Índice
Índice
Anthony Douglas lançou a plataforma atual da Hole19 em 2014, mas o primeiro gestor de produto começou a trabalhar na empresa apenas esta sexta-feira. Até aqui, o jovem de 34 anos, dividia-se a si (e à semana) em dois: durante dois dias geria tudo o que tinha a ver com o desenvolvimento da aplicação – que quer ser uma espécie de Zomato para golfistas; nos outros três competia-lhe decidir tudo o que tinha a ver com a gestão do negócio. Desde abril de 2014 registaram-se 800 mil utilizadores na plataforma. É um produto em constante desenvolvimento.
Decidir como melhorar a experiência do utilizador, que funcionalidades incluir ou retirar e porque design optar são escolhas que não se estancam num produto tecnológico. A necessidade de atualizar e ajustar as plataformas web ou mobile é constante. Verificar o antes e o depois também. Para o produto que Anthony Douglas está a desenvolver na Hole19 – e que está totalmente focado em dispositivos móveis – as exigências estavam sobretudo no “detalhe”.
“Se queres que a tua aplicação seja destacada na App Store, por exemplo, tens de estar a desenvolver algo mesmo especial. Dedicamos muito do nosso tempo ao design da aplicação, das animações à experiência do utilizador”, explica ao Observador. É com a app que tem estado a desenvolver que quer “ligar o mundo do golfe” – de golfistas a campos -, como o Zomato faz com os consumidores e os restaurantes. Talvez não tenha sido por acaso que Gil Belford, ex-responsável pelo crescimento global da empresa indiana, tenha sido o escolhido para novo responsável operacional (COO) da Hole19.
Agora que as contratações se alinham e começa a poder dedicar-se a tempo inteiro à gestão da empresa, Anthony lembra o que mais lhe custou nos últimos dois anos. A si e à equipa de designers e engenheiros responsáveis por desenvolver a aplicação móvel. “A primeira dificuldade que sentimos foi tentar perceber exatamente qual é a dor do usuário, o que é que estávamos mesmo a resolver. Na altura, os utilizadores pediam-me muitas coisas e eu, quase como um cego, seguia tudo o que diziam. Agora, não. Já consigo filtrar e tento perceber se aquela alteração vai acrescentar algo à nossa visão. Às vezes é preciso dizer ‘não’, ganhar distância e tomar decisões mais duras”, explica.
Diogo Teles, 29 anos, concorda. Responsável pela parte de gestão de produto na capital de risco Faber Ventures e coorganizador do Product Tank, em Lisboa – reuniões (meetup) para pessoas na área de produto -, explica ao Observador que o feedback dos utilizadores é importante sim, mas tem de ser lido “de uma forma saudável”.
“Percebo que há muitos empreendedores que não agregam este ‘feedback’ num sítio, de forma acumulada e organizada. E isto é um dilema, porque aquilo que os utilizadores dizem é importante, mas a uma escala razoável. Deve-se olhar para o ‘feedback’ como um todo, ver quais são os utilizadores que estão mais expostos aos problemas e, às vezes, é preciso dizer ‘não’ a três ou quatro pessoas”, conta Diogo.
E se é importante perceber qual é a dor do utilizar, é igualmente importante não perder o foco daquilo que é a estratégia da empresa. Anthony Douglas explica que é preciso definir prioridades e decidir o que fica para trás. Entre, por exemplo, lançar uma nova funcionalidade no prazo definido ou corrigir uma existente, o que escolher? “É este tipo de gestão que tem de ser muito bem pensada, organizada, têm de se definir processos. Porque é muito difícil dizer que não a uma coisa que não está bem. Mas às vezes é preciso e gerir o produto implica gerir este equilíbrio”, conta.
Diogo Teles acrescenta que é na definição dos processos que a maior parte das equipas encontra problemas. “Por norma, a maioria das startups não define uma metodologia correta de trabalho do produto, não define um fluxo de trabalho correto, de análise. É preciso prestar atenção constante às métricas dos produtos. Saber a que indicadores devem estar atentos e deixá-las sempre visíveis, num sítio onde todos consigam ver”, adianta
Atrair, converter e reter utilizadores
Que métricas contam? As de engagement, explica Diogo Teles. São estas que permitem conhecer o utilizador e medir o seu comportamento na plataforma (para mais tarde, ser possível chegar ao perfil dos consumidores e identificar aqueles que mais lucro trazem ao produto), as de conversão e as de retenção (que medem o tempo que o utilizador se mantém ativo na plataforma.
“A conversão é uma das métricas mais importantes do negócio. Mostra o número de utilizadores que fizeram a principal ação do produto, ou seja, quantos fizeram uma compra numa loja online, por exemplo, ou quantos utilizadores reservaram um Uber através da aplicação. Regra geral, não é apenas um valor, mas um conjunto de valores. Voltando ao exemplo de uma loja online, o utilizador terá de entrar na página, fazer uma pesquisa, ver um produto, adicioná-lo ao carrinho de compras, fazer checkout, executar pagamento e só aí fazer a conversão. Isto chama-se um funil de conversão”, explica Diogo.
Outras métricas a que a equipa responsável pelo desenvolvimento do produto deve estar atenta: a que mede a satisfação dos clientes e a taxa de viralidade – que indica o número de utilizadores novos que cada um dos utilizadores já registados na plataforma atrai para o produto. “Uma taxa de viralidade saudável será acima de um, ou seja, um utilizador atrai, pelo menos, outro utilizador”, acrescenta o coorganizador do Product Tank.
Quando as métricas e novas funcionalidades se cruzam com aquilo que são as decisões de gestão e estratégia de negócio, as dificuldades aumentam. Anthony Douglas conta que, por querer fazer as duas coisas bem, não conseguia fazer – bem – nenhuma. “Quando era CEO e gestor de produto ao mesmo tempo, fazia tudo a 50%. Um gestor de produto trabalha diretamente com os designers e engenheiros, tem de identificar qual deve ser o resultado final, passar essa ideia ao designer, que cria um protótipo, e depois é ele quem partilha isso com a equipa técnica”, refere. E tudo isto exige tempo.
O processo não é estanque: quando o produto está a ser desenvolvido pelos engenheiros, o gestor já está a pensar no que fazer/atualizar a médio prazo e a partilhar isso com o designer. E é por isso que é importante desenhar um road map, explica Diogo, uma estratégia que defina o caminho a seguir. Se a longo prazo, o objetivo pode ser transformá-lo no “melhor produto do mundo” – a melhor rede social ou a melhor loja de comércio online – a médio prazo é preciso definir o que vai ser feito nos próximos dois meses, como estarão as métricas de conversão e de retenção, o que deve ser feito a seguir, caso não sejam atingidos os objetivos, entre outros.
“O que acontece em muitas startups é que o responsável tecnológico (CTO) ou o líder (CEO) acabam por acumular funções e serem eles os gestores de produto. E isso não deve acontecer. O CEO deve tomar decisões de alto nível, que dizem respeito ao modelo de negócio, ao contacto com investidores, à estratégia da empresa. Quando também é ele que fica encarregue de gerir o produto, o processo faz com que esgote tempo para aquelas que são as grandes decisões da empresa”, explica Diogo.
Na Xing, o produto é uma guerra
De metodologia em metodologia – incluindo a militar. Na Xing, uma rede social alemã para ligar profissionais (que compete com o LinkedIn), o conceito que define a forma como as equipas desenvolvem e gerem a plataforma nasceu no século XIX e deriva de uma estratégia militar da Prússia, o “Auftragsklärung”. Objetivo: definir os objetivos que vão permitir que as ações da equipa se mantenham sempre alinhadas com aquela que é a missão global da empresa.
Arne Kittler, responsável pela gestão de produto mobile da empresa, recupera uma das citações de Helmuth von Moltke – que foi líder das Forças Armadas prussianas durante 30 anos – para introduzir ao conceito aos designers e programadores presentes na segunda edição do Product Tank, em Lisboa. “Não há nenhum plano que sobreviva ao primeiro contacto com o inimigo”, tal como “não há nenhum plano de negócios que sobreviva ao primeiro contacto com os consumidores”.
Como resolvem esse problema na Xing? Com um alinhamento que começa “muito cedo” entre a equipa e a missão da empresa e que passa por seis fases – contexto, objetivos do produto, objetivos da empresa, limites, o que é absorvido, o que é gerado e o resultado final. “Queremos evitar surpresas e que toda a gente das várias equipas tenha uma visão muito clara daquilo que é o sucesso do produto”, explica Arne. É no contexto que asseguram as não surpresas – todas as pessoas que pertencem às várias equipas de produto sabem o mesmo sobre a situação atual do produto. Ou sobre a complicação que motivou o reajuste.
A segunda fase tem direito a banda sonora. Lembra-se do primeiro hit da girls band britânica que marcou a geração de adolescentes dá década de 90, o “Wannabe”? Num primeiro nível, as Spice Girls dominam a metodologia da Xing, porque é preciso dizer aquilo que a gestão de produto” quer, aquilo que realmente realmente quer” (“I’ll tell you what I want, what I really really want“). O objetivo passa a ser definir aquilo que os utilizadores precisam e o que é preciso fazer para que essa necessidade seja assegurada.
Depois, é preciso olhar para aqueles que são os grandes objetivos da empresa – aquela que é a estratégia adotada pela direção. Recuperando as Spice Girls: é preciso que todas as equipas saibam aquilo que os líderes querem, mas realmente querem para o produto. Só assim é possível criar a linha de permanente harmonia entre os objetivos dos programadores e os das chefias. E definidas as linhas gerais, passam para a análise das dificuldades: que limitações enfrentam esses mesmos objetivos?
O passo seguinte inclui a análise de tudo o que é preciso adquirir, melhorar ou implementar para que as limitações sejam eliminadas e os objetivos concluídos. Só depois testam a experiência final que o utilizador terá com aquelas alterações. No final, todas as equipas devem estar focadas nas métricas do resultado final. “É assim que vais medir o sucesso do teu produto”, explica Arne Kittler.
As equipas de desenvolvimento de produto da Xing seguem as mesmas regras e padrões de atuação, que estão permanentemente a ser atualizados e um plano comum, definido de duas em duas semanas. Antes de lançarem uma nova funcionalidade ou atualização, existe um grupo de 200 colaboradores que testa essa versão. Só depois é lançada no mercado.
Neste tanque, não há tubarões
Diogo Teles é formado em Engenharia de Computadores e Telemática, pela Universidade de Aveiro, e responsável pela área de gestão de produto na Faber Ventures desde fevereiro de 2014. Em outubro de 2015, foi àquela que é uma das maiores conferências na área de produto, em Londres, a Mind the Product. Foi lá que teve contacto com o conceito Product Tank – reuniões de discussão para pessoas da área que são organizadas em várias cidades europeias – e juntamente com Luís Trindade decidiu trazê-lo para Lisboa.
“Em Portugal, não tinha conhecimento da existência de uma comunidade de gestores de produto ou product owners. E se existia, então não comunicavam entre si. Falei com o Luís, pedimos para sermos organizadores em Portugal e o nosso objetivo era criar o maior alerta possível para este tema. Não só ao nível das empresas de maior dimensão, mas também ao nível das mais pequenas”, conta.
Esta sexta-feira, ocorreu a segunda edição do Product Tank Lisboa, no Centro Cultural de Belém, sobre gestão e metodologia de produto. Além de Arne Kittler, esteve presente Job van der Voort, responsável de produto na startup holandesa GitLab, um repositório de código aberto (open source), que permite programar e testar código colaborativamente, ou seja, onde qualquer pessoa da comunidade pode contribuir para o desenvolvimento de um produto. Estavam inscritas 150 pessoas. No primeiro, inscreveram-se 120. “Surpreendeu-me perceber que havia tanta gente com interesse em discutir estes temas, entre designers e programadores”, conta.
Também na sexta-feira, Anthony Douglas contratou aquele que é o primeiro gestor de produto da Hole19, Bruno Machado. Até então, conciliar as duas funções tornou-se uma “loucura”. “Tinha de recolher feedback da plataforma, saber se as funcionalidades estavam todas a funcionar, como estava a crescer a base de utilizadores. Mas chegou a um ponto em que tinha de garantir que havia dinheiro na conta”, diz, ressalvando que, até à data, a gestão do produto tinha sido feita em parceria com o designer Pedro Lança e o programador João Costa.
A empregar 25 pessoas, o líder da Hole19 explica que, em 19 meses, foram jogadas três milhões de voltas de golfe na aplicação, que conta com utilizadores em 154 países e está traduzida em 14 idiomas. “Percebia que tinha de contratar um gestor de produto assim que acordava, todos os dias. E podíamos ter recrutado muito mais cedo, mas à verdade é que esta posição em Portugal, sobretudo para o setor do mobile, ainda não tem pessoas com muita experiência. E eu queria uma pessoa com experiência, que percebesse de design e de gerir pessoas”. Até que encontrou Bruno Machado.
A Hole19 conta com cerca de 2,2 milhões de euros de investimento, das portuguesas Faber Ventures e Caixa Capital, dos fundos internacionais White Star Capital, e42 Ventures, Seedcamp e dos fundadores da Wunderlist (comprada pela Microsoft), OneFootball e da Betfair. Anthony conta que as prioridades passam por garantir que a visão da empresa se mantém, que consegue executá-la e abrir um escritório nos EUA. Quando contratou Bruno Machado, lembra que este o questionou sobre se estava preparado para pôr de lado a gestão do produto e confiar nele.
“Não tinha alternativa, era o melhor para a empresa. A mim compete-me garantir que toda a gente percebe para onde vai o projeto, qual é a visão da Hole19”, diz Anthony. Recuperando Arne e as Spice Girls, é importante que toda a gente perceba o que Anthony quer, o que realmente quer.