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Jorge Ferreira

Jorge Ferreira

Um ano de acordo: o balanço, o futuro e o "monstro" da dívida

Um ano depois, das medidas que ficaram acordadas à esquerda, apenas oito se mantêm sem avanço. O balanço é positivo, mas ninguém fala em renovação dos votos. E a dívida? Continua lá.

Só numa montagem fotográfica se conseguem alinhar no mesmo quadro os líderes dos partidos que permitiram a António Costa formar Governo, através dos acordos assinados há um ano no Parlamento. Nesse dia, 10 de novembro de 2015, foi tudo feito às escondidas, numa sala no edifício novo da Assembleia da República, a tentar fintar as dezenas de jornalistas que estavam no Parlamento a acompanhar o debate do Programa do Governo PSD/CDS. Os momentos foram registados pelo fotógrafo do PS e as assinaturas das três posições conjuntas foram firmadas à vez. Do ponto de vista dessa separação de águas continua tudo igual: os quatro partidos nunca se encontram na mesma sala, as reuniões são bilaterais. Os acordos vão avançando. Passado um ano, das 67 medidas que ficaram acordadas entre PS, PCP, BE e PEV, apenas oito se mantêm sem qualquer avanço. Ainda assim, só o BE não descarta a necessidade de vir a estabelecer novas metas com o PS.

Entre o que está por fazer estão alguns pesos pesados para a esquerda à esquerda do PS, como são os casos da “reavaliação das reduções e isenções da Taxa Social Única“, prometida às três forças partidárias, ou a redução da TSU para salários até 600 euros, que está no acordo com o BE por sugestão do próprio PS. Esta última medida caiu em Bruxelas, quando o Governo levou à Comissão Europeia o esboço orçamental para este ano, e teve de recuar para conseguir a aprovação europeia. Outra pedra que continua a encravar a engrenagem da “geringonça” é a redução de alunos por turma, que PCP, BE e Verdes continuam a querer ver avançar, com o Governo a chutar para a frente e a prevê-la apenas para o próximo ano letivo. Sem data no calendário do Governo mantém-se um dos pontos o acordo das esquerdas que era também uma promessa de campanha de António Costa: a alteração dos escalões do IRS para garantir uma maior progressividade do imposto.

"O país precisa agora de uma estratégia económica que garanta investimento para defender os serviços públicos e criar emprego"
Catarina Martins

A questão nem chegou a estar na negociação deste Orçamento do Estado, uma vez que o custo da medida seria elevadíssimo. O argumento à esquerda é que o “enorme aumento de impostos” de Vítor Gaspar tornou impossível mexer nos escalões com neutralidade fiscal, como quer o Governo. De acordo com as contas apresentadas pelo então ministro das Finanças do PSD/CDS, um conjunto de medidas fiscais garantiu o grosso do aumento da receita: com a redução de escalões de IRS (de oito para cinco), o aumento da taxa média e a sobretaxa da IRS (que ainda se manterá em 2017), a redução das deduções à coleta e o aumento da tributação sobre o grande capital, o Governo arrecadou, em 2013, 12 mil milhões de euros. Foram mais 3 mil milhões do que no ano anterior. Tratou-se de uma receita recorde e a maior fatia resultou precisamente das alterações aos escalões introduzidas por Gaspar.

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Mexer nos escalões com impacto neutro tornou-se quase impossível. Seria por isso necessária uma folga maior para que se pudesse prescindir de parte da receita fiscal, quando a maior parte vem dos escalões de rendimentos médios, aqueles que o PS e a esquerda querem aliviar (a par com os mais baixos). O argumento foi apresentado ao PCP e ao BE, que ainda insistiram numa alteração durante as primeiras conversas sobre este OE: os comunistas alinharam mesmo uma proposta para a criação de três novos escalões para os rendimentos mais altos. As alterações ficaram na gaveta, mas sem que se aliviasse a pressão alta da esquerda para que o aumento do número de escalões avance no próximo Orçamento. Foi isto que foi indicado pelo Governo.

O que está afinal por concretizar dos acordos assinados entre o Governo, o BE, o PCP e o PEV:

  • Reforço dos poderes da Autoridade para as Condições de Trabalho para regularizar falsos recibos e outros vínculos legais (acordo com o BE);
  • Reavaliar as reduções e isenções da Taxa Social Única (PCP, PEV e BE);
  • Revisão da convenção de albufeiras para garantir exigências ambientais e interesses nacionais (PEV);
  • Redução de alunos por turma ( (PCP, PEV e BE)
  • Reduzir até 4 pontos percentuais a TSU paga pelos trabalhadores com salários abaixo de 600 euros (BE, por sugestão do PS);
  • Mais escalões IRS para aumentar a progressividade (BE);
  • Desenvolver um plano estratégico para a mobilidade de passageiros (PEV);
  • Revisão dos contratos de primeira geração (PEV).

Aquilo que permite dizer que a “geringonça” tem funcionado é a maior fatia de medidas já executadas (24). Mas ainda há 26 que foram anunciadas, postas a andar, mas ainda não se podem dizer “executadas”. Claro que, neste pacote, cabem compromissos de legislatura como o salário mínimo nacional, cuja promessa do Governo de António Costa é que chegue aos 600 euros até ao final da legislatura (ainda que a esquerda queira acelerar este aumento). Outra das pendências é o combate à precariedade, com as alterações à fórmula de cálculo dos recibos verdes ainda em processo de negociação no âmbito do Orçamento do Estado para 2017. Ou ainda a eliminação da sobretaxa de IRS, que afinal só termina para a totalidade dos escalões no final do próximo ano.

"Está ainda longe de ser preenchido o conjunto de matérias que constam da Posição Conjunta"
Jerónimo de Sousa

E o futuro? Novas posições conjuntas?

Os partidos que fizeram os acordos com o PS mostram-se na expetativa, nenhum festeja que a execução dos acordos já esteja a oito medidas de ficar completa. Jerónimo de Sousa é claro ao dizer ao Observador que “está ainda longe de ser preenchido o conjunto de matérias que constam da Posição Conjunta”. Uma posição acompanhada por Heloísa Apolónia dos Verdes, que diz ser “um erro pensar-se que as posições conjuntas estão cumpridas. Nós satisfazemo-nos com a concretização e não com o anúncio”. Estas são duas partes da equação pouco interessadas em ver o copo meio cheio, apontando para a grande fatia de medidas que avançaram na resposta mas ainda não na concretização.

oN Bloco de Esquerda, Catarina Martins diz saber, também, “o muito que falta ainda fazer”, sublinhando o “muito que já foi feito”, mas a coordenadora do BE deixa a porta aberta para o compromisso a estabelecer para o que falta fazer.

É preciso refazer os acordos? Catarina Martins alinha como “desafios da segunda metade da legislatura” traçar “uma estratégia económica que garanta investimento para defender os serviços públicos e criar emprego” e também o “combate à dependência externa” e sobre a forma de o fazer: “Veremos a forma como será traduzido”. Ainda na semana passada, a eurodeputada Marisa Matias falou em “repensar novos termos”, algo que pelos vistos não está excluída dos planos do Bloco de Esquerda.

"[É] um erro pensar-se que as posições conjuntas estão cumpridas. Nós satisfazemo-nos com a concretização e não com o anúncio"
Heloísa Apolónia

Uma posição bem menos recuada do que a do PCP e dos Verdes, quando colocados perante a mesma questão. Veem necessidade de fazer um novo acordo e estabelecer novos termos? “Não”, diz taxativamente Heloísa Apolónia. Já Jerónimo de Sousa foge à questão, apontando que “a questão principal” reside “na verificação das condições para prosseguir o caminho de reposição de direitos”. E essas não são famosas, avisa o comunista: “São visíveis as limitações decorrentes das opções do Governo e a comprovada necessidade de romper com elementos estruturantes da política de direita e de adoção de uma política patriótica e de esquerda”.

Heloísa Apolónia explica que, no entender dos Verdes, “a posição conjunta foi feita na perspetiva de uma legislatura, mas não é um programa. Foi a procura de convergências para a mudança com que nos tínhamos comprometido perante os eleitores”. E isto para explicar que existam acordos além do que está escrito. Quanto a um novo acordo, é clara: “Da nossa parte não há absolutamente nenhuma necessidade de fazer uma nova posição até porque esta não é fechada.”

A renegociação da dívida: o elefante na sala que já ninguém ignora

A renegociação da dívida é, desde há muito, uma reivindicação antiga de Bloco de Esquerda, PCP e PEV. E as regras foram claras desde o início: o PS contava com o apoio dos três partidos mais à esquerda, mas a dívida ficava de fora dos acordos, porque não havia entendimento possível nessa matéria. Na verdade, socialistas e bloquistas ainda arriscaram criar um grupo de trabalho para discutir o tema, mas vão faltando os resultados práticos. A dívida era o elefante no meio da sala. Todos sabiam que ele estava lá e foram olhando para o lado enquanto foi possível repor rendimentos e direitos sociais. Um ano mais tarde, no entanto, e depois de o Governo socialista ter enchido a loja de porcelanas caras à maioria, o espaço tornou-se exíguo. A margem tornou-se mais curta e é preciso mais, muito mais, vão dizendo os parceiros parlamentares do PS.

O debate reacendeu-se na antecâmara da discussão do Orçamento do Estado para 2017. Bloco de Esquerda, PCP e PEV assumiram que votariam favoravelmente a proposta na generalidade, mas fizeram questão de deixar um aviso muito claro à navegação socialista: depois de grande parte dos acordos estarem cumpridos, é urgente garantir mais investimento público, a alavanca necessária para fazer crescer economia, reforçar setores estratégicos, como a saúde e a educação, e criar emprego. E como se desbloqueia o investimento público? Renegociando a dívida. Já não é possível ignorar o elefante na sala, vai dizendo a esquerda. E a pressão sobre os socialistas aumenta.

“Não podemos ficar à espera de um contexto favorável que nunca vem para avançar com soluções concretas para a reestruturação da dívida pública. Essa escolha tem que ser feita“
Catarina Martins

“O Bloco é coerente com o que sempre defendeu. Este Governo tem tomado medidas importantes para a recuperação de rendimentos e extensão de direitos, mas tudo isto continua a ocorrer na lógica das restrições impostas pela chantagem da dívida. Só o que o país gasta com juros da dívida dava para aumentar em 50% o orçamento da Saúde e da Educação. E isso é insustentável”, começa por dizer Catarina Martins, para logo depois reforçar a mensagem: “Não podemos ficar à espera de um contexto favorável que nunca vem para avançar com soluções concretas para a reestruturação da dívida pública. Essa escolha tem que ser feita“.

O “muro” tem de ser derrubado, como defendeu Catarina Martins, nas jornadas parlamentares transmontanas do Bloco, ainda antes de o Orçamento ser aprovado. “Para onde estamos nós a caminhar? Como é que respondemos pela nossa economia, serviços públicos e emprego se não tivermos meios? Há um muro à nossa frente. E esse muro chama-se dívida pública. É esse [muro] que temos de começar a derrubar“, defendeu a coordenadora do Bloco.

Até lá, insistiu no jantar-comício em Vila Real, a atual maioria vai continuar a discutir “migalhas”. Foi isso que fizeram questão de dizer Mariana Mortágua e Pedro Filipe Soares, dias depois, em plena discussão do Orçamento do Estado, no Parlamento. “A renegociação da dívida é o caminho que temos que percorrer“, desafiou a deputada bloquista. “A dívida é o monstro no meio da sala e não queremos deixar de olhar para ele. Não seremos os únicos a fazer figura de parvos, que continuamos a fazer figura de parvos nesta Europa parva?”, atirou o líder parlamentar do Bloco de Esquerda.

"A renegociação da dívida é uma condição necessária que cabe ao país enfrentar, tal como a libertação da submissão ao Euro"
Jerónimo de Sousa

Das barricadas do PCP a resposta não é (nem poderia ser) diferente. Quando Jerónimo de Sousa apresentou as conclusões do Comité Central do partido sobre o Orçamento do Estado, o recado comunista foi claro: “[A questão que] está colocada é a da escolha entre enfrentar os constrangimentos e chantagens do grande capital e da União Europeia ou não poder responder a necessidades de desenvolvimento do país, aos problemas e aspirações do povo português“.

O mesmo sobre as meta do défice, que anda de mãos dadas com o elefante da dívida: a obsessão pelo défice, avisou Jerónimo, “colocará o país num rumo que pode tornar inconciliável o prosseguimento do caminho de reposição e conquista de direitos”.

Em declarações ao Observador, o secretário-geral comunista repete o mandamento: “O peso da dívida pública constitui um garrote ao desenvolvimento do País. A renegociação da dívida é uma condição necessária que cabe ao país enfrentar, tal como a libertação da submissão ao Euro“. Não há como dar a volta a questão, vai insistindo o PCP.

N’Os Verdes a perceção é exatamente a mesma. “O Governo deve chegar a uma altura em que vê que não há outro caminho a seguir, a realidade acabará por mostrar ao Governo que é necessário renegociar a dívida, essa é a nossa expectativa. O que acho fundamental é que também façamos um papel de consciencialização diante do Governo sobre o que está em causa. A renegociação da dívida não é uma parangona. Não está só em causa o crescimento do país, mas fatores de desenvolvimento”, sublinha Heloísa Apolónia, em declarações ao Observador.

E como reagem o Governo socialista e o PS a esta pressão da esquerda? Vão gerindo o processo com pinças. Dentro de portas, garante-se que é preciso levar essa discussão a Bruxelas. Em Bruxelas, diz-se que ninguém em Lisboa quer iniciar um processo dessa natureza. Um jogo de cintura que, vai dizendo Mário Centeno, não tem nada de contraditório. Foi isso que garantiu o ministro das Finanças, quando confrontado pelos jornalistas, em Bruxelas, sobre essa questão. “[A reestruturação da dívida] não é algo que esteja na agenda do Governo português”, garantiu Centeno.

Dias antes, no Parlamento português, o mesmo Mário Centeno, em resposta aos deputados do Bloco de Esquerda, afirmou ser “essencial” que Portugal conseguisse “uma redução da taxa de juro” que “paga pelo seu endividamento”, reconhecendo que era um “debate difícil”, mas a que o Governo não podia “virar as costas”. Era uma discussão, insistiu o ministro das Finanças, que o Governo estava “disposto” a ter.

A aparente abertura de Mário Centeno foi, de resto, celebrada por Catarina Martins, no segundo dia de debate orçamental. “Registamos, como toda a gente registou, que o Governo aceitou claramente que é preciso negociar uma redução dos juros da dívida pública. É uma novidade importante“. Mário Centeno — assim como Augusto Santos Silva — avisaram, depois, que a discussão não estava nos planos. E Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, fez o resto: “Não discutimos e não vamos discutir, porque Portugal é capaz de pagar a sua própria dívida“.

"A realidade acabará por mostrar ao Governo que é necessário renegociar a dívida, essa é a nossa expectativa" 
Heloísa Apolónia

O holandês pôs assim uma pedra sobre o assunto. Resta saber até quando Bloco, PCP e PEV aceitam ir negociando “migalhas”, como sugeriu Catarina Martins. Ou se o Governo socialista está disposto a lutar em campo aberto pela renegociação da dívida. E, tão ou mais importante, se a maioria de esquerda sobrevive sem uma resposta aos problemas estruturais que vão denunciando. Até ao momento, nenhum dos partidos quer fazer da renegociação da dívida uma condição sine qua non para manter o acordo. Até quando?

*As respostas do PCP e do BE às perguntas do Observador foram dadas por escrito. No Governo, Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, recebeu as perguntas, mas não deu qualquer resposta a tempo da publicação deste texto.

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