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Star Wars: há 40 anos numa galáxia muito distante. E em Portugal?

Foi a 25 de Maio de 1977 que chegou ao cinema o primeiro filme (ou IV, vocês sabem) da saga de George Lucas. 40 anos depois, há quem se lembre da primeira vez com a Força – e das primeiras críticas.

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Artigo publicado originalmente a 25 de maio de 2017 por altura do aniversário da estreia em Portugal do primeiro filme da Guerra das Estrelas

No momento em que Portugal viu pela primeira vez a Millennium Falcon a voar ou os passos gingados de C3PO, e em que o penteado de Leia se tornou assunto de moda, ou se inauguraram em todos os tímpanos a marcha imperial, a respiração pesada de Darth Vader ou os latidos de Chewbacca, já lá iam quase sete meses de Star Wars nos EUA.

Foi a 25 de Maio de 1977, há 40 anos, com George Lucas refugiado no Hawai por recear ter de lidar com um enorme fracasso, que o filme chegou a 32 salas americanas e bateu o recorde de bilheteira até então detido por “Tubarão” (de Spielberg), e que só veio a ser batido novamente em 1982 pelo filme “E.T”. Mas em Portugal a estreia só aconteceu a 6 de Dezembro, em Lisboa, no cinema Monumental, onde ficou em exclusivo durante sete semanas. Só depois dessa temporada seguiu para outras zonas do país, chegando ao Porto, por exemplo, apenas no final de Janeiro de 1978.

[a cena de abertura do filme:]

O anúncio divulgado pela distribuidora Castello Lopes era discreto. Trazia em destaque o nome em português, A Guerra das Estrelas, e atirava apenas com um “fantasticamente fantástico”, até porque na altura nem valia a pena tentar puxar pelos nomes de Harrison Ford ou Carrie Fisher – ninguém os conhecia. Ainda não era uma saga, muito menos a saga que é hoje, com filmes ainda por estrear, mas já havia expectativa, já se falava de um certo efeito blockbuster até aí pouco conhecido, e ainda há quem se lembre de ter ido ao cinema para ver a grande aventura de Lucas antes de se dividir em episódios e muito antes de se poder adivinhar que, 40 anos depois, ainda se estaria a falar dessa galáxia muito distante.

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Portugal: de “Gabriela, Cravo e Canela” ao primeiro R2D2 de Nuno Markl

“O Star Wars, o primeiro, que na altura se chamava ‘Guerra das Estrelas’ e não era nem o Episódio IV nem ‘Uma Nova Esperança’, deixou-nos embasbacados”, conta Nuno Markl, radialista, humorista e um dos mais famosos fãs da saga em Portugal. Na verdade, não viu o filme logo em 1977, quando estreou e tinha apenas seis anos. Viu em 1981, antes da estreia de “O Império Contra-Ataca”, numa altura em que o Cinema Império (nome muito apropriado para o evento) decidiu fazer uma reposição do original. “Fui ver com os meus amigos e colegas André e Pedro, e estávamos histéricos. É preciso ver que naquela altura não havia muita ficção científica no cinema. Tínhamos na televisão, crescemos com coisas como o “Espaço 1999”, mas isto era outro patamar. Não havia o hype louco da internet, mas já chegavam cá os ecos do quão espectacular aquilo era.”

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Em Portugal, para se ter algum contexto, o que havia em 1977 era a febre de “Gabriela, Cravo e Canela” ou da “Visita da Cornélia”, o pedido de adesão à CEE acabado de fazer pelo primeiro-ministro Mário Soares e até uma primeira visita do FMI. “Nunca tínhamos visto nada assim: a fusão de grande aventura, comédia, a proximidade que sentíamos daqueles heróis… era perfeito. Saí de lá feliz. Dias depois estava a convencer a minha avó a ir comigo à loja de brinquedos do bairro de Benfica onde ela vivia, a Serapico, para comprar o meu primeiro R2D2, que por acaso consegui avariar ainda nessa tarde.”

"É preciso ver que naquela altura não havia muita ficção científica no cinema. Tínhamos na televisão, crescemos com coisas como o "Espaço 1999", mas isto era outro patamar. Não havia o hype louco da internet, mas já chegavam cá os ecos do quão espectacular aquilo era."
Nuno Markl

O merchandising sempre fez parte do culto, tanto como as histórias sobre a forma como Lucas se teria inspirado no seu cão para criar Chewbacca ou as tecnologias de gravação da respiração de Darth Vader com recurso a equipamento de mergulho. Agora continua a estar por todo o lado, mas talvez seja diferente para quem viu tudo a acontecer desde o início: “Quem cresceu e amou Star Wars desde a infância está nisto de alma e coração com uma intensidade que dificilmente poderá ser replicada por alguém da mesma idade que só agora decidiu começar a ver os filmes. Há todo um capital acumulado de afeto e de importância na nossa formação que não se conquista numa maratona de um fim-de-semana. Dito isto, há fãs novos que têm a idade que eu tinha quando vi o primeiro filme e que estão a construir a sua própria fortaleza de afeto por esta saga. Têm é mais para ver do que nós, por esta altura.”

Os primeiros espectadores e os primeiros amores por ficção-científica

Tudo era diferente em “A Guerra das Estrelas”, desde a tecnologia ao questionamento dos papéis típicos de herói ou princesa, sobre isso não parecia haver dúvidas, mas nem para toda a gente foi amor à primeira vista. “Fui ver a estreia ao Monumental, fiquei no primeiro balcão e não achei a menor das graças. Era na altura uma muito jovem aluna da Escola de Cinema do Conservatório e andava encantada a descobrir os clássicos das primeiras décadas do cinema – cenas mudas e a preto e branco. Tudo aquilo me pareceu na altura uma grande barulheira, apesar de ter gostado logo do trio de atores”, conta Leonor Pinhão, jornalista e comentadora desportiva.

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Na verdade, o maior entusiasmo que sentiu em relação ao filme foi o facto de Carrie Fisher, a Princesa Leia, ser filha de Debbie Reynolds, a atriz principal de “Singing in the Rain”. E acabou por ser ainda uma outra geração a reverter a situação: “Voltei à saga quando fui tendo filhos e através do entusiasmo deles, que ainda vigora. Em Dezembro de 2015 tive de montar uma mega produção para levar o meu filho António à estreia do episódio-já-não-sei-qual uma semana depois de ter sido operado a um pé. E, no último Natal, o meu filho Francisco ofereceu-me a caixa com os bonecos Solo, Leia e Skywalker para eu enfeitar o presépio. É esta a minha história – comecei relutante em 1977 mas em 2017 são todos da minha família.”

[as celebrações na Disney de Orlando:]

Já para a escritora Patrícia Reis, que viu a estreia na mesma sala, o amor foi instantâneo e tem durado a vida toda. “Tinha seis anos e fui com o meu tio paulinho, que tem mais quatro anos do que eu, e um tio avô que dormiu o tempo todo. Pensei logo que queria ser como aquela princesa e ter aquela coragem. E fiquei vidrada no Yoda, que foi essencial para eu entender outra forma de espiritualidade longe da igreja católica.”

Continua a ir a todas as estreias, com bilhetes comprados antecipadamente, leu todos os livros lançados entretanto, e até tem um cão que se chama Yoda, mesmo que o marido nem sempre entenda tamanha dedicação. “Esse filme foi fundamental na minha existência. Hoje não seria uma leitora de ficção científica como sou, e a narrativa já era tão diferente em relação às mulheres. E ainda hoje, ao fim destes anos todos, me arrepio ao pensar na sensação de ter ouvido aquela banda-sonora pela primeira vez. Com aquilo tudo, como é querem que eu acredite que não há som no espaço?”

"Tinha seis anos e fui com o meu tio paulinho, que tem mais quatro anos do que eu, e um tio avô que dormiu o tempo todo. Pensei logo que queria ser como aquela princesa e ter aquela coragem."
Patrícia Reis

Acabou por ir três vezes ao cinema para ver o mesmo filme. Na escola, era a única que tinha ido, e todos os colegas diziam que era um filme para adultos. “Mas eu sentia-me tão especial com aquilo, dava para ver que aquele filme estava a anos luz de tudo o que tínhamos visto. É uma história imensamente poderosa sobre o bem e o mal, com humor e fantasia, sem ser lamechas. Mesmo na abordagem à amizade, à relação entre homens e mulheres, era um salto gigante. Os meus filhos também já gostam, mesmo que às vezes as pessoas não entendam este meu disparate. Agora o que posso dizer é que já estou à espera de Dezembro para ver o próximo.”

“Não para durar”, disse a crítica sobre um símbolo do século XX

Das salas de cinema e daquele impacto inicial do filme que toda a gente queria ver, A Guerra das Estrelas saltou para as páginas dos jornais e para o escrutínio da crítica portuguesa. Alguns críticos identificaram um “sucesso imediato, mas não para durar” e sentiram um certo “sabor a desilusão” (Diário de Lisboa), ou deram pouca importância à “história ingénua de um maniqueísmo grosseiro” (Diário Popular). Outros valorizaram logo “o divertimento e o prazer das imagens” (A Capital), a “obra-prima da aventura” (Diário de Notícias) ou o “significativamente esquemático conflito político” (Expresso).

Corbis via Getty Images

“Estávamos numa era em que não havia uma sobrecarga de blockbusters, e os próprios críticos olhavam para estes filmes com outro respeito”, recorda Nuno Markl sobre as reacções que tentou acompanhar na altura. “Tenho ideia que toda a gente estava excitada com isto, de cinéfilos a leigos, da mesma forma que toda a gente tinha adorado filmes como o ‘Tubarão’, que inaugurou os blockbusters de Verão. Não eram só máquinas frias de fazer dinheiro. Cruzavam entretenimento popular e arte.”

Isso foi verdade para críticos como Lauro António, que deu logo cinco estrelas ao filme, e também para Fernando Cabral Martins, académico e respeitado pessoano, que na altura escreveu para o Expresso uma crítica intitulada “O antifascismo nas galáxias”, que recordava um Portugal ainda a viver o rescaldo da Revolução de Abril.

[o tributo a Carrie Fisher]

“O filme chegava com uma aura de grande sucesso e novidade. O tratar-se de um filme de aventuras espaciais, continuando o género da ficção-científica a que ‘2001 Odisseia no Espaço’ trouxera a definitiva carta de nobreza, e a grande tradição da fantasia no cinema então renovada com uma dimensão tecnológica muito presente, tudo isso contribuía para uma enorme expectativa. Depois, em Portugal, viviam-se os tempos eufóricos do pós-revolução, pelo que a história de combates entre o Império e os Rebeldes era o que havia de mais musical para os nossos ouvidos”, recorda Fernando Cabral Martins, ao lembrar esse filme que viu sozinho no Monumental, em trabalho. Houve na reacção das pessoas em redor, e naquela altura, um “espanto genuíno”, muito inspirado pela “imaginação completamente solta”, algo que se pode ter perdido com a continuação da saga mas que se prolonga enquanto “simbolização cultural”.

"A conceção do argumento entra em conta com a tradição do cinema do maravilhoso infantil, mas nos antípodas de Walt Disney: o grupo dos rebeldes à volta da princesa Leia é, aliás, diretamente inspirado no 'Feiticeiro de Oz'"
Fernando Cabral Martins

“Estávamos na aurora de uma fase de primeira grandeza na arte do cinema, com as carreiras de George Lucas e de Steven Spielberg a juntar às de Coppola e de Brian De Palma, por exemplo. Um pormenor que não é de menor importância, Star Wars é uma obra cinematográfica sofisticada, em que estão os melhores artistas envolvidos. A conceção do argumento entra em conta com a tradição do cinema do maravilhoso infantil, mas nos antípodas de Walt Disney: o grupo dos rebeldes à volta da princesa Leia é, aliás, diretamente inspirado no ‘Feiticeiro de Oz’ (o homem-leão, o homem de lata). Trabalho de grandes artistas que é ao mesmo tempo altamente profissional e lucrativo para a indústria, eis o apogeu do pós-modernismo. E creio que ficará como um símbolo do século XX.” E quem nunca disse a alguém “que a força esteja contigo” que atire a primeira pedra a esta constatação.

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