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Um ano de Donald Trump. Ego, lutas no pântano e muitos, muitos tweets

Prometeu colocar "a América primeiro" e conseguiu ser eleito Presidente. Um ano depois, marcou mais em estilo do que em substância e fez refém o Partido Republicano. Sobreviverá ao primeiro mandato?

Donald Trump estava na cozinha quando a Associated Press o anunciou oficialmente como novo Presidente dos Estados Unidos da América. Steve Bannon, o estratega radical do Breitbart que funcionou como um dos conselheiros do candidato durante a reta final da campanha, estava consigo. “Apertei-lhe a mão e disse ‘Parabéns, senhor Presidente’. E rimo-nos um bocadinho. Não houve grandes abraços nem nada disso, nada de maluqueiras. Ele não é tipo para ficar demasiado entusiasmado. É muito controlado.

Veja aqui os 10 momentos mais marcantes deste primeiro ano de Trump desde que foi eleito:

Bannon recordou assim a madrugada a seguir ao dia das eleições à revista Esquire, quando a equipa teve a confirmação de que Trump havia superado todas as barreiras e conseguido o que era impensável algumas horas antes: vencer Hillary Clinton, descredibilizando todas as sondagens e terminando a campanha mais louca de que há memória na História americana com uma vitória. A reação sóbria não parece encaixar com a do homem expansivo e imprevisível que tomou de assalto as televisões, o Twitter, o Partido Republicano e a presidência — mas os analistas sempre tiveram dificuldade em entender o milionário que em tempos andou de braço dado com as elites democratas e que hoje as acusa de serem co-responsáveis pelo “pântano político” que é Washington.

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Seth Masket, professor de ciência política na Universidade de Denver, foi um desses analistas políticos que não conseguiu compreender o fenómeno Trump. Depois de ter antecipado que o candidato não conseguiria sequer a nomeação do Partido Republicano — quanto mais a presidência –, Masket viu todas as suas previsões irem pelo cano. “Continua a ser uma surpresa todos os dias”, admite ao Observador. “Não devia ser, tendo em conta a forma como ele fez campanha e como todos nos enganámos sobre isso… Tal como nos enganámos depois, pensando que o seu Governo o ia fazer comportar-se melhor, ou pelo menos como um Presidente típico e ele continuou a desafiar-nos todos os dias.”

Só há uma apreciação em que todos os especialistas são unânimes: nunca houve um Presidente como Donald Trump. “Há algumas semelhanças com presidentes mais antigos, como Andrew Jackson”, aponta Masket, aludindo a uma comparação feita por alguns republicanos que apoiaram Trump, como Newt Gingrich ou Rudolph Giuliani. “Mas, no geral, não há ninguém que se compare a este modelo, pelo menos nos últimos 100 anos”.

Trump com o seu ex-conselheiro Stephen Bannon (MANDEL NGAN /AFP/ Getty Images)

MANDEL NGAN/AFP/Getty Images

É difícil encontrar especialistas que não estejam de queixo caído com a presidência Trump, mas não é impossível. Gwenda Blair, por exemplo, é uma das exceções. “Este ano não me tem surpreendido. Ele tem aplicado a mesma estratégia minuciosa que usa há anos, focando-se completamente naquilo que quer e insistindo que tudo o que faz é um sucesso”, diz ao Observador a autora do livro “The Trumps”, publicado em 2001, que analisa o percurso de vida do milionário, do seu pai e do avô. “Donald Trump é assim. Ele foca-se em vender uma ideia, nunca pedir desculpa, nunca recuar e fazer bullying a qualquer opositor. Tudo isto faz parte da sua forma de operar já há muitos anos.”

“Trump só acredita numa coisa: ele próprio”

Trump começou por dar o tom logo na sua primeira conferência de imprensa como Presidente-eleito, em janeiro. Falando sobre as primeiras notícias que davam conta de um alegado envolvimento russo na pirataria informática que tornou públicos alguns emails do Comité Democrata, Trump disparou em várias direções: comparou a fuga de informação dos serviços secretos a “algo que a Alemanha Nazi faria”, disse que o conteúdo divulgado era “totalmente falso” e classificou o BuzzFeed, que o publicou, de “pilha de lixo”.

Uma semana depois da tomada de posse, a 20 de janeiro, Trump já estava a assinar uma das suas primeiras ordens executivas, contornando o Congresso: a famosa ‘travel ban’, que proibia a entrada nos EUA de pessoas vindas de sete países de maioria muçulmana. Para Seth Masket, a medida tornou-se emblemática desta presidência: “Foi feita de forma tão rápida e com muito pouca revisão legal. E, mesmo assim, em termos simbólicos representava exatamente o que ele queria para o país.”

A biógrafa Blair, por seu turno, tem mais dificuldades em apontar um momento-chave que cristalize este primeiro ano de Trump Presidente. “É como escolher um grão de areia numa praia”, compara. Acaba por destacar não um momento, mas uma frase, dita há apenas alguns dias: “Eu sou o único que interessa”. Trump referia-se à nomeação de pessoas para o Departamento de Estado, procurando deixar claro que no que toca à diplomacia americana, é ele sozinho quem toma todas as decisões. “Vocês têm visto isso, têm visto isso de forma forte”, acrescentou na mesma entrevista, dada à Fox News.

“Donald Trump é assim. Ele foca-se em vender uma ideia, nunca pedir desculpa, nunca recuar e fazer bullying a qualquer opositor. Tudo isto faz parte da sua forma de operar já há muitos anos.”
Gwenda Blair, biógrafa de Donald Trump

A frase, reinvenção moderna de “O Estado sou eu” de Luís XIV, é para Blair um exemplo perfeito do que move o Presidente. “Trump só acredita numa única coisa: ele próprio. É um oportunista, que está a favor ou contra qualquer ideia conforme se torne vantajoso para si. E não importa se entra em contradição com o que já disse no passado”, ilustra a autora. “Ele tornou-se Presidente para aumentar o seu lucro. Sabia que ao chegar a este cargo tornar-se-ia a pessoa mais importante do mundo e que os seus negócios iriam sair beneficiados. A sua marca pessoal está a crescer.” Afinal de contas, o que move Trump é o dinheiro ou o ego? “Acho que neste caso ego e dinheiro são a mesma coisa”, responde Blair.

Um homem sem ideologia — ou, melhor dizendo, com a ideologia que mais lhe convém no momento — é propenso a ziguezagues e a curvas apertadas. Tem sido assim ao longo deste último ano, com muitas das promessas eleitorais a caírem ou a ficarem aquém do esperado. O plano de um bilião de dólares em obras públicas parece esquecido na gaveta, o muro na fronteira com o México esbarrou na falta de liquidez e a promessa de colocar Hillary Clinton atrás das grades já é encarada pelo próprio como uma brincadeira da campanha.

Houve algumas medidas concretas como a ‘travel ban’ ou o abandono do Acordo de Paris, mas até agora a grande mudança levada a cabo por Trump é mais uma questão de estilo do que substância. “A maioria dos presidentes chega ao cargo com pelo menos a intenção de honrar algumas decisões dos seus antecessores e de honrar as alianças existentes. Não me recordo de nenhum Presidente que depois de eleito tenha dito que há problemas com a NATO ou com os acordos comerciais”, aponta Seth Masket. “Não é que ele tenha avançado com estas questões, mas a sua linguagem nestas matérias é muito disruptiva.”

O abraço de urso aos republicanos

Para o consultor político Peter Kelly, antigo membro dirigente do Comité Nacional do Partido Democrata e ex-lobbyista da K Street, o maior sucesso do Presidente até agora foi ter ajudado a conseguir a vitória de candidatos republicanos nas eleições parciais, que beneficiaram da aura de Trump. Para além disso, pouco mais. “As minhas expectativas para Donald Trump estavam muito, muito baixas. Infelizmente, o seu desempenho tem ficado ainda mais abaixo dessas expectativas”, diz ao Observador.

Kelly, que foi sócio de Paul Manafort (ex-diretor de campanha de Trump, atualmente em prisão domiciliária por suspeitas de ligações ao Kremlin) mas se afastou do consultor anos antes dos escândalos que agora o envolvem, é um antigo frequentador dos corredores de Washington. Esse conhecimento do funcionamento interno dos partidos ajuda-o a dizer com mais certeza a seguinte sentença: “A maior derrota de Trump em Washington foi o falhanço na revogação e substituição do Affordable Care Act.” Ou seja, do Obamacare.

“As minhas expectativas para Donald Trump estavam muito, muito baixas. Infelizmente, o seu desempenho tem ficado ainda mais abaixo dessas expectativas”
Peter Kelly, consultor político, ex-sócio de Paul Manafort e antigo diretor do Comité Democrata

Depois de meses propagando as falhas do projeto de seguro de saúde público imposto por Barack Obama, Trump revelou-se incapaz de conseguir revogar o programa e, muito menos, de arranjar uma alternativa. Esse desastre, contudo, pode ser mais responsabilidade do Partido Republicano do que do Presidente. “O próprio Trump não se envolveu muito no processo e sempre disse que assinaria qualquer proposta que os republicanos elaborassem no Congresso”, ilustra o professor Masket. “E eles nunca propuseram nada. Por isso isto é mais um falhanço do partido do que de Trump.”

O Presidente prepara-se agora para nova batalha no Congresso, a da reforma fiscal. Pelo meio, não tem tido pudor em envolver-se em picardias com alguns dos membros mais respeitados do seu partido, como John McCain (a quem durante a campanha chegou a chamar ‘cobarde’) ou Bob Corker. Kelly prevê que a reforma fiscal enfrentará as mesmas dificuldades que a revogação do Obamacare no Senado. E, no entanto, isso pode nem sequer beliscar o Presidente aos olhos de uma parte da opinião pública.

Os republicanos continuam profundamente dependentes de Donald Trump, como relembra a biógrafa Blair: “Ele tem a Câmara dos Representantes e o Supremo Tribunal também é dos republicanos graças a ele, por isso tem um bom arsenal. Para um membro do seu partido, mesmo retorcendo-se todo e não concordando com ele, é muito tentador ir na onda”. Peter Kelly acrescenta os dados: “Os seus apoiantes de base — que são cerca de 35% do eleitorado — são uma arma incrível para manter os membros do Congresso na linha. As vitórias nas zonas mais renhidas conseguem-se com margens de 3 a 6%. Se Trump conseguir retirar 4 a 7% do apoio a um candidato republicano nessas zonas, esse membro perde a sua eleição”.

Com as eleições intercalares para a Câmara dos Representantes e para o Senado a apenas um ano de distância, Trump segura esta espada por cima da cabeça de muitos congressistas republicanos. E os democratas podem não ter força suficiente para o contrariar. “Os dois partidos estão em farrapos”, analisa Kelly. “Os republicanos são vítimas deste abraço de urso. Os democratas andam perdidos a tentar perceber quem são.”

Trump 2020: sobrevivente triunfante ou enterrado no ‘pântano’?

Para além de todo este cenário, o próprio Donald Trump não tem um tipo de personalidade que o faça ir-se abaixo ao ver senadores republicanos como McCain a votarem contra a sua indicação de voto. “Para ele, nada é uma derrota, nada é um falhanço. Ele continua a ser um discípulo da teoria do pensamento positivo popularizada pelo pastor Norman Vincent Peale”, diz Blair, referindo-se à Igreja frequentada pela família Trump, que casou o próprio Presidente e fez os funerais dos seus pais. “Formula e crava para sempre na tua mente uma imagem mental de ti próprio a ser bem sucedido. Agarra-te a esta imagem com determinação. Não deixes que se esbata.” Este é um dos conselhos do pastor Peale. Soa algo familiar, não soa?

Esta lógica focada no sucesso, no horror a ser considerado “um perdedor”, faz com que Trump seja sempre bem sucedido aos olhos dos seus seguidores. “Os apoiantes de base vão sempre apoiar o que o Presidente fizer. Eles interpretam a informação de forma seletiva e veem o que querem ver. Aquilo que para uns é o Presidente a quebrar uma promessa, para eles é o Presidente a dizer exatamente o que quer dizer”, explica Seth Masket. “Os apoiantes de base são mesmo assim. Quando Richard Nixon estava à beira da demissão, mais de metade dos republicanos continuava a querer que ele se mantivesse no cargo.”

Peter Kelly concorda com a análise. “Enquanto Trump continuar a dizer mal do ‘pântano’ de Washington, o facto de ele se estar a enterrar cada vez mais nesse mesmo pântano não vai ter qualquer impacto nos seus seguidores”, diz o antigo lobbyista. O problema é convencer todos os outros: uma recente sondagem do Washington Post e da ABC dá conta de que apenas 37% dos eleitores aprovam a presidência Trump. O milionário é o primeiro Presidente desde Harry Truman a ter uma taxa de aprovação negativa no seu primeiro ano no cargo.

37%

Valor mais baixo nos primeiros nove meses de mandato para um Presidente desde que Harry Truman ocupou o cargo (em 1945).

Os números, contudo, não deverão afetar a atitude do chefe de Estado americano. As ameaças de “fogo e fúria” para a Coreia do Norte, as acusações de ‘fake news’ sobre as notícias que lhe são desfavoráveis e as demissões em catadupa dentro da Casa Branca podem repetir-se, de acordo com a opinião da biógrafa Blair. “Ele não pensa profundamente sobre isto, é como a memória muscular. Tem feito isto a vida toda”, diz. “Esta ideia que o seu pai já seguia de ‘dividir para reinar’ colocando os seus subordinados uns contra os outros, o desviar da atenção para outros tópicos, a competição constante”, enumera. “A sua zona de conforto é o conflito. E que posição pode ser mais confortável para ele do que ser líder mundial, de onde pode criar mais conflito?”

Neste momento, a maior ameaça à sua presidência é a investigação sobre as suspeitas de conspiração com a Rússia. Aquando das primeiras suspeitas, Trump despediu o chefe do FBI, James Comey. Tal como no início da campanha, quando várias vozes se levantaram para garantir que Trump não chegaria sequer a conseguir a nomeação republicana, muitos asseguraram que o impeachment não tardaria. Mas, quase seis meses depois, Trump continua de pedra e cal na sala oval.

Os apoiantes de Donald Trump continuam de pedra e cal a apoiá-lo (RALPH FRESO / GETTY IMAGES)

AFP/Getty Images

“A investigação já o prejudicou muito, arrastando para baixo a sua popularidade. Mas se ele conseguir provar que não teve qualquer relação pessoal com os russos, essa popularidade instantaneamente disparará outra vez”, prevê Kelly. “Trump é um possível sobrevivente e pode concorrer para a reeleição em 2020. Ele tem esta rara habilidade de humilhar os seus opositores e de conseguir simplificar demasiado as questões de forma a que seja fácil aceitá-las.”

Para Gwenda Blair, que acompanha Donald Trump há mais de 20 anos, o futuro deste Presidente resume-se a saber se ele conseguirá “intimidar a China ou a Coreia do Norte da mesma forma que intimidava os seus empreiteiros”. A autora, “sem nenhuma bola de cristal”, não arrisca fazer previsões. Mas de uma coisa não tem dúvidas: “O Twitter dá uma ajuda”.

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