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©Sara Matos / Global Imagens

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Um dia à boleia de Jorge Barreto Xavier. O deve e o haver de três anos à frente da cultura

Juntámos cinco espaços culturais pouco conhecidos do público e perguntas sobre três anos de mandato. Seis horas depois, servimos a entrevista com o deve e o haver do secretário de Estado da Cultura.

O motorista deixou à porta o assessor de imprensa e “a entidade” para um dia inteiro de entrevista. É assim mesmo, como “a entidade”, que se refere ao secretário de Estado da Cultura. Jorge Barreto Xavier não foi a primeira escolha de Passos Coelho – substituiu Francisco José Viegas em outubro de 2012 – mas não poupa elogios ao primeiro-ministro. É assertivo e prático na tomada de decisões que envolvem a equipa sob a sua alçada. Nem sempre deixa amigos entre os colaboradores. Se pudesse melhorar um traço dos portugueses, acabava com a burocracia, que pode separar durante anos a tomada de uma decisão e a sua concretização. “Pouco estou interessado em ser ou não ser aplaudido”, diz, ao mesmo tempo que lamenta mais uma característica nacional: a forma como os portugueses criticam quando algo está mal, mas se esquecem de elogiar quando algo vai bem. Jorge Barreto Xavier nasceu em Goa, em 1965, quatro anos depois de a Índia ter invadido a ex-colónia portuguesa, terminando com um domínio que durou 451 anos. Continua a visitar com frequência o território, para ver a família.

Mas vamos a outras visitas. Primeiro a Biblioteca da Academia Nacional de Belas-Artes, em último o ANIM, o mais importante arquivo cinematográfico do país. A memória abriu e fechou uma entrevista que serviu para fazer o balanço de três anos de mandato. Jorge Barreto Xavier assumiu o cargo em plena crise financeira e governou sempre com um orçamento muito restrito. O balanço do que foi feito não é pacífico. Lei da Cópia Privada? Promulgada por Cavaco Silva só à segunda e porque a Constituição assim obriga. Nova Lei do Cinema? Os operadores de telecomunicações fizeram birra para não pagarem a nova taxa. Alargamento do Museu do Chiado, em Lisboa? Foi vaiado à chegada na inauguração. Entre a obra feita, destaca também a abertura do Museu dos Coches, a reabertura do Museu Machado de Castro, em Coimbra, e da Casa das Artes, no Porto. Sobre o que ficou por fazer, adianta que o Museu Nacional de Arte Popular só não se tranformou num centro cultural do Brasil porque do outro lado do Atlântico não se avançou com um centro correspondente para Portugal.

Sobre se vai continuar no cargo, prefere não falar. Nem sequer para dizer se está, ou não, disponível para isso. Mas descodifica uma das medidas contidas no programa eleitoral da coligação: o OPART, organismo que gere o Teatro Nacional de São Carlos, a Companhia Nacional de Bailado e a Orquestra Sinfónica Portuguesa, é para desmantelar.

Tour-Cultural-Biblioteca

A Academia Nacional de Belas-Artes já está cheia de velhos e novos alunos, professores e alguns pais. Perante a chegada de Barreto Xavier, uma senhora questiona-o: “É ex-aluno?”. Ao perceber que estava perante o Secretário de Estado da Cultura (SEC), sorri e diz que tem uma longa lista de pedidos para lhe fazer. Ainda haveríamos de visitar mais quatro lugares, dois deles na via pública. Mas aquela foi a única vez, durante toda a entrevista, em que o membro do Governo foi abordado por um cidadão. “Acontece de vez em quando ser abordado com sugestões, com propostas ou críticas”, diz com naturalidade.

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Em 2016, a Biblioteca da Academia Nacional de Belas-Artes vai abrir ao público, após 20 anos fechada e com deficiências na conservação. Criada em 1836 e instalada no antigo Convento de São Francisco, onde ainda funciona, reúne “a mais importante coleção de livros de arte do país”, diz com orgulho a nova presidente da Academia, Natália Correia Guedes. Estão ali obras com 500 anos, como tratados de arquitetura do século XVI e a primeira edição das vidas dos artistas de Giorgio Vasari. O espólio inclui ainda uma recolha de gravuras de Jean Bérain que pertenceu ao rei D. João V e pinturas de Santa-Rita Pintor.

Na colina outrora conhecida por Monte Fragoso fica também o Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado (MNAC), que recentemente, e após mais de duas décadas de espera, cresceu 1600 metros. O momento da inauguração, a 15 de julho, deveria ter sido de festa. Mas acabou por ficar marcado pela demissão do diretor do MNAC, David Santos, na sequência do recuo de Barreto Xavier sobre o destino a dar às mais de mil obras da Coleção SEC. Dezenas de pessoas do meio artístico vaiaram Barreto Xavier à sua chegada e recusaram-se a entrar no museu. “Pouco estou interessado em ser ou não ser aplaudido”, diz. Acredita que o tempo tratará de apagar o acessório – a polémica – e revelar apenas o serviço público prestado à arte contemporânea.

Recuemos. O problema surgiu quando a Fundação de Serralves e o MNAC queriam, cada um, o seu nome na apresentação institucional da Coleção SEC na exposição inaugural. “Uma situação menor”, considera Barreto Xavier. No entanto, para solucionar o problema, optou por revogar o despacho onde determinava a “afetação” da Coleção SEC à Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), e a “incorporação” da Coleção SEC no Museu do Chiado.

Barreto Xavier tinha recomendado a transferência da Coleção SEC para a atual DGPC em 2008, quando foi nomeado diretor-geral das Artes. Em fevereiro de 2014, enquanto SEC, terminou o trabalho que tinha começado seis anos antes. No passado mês de junho, retirou-o. Mas não vê a situação como um retrocesso. “A coleção fica no estatuto em que esteve durante décadas”, ou seja, afeta à DGArtes. Admite que se trata de “um estatuto que tem de ser melhorado” e que “usar uma arma mais pesada para uma situação menos pesada não é o melhor”. Mas não pode permitir que “nenhuma identidade fique refém da teimosia de pessoas em concreto”. “Muito pouco me interessa cuidar de questões pequeninas, de antagonismos pessoais. Só faltava o Estado estar a remeter-se para esse tipo de discussão.

O MNAC não tem uma exposição permanente. Para o secretário de Estado, isso deve-se, por um lado, à falta de espaço. Por outro lado, porque o papel da curadoria começou a ganhar cada vez mais destaque público e poder efetivo. “Sucessivos diretores [do MNAC] quiseram mostrar o seu poder de curadoria, organizando exposições”, afirma. “Os chamados curadores, ou comissários, hoje em dia são quase mais importantes que os artistas. Porque determinam a existência ou a não existência efetiva de um artista”. Por isso, acredita que “os artistas são facilmente manipuláveis pelos curadores“. E porquê? “Porque dependem deles para aparecer.”. David Santos tinha sido o curador da exposição inaugural do Museu. As dezenas de manifestantes que estiveram à porta do Museu no dia da inauguração eram essencialmente artistas, curadores e galeristas. “Se fosse perguntar às pessoas que estavam aborrecidas com a situação qual era a base, as pessoas não sabiam”, diz.

E agora, que futuro para a Coleção SEC? Barreto Xavier afirma que já colocou a DGArtes e a DGPC a trabalharem “numa conclusão sobre essa matéria”.

Tour-Cultural-Beco

O segundo local que o SEC escolheu visitar fica na zona mais turística do país. Serão poucos aqueles que, entre uma visita ao Mosteiro dos Jerónimos e uma paragem para comer pastéis de Belém, alguma vez terão reparado na existência de um padrão, erigido em 1759 a mando do Marquês de Pombal, em memória da condenação do oitavo duque de Aveiro e do marquês de Távora e sua família por alegada implicação no atentado contra o rei D. José.

Nos cerca de 30 minutos em que decorreu a entrevista, nenhum turista português ou estrangeiro saiu da Rua Belém para ir ver o padrão-memória. Pretexto para lembrar o projeto de gestão conjunta dos museus, monumentos, jardins e equipamentos culturais do eixo Belém-Ajuda, que foi preparado pelo novo presidente do CCB, António Lamas, e que foi enviado este verão para a tutela. A entrevista foi feita antes de o documento ter sido tornado público. Entre os objetivos estão a melhoria dos equipamentos, a ampliação do CCB, e uma melhor distribuição dos visitantes, que fazem fila em certos museus e monumentos, mas que desconhecem outros muito próximos. A revisão integrada do preço dos bilhetes também está nos planos.

“Essa proposta foi apresentada há muito pouco tempo ao Governo. Consideramos que não é este o momento oportuno para fazer uma resolução com essa proposta, mas sim torná-la pública para conhecimento das pessoas” tinha dito Barreto Xavier. Assim, o próximo Governo pode analisar a proposta final de gestão integrada e decidir se vai ou não implementá-la. Sobre quem fará a gestão conjunta, ainda é prematuro falar. “O modelo de gestão decorre dos estudos específicos que são necessários fazer agora”.

Em junho, António Lamas esclareceu que não há” qualquer intenção de que venha a ser uma empresa privada a gerir os equipamentos”. Meses antes, numa entrevista ao Público, defendeu também que as receitas do eixo deveriam ser redistribuídas internamente, o que implicaria retirar todos os equipamentos culturais da alçada da DGPC. Tratando-se da zona turística mais visitada e lucrativa do país, isso afetaria o bolo comum que a DGPC usa para aplicar por todo o país. O Secretário de Estado da Cultura é mais cauteloso. “Nós precisamos de garantir, não só a melhoria da gestão aqui, mas que ela não prejudica a gestão do património cultural no seu todo”, para que não haja assimetrias regionais. E alerta para a necessidade de a despesa e a receita daquela zona serem “escrutinadas com muito cuidado”.

O Museu Nacional de Arte Popular, praticamente vazio há anos, deverá fazer parte da lista de melhorias necessárias. Em 2013, Barreto Xavier disse que queria ter um projeto para o espaço até finais de 2014. A tutela trabalhou “muito com o Brasil”, com o objetivo de ter em Portugal “um grande centro cultural do Brasil”, e, em simultâneo, um centro cultural de Portugal do outro lado do Atlântico. No entanto, o diálogo com a ministra brasileira da Cultura, Marta Suplicy, foi interrompido com a sua demissão da pasta, em novembro de 2014. Barreto Xavier chegou a visitar o Rio de Janeiro e São Paulo com o objetivo de encontrar um espaço para a cultura portuguesa, mas, “até hoje, apesar de haver vontade de ambas as partes, ainda não há do lado do Brasil uma proposta efetiva de um edifício compatível com a presença portuguesa” numa daquelas duas cidades. Com a implementação do projeto de gestão integrada, e “independentemente de quem for o próximo Governo”, é urgente “encontrar uma solução relevante” para o museu. Só não especifica se apenas projetos museológicos serão considerados.

Solução tem já o Palácio da Ajuda, onde está instalado o gabinete da SEC. Barreto Xavier alocou 4,4 milhões de euros para fazer “uma coisa que já devia estar feita há mais de 150 anos”, ou seja, a conclusão da ala poente e da fachada sul. O dinheiro tem origem na indemnização pelo roubo das jóias da Coroa portuguesa, em dezembro de 2002, numa exposição no Museu de Haia, na Holanda. “Ao longo do século XX houve alguns projetos mais ou menos utópicos para o fechamento do palácio”. Barreto Xavier acabou por fazer avançar o do arquiteto João Carlos Santos, atual subdiretor da Direção-Geral do Património Cultural, elaborado em 2006. Resta esperar que as obras comecem.

Tour-Cultural-Jardim

Do passado para a contemporaneidade. A terceira paragem foi o Jardim do Tabaco, para que Barreto Xavier pudesse destacar a arte urbana saída das mãos do português Alexandre Farto, mais conhecido como Vhils, em conjunto com o italiano Pixel Pancho. Na parede vê-se um robô esculpido na parede a soprar um barco na direção do Tejo. Barreto Xavier vê um sopro em direção à democratização da arte, uma prova de que a forma como se olha para as cidades e para um objeto de arte não é estanque. “A cidade é toda ela um objeto que pode ser olhado artisticamente”, dos comboios aos edifícios. Por isso, “esta nossa relação com os objetos urbanos e o nosso modo de viver a cidade tem também de ter em conta esta leitura” do exercício artístico contemporâneo, de que Vhils e Galerias como a Underdogs são exemplos. Sobretudo quando veiculam uma mensagem política. Defende que “é necessário que a arte não se torne meramente um exercício de celebração do eu, mas ser também um exerício de afirmação de envolvimento e compromisso com a sociedade”.

"A arte está num espaço entre a legitimidade e a infração. Quando a arte se torna inteiramente legítima, podendo passar ao ponto de se tornar numa coisa 'oficial', ou enquanto objeto integrado num museu e confinado a uma lógica institucional-museológica, ou enquanto objeto apropriado no âmbito do consumo de massa de mercado, a arte perde eventualmente algum do seu trabalho de desafio."

Vhils foi um dos artistas portugueses convidados a participar no Festival “Iberian Suite: Global arts remix”, no Kennedy Center, em Washington, em março deste ano. Portugal financiou uma parte, o resto foram contribuições de instituições e empresas. Um dos pontos do programa eleitoral da coligação é a revisão da Lei do Mecenato, “no âmbito de um alargamento das possibilidades de financiamento à atividade cultural”, que já vem de 2013. O mecenato cultural atinge valores baixos em Portugal. Para incentivá-lo, o Governo alargou os benefícios fiscais. Os vistos gold, por exemplo, também servem agora para estrangeiros que invistam 250 mil euros na cultura, seja nas artes, seja no património. Em troca, recebem autorização de residência no país por um período de 10 anos. Barreto Xavier esclarece que a aposta no mecenato não é sinónimo de um afastamento do Estado ao apoio cultural. “Considero que há áreas onde o papel do Estado é essencial”. Até porque há projetos menos populares ou mais experimentais que têm maior dificuldade em obter apoio, sobretudo na área das artes e do património, defende.

À exceção da coligação, todos os restantes partidos com assento parlamentar defendem nos respetivos programas eleitorais o regresso da Cultura ao estatuto de ministério. Barreto Xavier lembra que não lhe cabe decidir essa mudança. Mas, se pudesse decidir, talvez não a fizesse. “Eu, como secretário de Estado, fiz na área da Cultura certas concretizações que há anos vários ministros tentaram, prometeram e não conseguiram”. Dando como exemplo a Lei da Cópia Privada e a ampliação do Museu do Chiado, defende que o poder não depende de ser-se ou não ministro. E se o facto de a SEC estar enquadrada na Presidência do Conselho de Ministros, ou seja, na dependência direta de Passos Coelho, pode levar à conclusão de que a Cultura não tem autonomia, Barreto Xavier contraria dizendo que conseguiu fazer mais precisamente por ter trabalhado de perto com o primeiro-ministro.

Reconheceu que o orçamento para a Cultura este ano foi o mais baixo de sempre em termos relativos: 219 milhões de euros, o equivalente a 0,1% do PIB. “Os recursos foram mais escassos do que habitualmente”, admite, referindo-se ao memorando de entendimento assinado em 2011. Houve constrangimentos em todas as áreas de Governo, mas reconhece que a área da cultura “já tinha um orçamento pequeno” dentro do orçamento de Estado. “Obviamente eu não fiquei feliz por ter de gerir um orçamento pequeno e numa altura de dificuldade”. As condições em que se trabalhou têm de ser melhoradas porque “não se pode trabalhar sempre no fio da navalha”.

Agora, o discurso é outro. O Governo defende que o país está melhor. Além disso, a 27 de agosto Barreto Xavier apresentou no INE a primeira Conta Satélite da Cultura, onde se vê que, entre 2010 e 2012, anos de crise, o contributo médio da cultura a nível nacional foi de 2,7 mil milhões de euros por ano. O secretário de Estado congratulou-se pela força com que os números contrariam a ideia de despesa muitas vezes colada à cultura. “Percebemos que a cultura existe num raciocínio de receita, de criação de riqueza”, salientou na altura. Argumentos para negociar um bom aumento para a área em 2016? “Isto não significa necessariamente que tenha de haver orçamentos muito alargados na cultura. Significa que o Estado tem de ter a noção clara da importância da cultura na sociedade portuguesa e do papel que ela tem a nível da afirmação de Portugal no mundo”.

A Conta Satélite da Cultura permitiu quantificar o setor. Barreto Xavier defendeu na altura que se deve “contrariar falar da cultura como sendo essencialmente um bem de mercado”, mas que esta linguagem é necessária para que a cultura possa discutir em pé de igualdade à mesa das negociações económicas. Vivemos na ditadura dos números? “Estamos viciados em economia, no sentido de a agenda do modo de olhar para o mundo ter ficado muito contaminada pela ideia de que a economia é o motor de tudo”.

Tour-Cultural-Museu

Trajes de cena usados por Amália Rodrigues, criados e desenhados por artistas como Almada Negreiros e Paula Rego, figurinos e maquetas de cenários originais desenhados por nomes como Carlos Botelho, Mário Cesariny e José de Guimarães, retratos originais de gente de teatro pintados por Columbano. Milhares de peças como estas estão no Lumiar desde os anos 80, rodeadas por um jardim botânico que poucos conhecem e que foi propriedade do sucessor do Marquês de Pombal, D. Pedro José de Noronha. Em janeiro de 2015, o Museu Nacional do Teatro acrescentou a Dança ao nome e ao espólio, dando a esta arte um estatuto museológico.

O que ficou por aprovar foi o estatuto do bailarino. Em junho, o secretário de Estado propôs um projeto de lei. A Companhia Nacional de Bailado (CNB), que há décadas luta por este estatuto, respondeu com uma greve. Barreto Xavier retirou-o. “O que correu mal foi que a negociação que nós fizemos com os bailarinos terminou sem um resultado consensual”, explica. Defende logo de seguida que este foi o Governo que “nos últimos 30 anos fez mais pela definição e pela proteção dos direitos dos artistas”, com as leis relacionadas com os direitos de autor e direitos conexos. Mas reconhece que “ficaram coisas por fazer”.

Um dos pontos incluídos no programa da coligação é a revisão do modelo de organização e funcionamento do OPART, organismo criado em 2007 para gerir a fusão do Teatro Nacional de São Carlos (TNSC) e da Orquestra Sinfónica Portuguesa com a CNB. “Nós achamos que essa fusão não correu muito bem”, quer na articulação entre as entidades, quer nos resultados. “É um problema estrutural que tem de ser resolvido”. E apesar de não estar claro no programa eleitoral, Barreto Xavier admite que o objetivo era desenhar outra estrutura de gestão e acabar com o OPART.

Não terá sido a pensar especificamente no teatro e na dança que Barreto Xavier lutou pela aprovação da Lei da Cópia Privada, que permite que uma pessoa copie uma obra de música, cinema ou fotografia que adquiriu. Com a lei foi criada uma taxa aos suportes onde é possível gravar conteúdos, tais como cassetes, CDs, DVDs virgens, cartões de memória, memórias internas dos telemóveis e dos tablet. O presidente da República promulgou a lei à segunda, por obrigação, mas alertou que o decreto-lei não assegurava “uma efetiva e real proteção dos direitos dos autores e criadores, que não implique custos injustificados para os consumidores nem afete o desenvolvimento da economia digital”.

“Os direitos de autor correspondem a uma componente muito relevante do modo como podemos pensar a sociedade no século XXI”, diz Barreto Xavier, que entende que esses direitos devem ser protegidos como garantia da diversificação da informação e da arte na sociedade digital. É aí que entra esta lei (diferente da lei da pirataria).
A discussão não é pacífica. “Há quem diga que não há nenhum prejuízo fazendo cópias privadas”, lembra. O que está aqui em causa é “garantir uma proteção pelos presumíveis danos que podem ser causados por essas cópias”. Ou seja, uma taxa pela suscetibilidade de haver prejuízo potencial que “todos os países mais ricos do mundo já têm”.

Tour-Cultural-Arquivo

Assumiu a pasta numa altura que o meio cinematográfico batizou de “ano zero do cinema”, por não ter sido aberto um único concurso para financiamento no setor. Mas depois dos livros, da história, da arte urbana, do teatro e da dança, Barreto Xavier escolheu terminar o roteiro cultural com a sétima arte. Não só para destacar o arquivo rico de películas que datam desde o século XIX e o serviço de recuperação analógico. Também para dizer que deixa o setor muito melhor do que encontrou em 2012.

Nega que esse tenha sido um “ano zero” para o cinema. Mas para evitar que o grave problema da falta de financiamento se voltasse a repetir, apostou na aprovação de uma nova Lei do Cinema que não ficasse dependente das receitas publicitárias, cujo valor foi decaíndo ao longo dos anos. “O Governo anterior não aumentou a receita, nem diminuiu a despesa. Precisamente por causa desse paradigma errado, chegamos a 2012 numa situação em que havia compromissos assumidos e não havia dinheiro para pagar. Por isso não abrimos concursos”, justifica. Em vez de diminuir a despesa, Barreto Xavier foi pelo lado da receita e pôs as empresas de televisão por cabo a contribuir com 3,50 euros por cada nova subscrição.

E eis-nos perante o motivo que terá levado Barreto Xavier a incluir o serviço de arquivo e restauro da Cinemateca no roteiro. “O ano de 2015 é o ano em que há mais dinheiro para o cinema em Portugal desde sempre”: 17,1 milhões no total, 13,7 milhões só para cinema. As regras de funcionamento dos júris dos concursos de concessão de apoio financeiro foram contestadas. O SEC esclareceu que, em julho deste ano, definiu que passa a ser o ICA a conduzir todo o processo.

“Sabe uma coisa? Agora que fazemos a fotografia das coisas com o passar do tempo, julgo que conseguimos perceber o sentido”, comenta Barreto Xavier sobre a demissão do presidente do ICA e a decisão da diretora da Cinemateca de não se recandidatar ao cargo, no final de 2013. À época, houve quem pedisse a demissão do secretário de Estado. “Há momentos quentes na vida das pessoas e das instituições que implicam as reações dos mais diversos tipos”. Tal como já tinha defendido no Museu do Chiado, “o que importa acima de tudo são as instituições. Só faltava os membros do Governo, porque às vezes falha uma pessoa ou falha outra, zangarem-se e irem-se embora”. Não que os governantes não devam ser responsabilizados pelo que acontece de mau. Mas lamenta que em Portugal “raramente se fale bem quando as pessoas fazem bem”. “Repare como é ridícula, com este horizonte temporal, essa situação de 2013. Se eu pessoalmente me fixasse em problemas e não em soluções, não tinha chegado a obter as soluções que obtive”.

Soluções que, defende, fizeram com que o balanço de três anos de mandato seja positivo. Para além da obra mais popular – da abertura do Museu dos Coches à revisão da lei do preço fixo do livro – destaca também a agregação de novos serviços à área da cultura (como o arquivo histórico ultramarino), a ida do Museu da Música para o Convento de Mafra, o investimento de 100 milhões de euros na reabilitação do património (da Sé da Guarda ao Forte da Graça em Elvas). Defende que nunca outro Governo tinha feito mais classificação de património (“mais de 960”). Sobre o financiamento das artes, reconhece que foi das áreas mais sacrificadas.

“O apoio às artes de facto diminuiu e, de algum modo, os artistas, ou parte do meio artístico, sofreu com essa dificuldade. E houve por isso da parte da comunidade cultural, que é mais ativa em termos de protesto, uma identificação da ação do Governo com o facto de haver menos dinheiro para as artes. E isso é obviamente uma identificação que só faz sentido em termos mediáticos.”. Dizer que este Governo quer acabar com o Estado Social é “um disparate”. O que a tutela procurou fazer foi “garantir os meios para que o Estado Social e o serviço à população pudessem acontecer de uma forma estável e, se possível, melhorá-lo”.

Na lista de tarefas ficou por riscar a criação de um Museu do Cinema. A Cinemateca tem esse estatuto, mas o espaço museológico ainda não existe. Faltou tempo a Barreto Xavier para o fazer. Outro dos pontos na lista de tarefas era dotar os museus nacionais de exposições permanentes, de forma a contribuir para que “a perspetiva museológica tenha uma leitura mais estável do que aquela que é feita hoje”. É o caso do Museu do Chiado, por exemplo.

E o momento mais difícil do mandato. As 85 obras de Miró que passaram para o domínio público com a nacionalização do BPN? Não propriamente. “Houve muitos momentos difíceis”, reconhece. O foco mediático dos Mirós foi muito grande, mas as maiores dificuldades foram as que não são visíveis ao grande público: garantir a estabilidade do sistema cultural com recursos escassos.

Com as sondagens pouco claras sobre quem poderá ganhar as eleições no dia 4 de outubro, mas com a certeza de que nenhuma das forças poíticas está perto da maioria absoluta, Barreto Xavier compreende que as pessoas tenham ficado zangadas com o Governo devido às “medida impopulares” que foram tomadas. Sem pedir expressamente um voto na coligação, deseja que os eleitores pensem quem é que oferece condições de governabilidade para o futuro. Mas não se inclui nesse futuro.

"Mesmo dizer que estou disponível é uma presunção da minha parte, portanto não vou dizer isso. Vou dizer é que estive sempre, e estou, para a prestação do serviço público e para procurar contribuir na medida das minhas possibilidades para o país."

Saindo da secretaria de Estado, o primeiro objetivo é terminar a tese de doutoramento em Políticas Públicas, no ISCTE, que ficou em suspenso quando Passos Coelho o chamou para o Governo. “Vamos lá ver se agora consigo voltar a pegar nas coisas”. Depois, é deixar “a poeira assentar” e pensar no que se segue. Em novembro, Jorge Barreto Xavier completa 50 anos. “Uma tristeza”, diz a rir-se. “Estou um pouco obcecado com esta coisa de passar a ser cinquentenário.”

Grafismo: Andreia Reisinho Costa
Imagem vídeo: Hugo Amaral e Michael Matias
Edição vídeo: Miguel Soares e Michael Matias

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