788kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Carlos Valderrama, 56 anos de idade, reúne qualquer coisa como três Mundiais e seis Copas América
i

Carlos Valderrama, 56 anos de idade, reúne qualquer coisa como três Mundiais e seis Copas América

Mark Leech - Offside

Carlos Valderrama, 56 anos de idade, reúne qualquer coisa como três Mundiais e seis Copas América

Mark Leech - Offside

Valderrama. “Abel Xavier? O meu cabelo tem mais style”

Cantona, Michel, Valdo, Maradona, Higuita, Milla e Abel Xavier: os 7 magníficos de Valderrama, cujo cabelo mais se parece com uma árvore de Natal. Por enfeitar, claro. Entrevista de Rui Miguel Tovar.

Ho ho ho Merry Christmas. A proximidade do Natal obriga-nos a dar um guino ao telemóvel. Daí a chamada intercontinental para o outro lado do Atlântico, onde somos recebidos à grande e à colombiana. Com três Mundiais e seis Copas América, o número 10 por excelência da seleção da Colômbia fala sem parar. Chama-se Carlos Valderrama e é comparado com o holandês Ruud Gullit. Pelo toque de bola. E pelo cabelo, por supuesto. Señoras y señores, ei-lo.

Heyyyy, todo bien?
Por supuesto. Quien habla?

Rui Miguel Tovar. Hablo de Lisboa, Portugal.
Ayyyy, que bien. Dime.

Antes de mais, boas festas.
Navidad, sí, muy lindo.

O que significa para ti?
Tudo e mais alguma coisa. O meu pai ofereceu-me uma bola de futebol no Natal e, mira, nunca mais parei.

E o teu penteado também foi no Natal?
Jajajajaja, isso já não. Um dia, quando era “muy pelado” [muito novo], deixei crescer o cabelo e gostei do que vi. Como só tinha um pente com três trinches.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Quê?
Trinches.

O que é isso?
Como te explico? Um pente tem trinches.

Ahhhh, dientes.
Dientes?

Como o meu pente só tinha três trinches, o penteado começou a ficar assim. Eu gostei logo dos movimentos do meu cabelo, só que a minha mãe insistia em levar-me ao cabeleireiro. Quando se apercebeu realmente que eu gostava daquele cabelo, nunca mais sugeriu nada. Apenas respeitou a minha decisão.

Sí, jajajaja, tiene logica.
Muy bien, o meu pente tem três trinches e o penteado começou a ficar assim. Eu gostei logo dos movimentos do meu cabelo, só que a minha mãe insistia em levar-me ao cabeleireiro. Quando se apercebeu realmente que eu gostava daquele cabelo, nunca mais sugeriu nada. Apenas respeitou a minha decisão. Os meus pais são assim, ensinaram-me bem.

Ainda bem, é mais de meio caminho andado para o sucesso.
De verdad que sí, sin duda.

E esse corte (chamemos-lhe assim, vá), não é complicado?
Ya. No início, perdia uma boa meia-hora à frente do espelho, mas agora é bem fácil. Levanto-me, um pouco de água, champô e, pum, já está.

Voilá, um corte à Valderrama. Quantos colombianos já te imitaram?
É tão difícil como matemática aplicada. Entre 1990 e 1994, quando a seleção colombiana deu que falar, porque foi aos Mundiais de Itália e dos EUA, via muitos cortes parecidos com o meu, em quase todos os pontos do país. Tanto crianças como adultos.

E é um corte bom para cabecear bolas?
Próxima pergunta.

Então?
Jajaja, a verdade é que nunca fui um cabeceador por excelência. Usava a cabeça para outros fins.

Lembro-me bem. Aquele teu passe para o golo à Alemanha ainda me está na cabeça. E só tinha 13 anos.
A sério?

Toda a jogada foi brilhante. Aliás, o próprio jogo é uma contradição do futebol.
Então?

A Alemanha marca o 1-0 aos 88′ e ninguém, ninguém mesmo, nem o colombiano mais ousado, pensa no empate. E vocês fazem o 1-1 aos 90 e muitos.
90 mais um. Foi uma jogada bem trabalhada, es verdad.

Tu recebeste no meio-campo, enganaste dois alemães, tabelaste e assististe o Rincón.
Que mete por entre as pernas do Illgner.

Glorioso.
O Beckenbauer, fulo. Já não contava perder pontos na fase de grupos.

A verdade é que foi campeão mundial daí a duas semanas.
Jajajaja, verdad.

Por essa altura, já a Colômbia estava em casa.
Por cierto. Fomos eliminados pelos Camarões.

Aquele golo do Milla.
Qual deles?

O segundo.
Ahhhh, sim, sim.

O do roubo de bola ao Higuita.
Pois.

As pessoas são capazes de ser insensíveis ou então de não perceber, mas a pessoa que erra é aquela que fica mais em baixo. Por isso, não vale muito a pena estar a falar-lhe do erro, não é? No balneário, todos demos-lhe força. É o Higuita, carajo? Quantas vezes é que ele nos salvou? Um número infinito. Quanto vezes é que nos ajudou? A nós, colombianos? Lembro-me de uma final da Libertadores em que ele defendeu três penáltis. Lembro-me de ter assumido a marcação do penálti do 1-0 vs Venezuela em plena Copa América, no Brasil. Ganhámos 4-2. E ele depois foi peça-chave num 0-0 com o Brasil, em Salvador. E também me lembro daquele gesto técnico em Wembley.

Como é que era o ambiente no balneário?
Ninguém incomodou o Higuita. As pessoas são capazes de ser insensíveis ou então de não perceber, mas a pessoa que erra é aquela que fica mais em baixo. Por isso, não vale muito a pena estar a falar-lhe do erro, não é? No balneário, todos demos-lhe força. É o Higuita, carajo? Quantas vezes é que ele nos salvou? Um número infinito. Quanto vezes é que nos ajudou? A nós, colombianos? Lembro-me de uma final da Libertadores em que ele defendeu três penáltis. Lembro-me de ter assumido a marcação do penálti do 1-0 à Venezuela em plena Copa América, no Brasil. Ganhámos 4-2. E ele depois foi peça-chave num 0-0 com o Brasil, em Salvador. E também me lembro daquele gesto técnico em Wembley.

Ah, o escorpião.
Isso mesmo, vês? Tu que és de Portugal reconheces esse lance de imediato e chamas-lhe pelo nome próprio. René [Higuita] é assim, um misto de classe e atrevimento. Foi um guarda-redes à frente no seu tempo. Dessa vez, com os Camarões, o Milla aproveitou e saiu-se bem.

Esse é o teu primeiro Mundial.
É o nosso primeiro Mundial, o da Colômbia. Foi uma sensação única, a noite da qualificação. Sabes onde?

Ni idea.
Israel. Empatámos 0-0 em Ramat Gan, depois de termos ganho 1-0 em casa. Nessa noite, joguei enormidades. Posso dizer isso sem medo. Já vi e revi o jogo inteiro. Assumi o jogo como um desafio muito pessoal. Quer dizer, a Colômbia só tinha ido a um Mundial, há mais de 30 anos [em 1962], e o apuramento foi algo de mágico.

É o início daquela geração.
Siiiiiiii.

Que dá um baile descomunal à Argentina na qualificação.
Esse 5-0 em 1993 é um jogo formidável. Para nós, jogadores. Para nós, povo colombiano. Marcámos um, dois e pensámos ‘está ganho’. Depois, aconteceu aquilo. Uma manita. Em Buenos Aires. E à Argentina, que não perdia em casa há 35 jogos. Incrível. O mais incrível foi ouvir os olés do público argentino a cada toque nosso na bola. Inesquecível. Eles é que começaram a picar-nos.

Então?
Na noite anterior, fariam tudo, tudo, tudo à porta do hotel para nos impedir de dormir. E conseguiram. Na manhã seguinte, só se viam sonâmbulos ao pequeno-almoço.

E?
Não ficou por aqui. A caminho do estádio, partiram-nos o vidro do autocarro. Quando chegámos ao estádio, dissemos ‘hoy ganamos’. Assim foi. Por cinco é que ninguém esperava, jajajaja.

Se esse foi o teu melhor momento, qual foi o pior?
A morte do Escobar [defesa colombiano assassinado em Medellín, à porta de um bar, dias depois da eliminação da Colômbia no Mundial-94, confirmada com um autogolo de Escobar frente aos EUA]. No futebol,perde-se ou ganha-se, mas a Andrés não o vamos ver mais. Mataram-no. Quando soube da notícia, nem sequer acreditei. Fiquei paralisado, depois devastado. Foi difícil, muito difícil, ultrapassar esse momento.

Tens 11 clubes na carreira. Pior, com 12, só o Abel Xavier.
Peor? Peor no, mejor. Tens de ver as coisas pelo lado positivo. Siempre.

Pronto, mejor, com 12, só o Abel Xavier. Conheces?
El portugués?

Ya.
Claro que conheço. Lembro-me da sua melena, também é bem engraçada. Mas a minha é mais bonita, hein?

Gostos não se discutem.
Pois não, por isso é que insisto: a minha é mais bonita, tem mais style.

Os primeiros seis meses no Montpellier foram complicados, pelo futebol mais rápido e pela língua. Custou-me a adaptar mas tive dois amigos que me ajudaram bastante: Blanc e Cantona

Jajajajaja. Desses 11 clubes, alguns são europeus. Como o Montpellier, em França.
Os primeiros seis meses foram complicados, pelo futebol mais rápido e pela língua. Custou-me a adaptar mas tive dois amigos que me ajudaram bastante.

Quem?
A ver se os conheces.

Cuidado, duvido que conheça alguém do Montpellier.
Vou dizer com cuidado, não te preocupes: Bla-nc e Can-to-na.

Nãããããã.
Conheces?

Pffffff, que pergunta.
Ganhámos a Taça de França, em 1990.

Como foi o jogo?
Tranquilo, viu-o da bancada.

Então?
Fui expulso na meia-final, em Saint-Étienne, onde ganhámos 1-0, golo do Éric.

E a final?
Zero-zero aos 90 minutos, depois prolongamento. Marcámos o 1-0, o 2-0 e o Ginola do Racing [Paris] reduz. Controlámos a vantagem e foi uma fiesta memorável. O Montpellier não ganhava nada desde os anos 20.

O Montpellier apura-se para a Taça das Taças e joga com o Benfica?
Nããããão, a eliminatória com o Benfica é anterior à conquista da Taça de França, é em 1988.

E jogaste em Lisboa?
Não, só em Montpellier, onde perdemos 3-0. Aí, o Montpellier tinha o Milla na frente em vez do Cantona.

O Milla, camaronês?
Esse mesmo.

O mundo dá voltas e mais voltas.
Verdad.

De Montpellier saltaste para Valladolid, porquê?
Conquistada a França, sonhava em conquistar mais um país do futebol europeu

E?
Ou Espanha ou Itália. Quando apareceu o convite do Valladolid, treinado pelo Maturana [selecionador da Colômbia em 1990] e com Álvarez mais Higuita, meus companheiros de seleção, estava animadíssimo e julgava que íamos triunfar na justa medida do que é o Valladolid, claro. Mas o presidente que nos contratou saiu um mês depois e a equipa foi-se abaixo.

Era canto e ele apalpa-me los huevos [os testículos]. Um, dois, três toques. Ao primeiro toque de Michel, não disse nada. Ao segundo, também não. Ao terceiro, passei-me: “És maricas ou quê?” Ele queria provocar-me e a verdade é que conseguiu. Como as pessoas gostam mais de comentar esse tipo de coisas do que futebol propriamente dito, essa imagem ficou colada a mim

Por falar em ir abaixo, o que aconteceu com Michel no famoso Real-Valladolid?
Tu também? Foi uma falta de respeito, isso sim. O Michel não devia ter feito aquilo. Durante anos e anos, o meu pai ouviu piadas dos amigos sobre o assunto. Todos os dias, mesmo. É absurdo, o incómodo.

Mas o que se passou em concreto com o Michel?
Foi um Madrid-Valladolid, como disseste. Era canto e ele apalpa-me los huevos [os testículos]. Um, dois, três toques. Três toques. E de propósito. Tu imaginas? Se te fizessem a ti, que tal?


Ao primeiro toque, não disse nada. Ao segundo, também não. Ao terceiro, passei-me: “És maricas ou quê?” Ele queria provocar-me e a verdade é que conseguiu. Como as pessoas gostam mais de comentar esse tipo de coisas do que futebol propriamente dito, essa imagem ficou colada a mim.

O que é o futebol propriamente dito?
Mira, el Brasil 1982.

Todos me falam dessa seleção.
É a melhor equipa que vi.

E nem chegou às meias-finais.
Baaah, é dessas fatalidades do futebol. Quando quer, o futebol é cruel. Sem desprezar a Itália, atención, só que esse Brasil jogava à bola. De verdad. A melhor equipa em talento por metro quadrado. Jogavam de olhos fechados. Há pouco falámos da eliminatória europeia entre Montpellier e Benfica, sí?

Sim, verdad.
Nesse Benfica, havia o Valdo. Que pedazo de jogador. Lá está, um brasileiro. Ele era magia pura, cada toque na bola era poesia.

Grande elogio, de 10 para 10.
Dez mais dez dá vinte. Valdo é gente fina, 20 puntos como pessoa.

Aí na Colômbia é assim?
Ya, 20 puntos é gente boa. Como Maradona. Comigo, sempre impecável. Convidou-me para a festa de despedida dele e tudo. Además, estava sempre a elogiar-me. Uma vez, disse aos jornalistas que se eu e ele jogássemos na mesma equipa, éramos invencíveis.

Alguma vez jogaste com ele?
Com, não. Só contra.

Quando?
Copa América 1987, em Buenos Aires. Ganhámos 2-1 à Argentina para o 3.º e 4.º lugares.

E tu não foste eleito o melhor desse torneio?
Jajajajaja, es verdad.

E à frente do Maradona?
Tirei uma foto com ele, emoldurei-a e está lá em casa, à vista de todos.

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora