutir, nós no Facebook temos propostas, “porque é que não volta a fazer os Aliados como eram?” Ainda hoje se discute o Palácio de Cristal, e ele desapareceu nos anos 50… Nunca há unanimismo, isso é uma ideia que não deve transparecer, e imensas sugestões e algumas críticas eu acho que são perfeitamente normais.

OBS: Quais?

RM: Por exemplo relativamente aos calendários. Quem não está cá dentro questiona. Ainda hoje no Fórum foi questionado porque é que só agora é que foi colocado em marcha o Fundo de Solidariedade Social? Era muito fácil montar esse fundo como era o Fundo Metropolitano. Nós temos uma fundação, a Porto Social, punhamos lá dinheiro, as pessoas apareciam com faturas e contra-factura recebiam dinheiro, só tinham de levar um certificado da Seg. Social a dizer qual era o nível de rendimento chegava lá, metia a conta do leite, do pão, da renda… Mas isso é “first-come/first-serve”, não é política. Isso é uma dádiva, caridade.

Não podemos confundir uma política de solidariedade com política de caridade, com todo o respeito que eu tenho com quem faz essa caridade, mas nós entendemos que devíamos fazer um primeiro diagnóstico, e o primeiro diagnóstico que tivemos, sinceramente, era um diagnóstico que não nos interessava. Porque é muito fácil encontrarmos carências, todos nós conseguimos, os deficientes são, os mais velhos são, os mais novos são, a violência doméstica é, os sem-abrigo são… Vamos por aqui fora e conseguimos encontrar aqui trinta fatores diferentes. Esquecemo-nos muitas vezes que a violência doméstica decorre muitas vezes das dificuldades económicas, então se calhar mais vale identificar onde é que estão as carências, as maiores dificuldades económicas?

Qual é o maior problema? Neste momento, a nosso ver, é um problema novo e tem de ser resolvido, são aquelas pessoas que até há muito pouco tempo vivam acima da margem da pobreza, diria, ali mesmo acima desse patamar, e subitamente desceram. O caso mais frequente que aparece são pessoas que vêm ter connosco e nos dizem: eu até há 2/3 anos estava porreiro. Tinha uma reforma, eu e a minha mulher tínhamos trabalhado, tínhamos uma reforma, pagamos uma renda de casa, o Serviço Nacional de Saúde Funciona, tudo bem. De repente, o meu filho ficou desempregado e voltou para casa. Depois tenho o meu neto, que tem as suas necessidades, e eu não lhe quero dizer que não tenho dinheiro. Essas pessoas começam a dar o que podem e o que não podem. Esta nova realidade é a que temos de resolver rapidamente.

Mais vale esperar mais um pouco e fazer a coisa com critério político, fazendo escolhas. Porque senão era mais simples, montava lá em baixo uma banca, definia 1 milhão de euros, aparecia uma série de malta, o gajo mais esperto chegava primeiro, vinham todos a correr, punham-se na fila. Se a fila engrossasse eu aumentava o número de funcionários a distribuir, em 3/4 meses rebentava com 1 milhão de euros… Agora pergunto: isso resolve alguma coisa? Não resolve nada, não é?

Obs: No dia 29 de Setembro, quando se assinalou um ano do dia das eleições, disse num discurso que “em alguns aspetos temos andado mais depressa do que noutros”, onde é que andou mais depressa e mais devagar?

RM: Na Cultura andámos muito mais depressa do que alguém poderia imaginar, que era um dos nossos grandes desafios. Acho que andámos muito mais depressa em algumas soluções, nomeadamente na área do ambiente, na reconversão de arruamentos, de jardins e tudo mais… Nos bairros. Ninguém imaginava que num ano íamos lançar um Fundo de 18 milhões só para Campanhã. O caso da Sociedade de Reabilitação Urbana, quando cá cheguei havia um problema que se arrastava há anos e anos e anos e nós conseguimos resolver em Fevereiro com o Governo.

Houve outras áreas em que andámos mais devagar.

Queria já ter feito o Bolhão, ou seja, queria já ter andado mais depressa. Mas não posso, aí tenho um enquadramento que não permite. Enquanto os fundos Portugal 2020 não estivessem devidamente estabilizados, e agora começam a estar ainda que só se conheça o envelope, ainda não se sabe o que é que vem lá dentro. Gostava de ter andado mais depressa.

É terrível nós chegarmos cá e estarmos no fim de um Quadro Comunitário de Apoio. Esse é um problema de todos os novos presidentes de Câmara. Os anteriores sabiam com que regras se podiam reger, sabiam até onde é que podiam ir, onde estavam as gavetas de fundos, nós não sabemos. Até vir um novo Quadro vai metade do nosso mandato.

OBS: Quando é que arrancará o concurso público?

RM: É agora, vai arrancar. O concurso público vai arrancar.

OBS: Quando?

RM: Isso diremos no tempo certo, quando o lançar será lançado.

OBS: E porque é que não é agora?

RM: Neste momento ainda não há fundos, neste momento ainda não sabemos qual é o montante da participação. Só podemos estabilizar o modelo quando soubermos exatamente qual é a gaveta onde nos vamos encaixar.

OBS: Que Bolhão é que o Porto vai ter?

RM: Vai ter um mercado de frescos, de sabores, que vai representar aquilo que era o Bolhão, reconhecendo aquilo que eram os, se quiser, os direitos históricos de quem lá está, e os direitos históricos que a cidade tem relativamente a eles também. Vai ser um mercado de frescos municipal.

OBS: Não será como o Bom Sucesso?

RM: Não, não será o Bom Sucesso, nem o Mercado da Ribeira nem o de Campo de Ourique, não é isso. Para isso já temos o Bom Sucesso, que é muito mais comparável com isso.

OBS: Tem uma boa relação com António Costa, é público, considera que ele poderá ser um bom primeiro-ministro?

RM: Acho que sim. Eu conheci o António Costa quando ele era ministro da Justiça, no tempo do António Guterres, foi nessa altura que tive os primeiros contactos com ele porque ele estava a trabalhar na altura na simplificação administrativa, ele sabia que eu era presidente de uma associação importante, sabia que eu tinha essa visão da simplificação, da desburocratização, e ficámos a conhecer-nos, estamos a falar há 14 anos. Depois fui acompanhando o percurso, não é uma pessoa com quem eu fale todos os dias, houve anos em que não falei com ele, mas acho que ele, de facto, conjuga, e hoje tem uma experiência adquirida que lhe permite desempenhar o cargo. Se vier a ser eleito, naturalmente, não faço ideia se vai ser ou não.

Mas também, devo-lhe dizer, tenho uma relação excelente com o primeiro-ministro, pessoalmente excelente.

OBS: Como é que perspetiva as próximas eleições?

RM: Não perspetivo, acho que é muito cedo. Neste momento as pessoas balizam as suas escolhas muito mais por emoções, por sensações… Não acho já que seja pelas coisas tradicionais das famílias políticas  que isso se vai resolver, portanto, não faço a mínima ideia. E falta muito tempo, ou não, não sabemos.

OBS: É a favor da alteração à data das legislativas?

RM: Não. Não. Acho que as legislaturas devem ser cumpridas. A não ser que haja uma situação de ingovernabilidade, que não há, acho que as legislaturas devem ser cumpridas.

OBS: Não é sensível ao argumento de que a alteração permitira a um novo governo elaborar um Orçamento de Estado com outro tempo?

RM: Não. Então altere-se a Constituição. Já não se aguenta esta história de “não se pode mexer na Constituição”, mas depois toda a gente quer alterar as regras em função de calendários. Então alterem. Eu acho que a Constituição devia ser alterada, acho que é uma das áreas em que a Constituição deveria ser alterada.

OBS: Depois de ser eleito, a sua vitória foi muito mediatizada, foi capa na edição internacional do New York Times e o El País elegeu-o como uma das 100 Personalidades de 2013. O que é que isso significou para si?

RM: Achei que é bom para o Porto.

OBS: Empresário, antigo presidente da Associação Comercial do Porto, sabe-se que é uma pessoa com posses, quando olha para a folha de salário como presidente da Câmara tem de se sentar?

RM: (Inspira profundamente) Acho que vivemos num país de paradoxos. Se nós pretendemos, e cada vez mais queremos, que os decisores sejam pessoas que estão bem preparadas para o cargo, e queremos ao mesmo tempo que se possam concentrar no seu trabalho e não tenham outras preocupações, se queremos ao mesmo tempo dizer que este é um país que tem que acabar com todos os fenómenos de corrupção, favorecimento e tudo mais… Incomoda-me, naturalmente, que haja eleitos que tenham que fazer isto apenas por amor à arte.

OBS: É o seu caso? 

RM: Sim, faço-o por amor à arte.

OBS: Daqui a um ano o que é que gostaria de me estar a contar?

RM: Falamos daqui a um ano, fica prometido (risos)

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