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Maria Gralheiro/Observador

Maria Gralheiro/Observador

Venha a nós a vossa música. 12 portugueses que tem de ouvir em 2018

O novo ano traz muitas novidades na música nova que em Portugal se faz. E faz-se muita e de valor. Estes são 12 dos melhores projetos (entre cantores e bandas) que poderá ouvir.

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Filipe, Mila, Martim, Xixo, Pir, Márcio, Diana, Susana, Tiago, Miguel, João, Diogo, Manel, António, Bernardo, Bilan, Bruno e André. Alguns dos artistas aqui reunidos são promissores e vão apresentar-nos novidades no começo do ano; outros já certezas – e com muitos dos melhores discos editados em 2017. E de tudo há para escutar: cantautores (com histórias quase sempre pessoalíssimas mas de identificação pronta), música eletrónica – para ouvir com atenção mais até do que para dançar –, e música “apenas” instrumental com raízes jazzisticas. Escreve-se e canta-se sobretudo em português. Mas há também rock na língua de sua majestade e world music em crioulo cabo-verdiano.

Filipe Sambado

Está agora a viver o american dream. É o próprio Filipe Sambado quem descreve assim o contrato de quatro discos que assinou em 2017 com a Valentim de Carvalho – com o primeiro a sair no começo de 2018. Antes, gravara (três EPs, entre 2012 e 2014, e um disco, “Vida Salgada”, em 2016) por pequenas editoras independentes como a Spring Toast.

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Porquê american dream? “A aceitação foi lenta. Só agora com o ‘Vida Salgada’ é que surgiu um hype qualquer à volta do meu trabalho. Acho que foi porque comecei a aparecer mais nos sítios e deixei de produzir tanto. Toda a gente estava em todo o lado e eu estava sempre enfiado no estúdio a trabalhar. Mas nunca enviei o que fazia à Valentim de Carvalho, por exemplo. Foi um A&R da editora que apareceu num concerto meu e, no final, disse que estava interessado em conversar comigo. Fui conversar e ofereceram-me o contrato. Em fevereiro deve sair o disco e já em janeiro um single.”

Tem hoje 32 anos. Nascido e criado em Lagos, a música surgiu para Filipe ainda na adolescência, não música cantautoral e pop rock como hoje faz, mas hip-hop. “Comecei por fazer rap com malta do meu bairro. Umas rimas, uns beats. Depois ainda formei uma banda com amigos do secundário, mas nunca foi algo sério. O que sabia é que tinha uma necessidade qualquer de expressão. Mas não sabia ainda bem o que era. Ou como a expressar bem. O primeiro concerto que dei foi num liceu, lá em Lagos. E diverti-me. Mas acho que só percebi a importância que a música teria bem mais tarde, quando comecei a trabalhar a solo.”

Apesar de ser cantautor e, também, produtor, Filipe Sambado nunca estudou música ou um instrumento. “A minha ‘formação’ musical acabou por ser, ainda na adolescência, o que ouvia na MTV e na Antena 3. Mas o meu pai também me apresentou algumas coisas. Ele sempre foi um homem que não ouviu a música do seu tempo mas a de agora."

Ainda em Lagos começaria igualmente a fazer teatro. “A cidade não era muito desenvolvida a nível cultural. Então, se tens esse tipo de necessidade de expressão, acabas por te lançar para todos os lados. Acho que foi por isso que fiz teatro.” Não seria ator. Mas acabaria por estudar dramaturgia na faculdade, curso que abandonaria ao fim de dois anos. A música era o chamamento de Filipe Sambado. E foi estudar som. “Mas ainda era um bocado ingénuo, sabes? Acho que a música só se tornou vinculativa quando gravei o primeiro disco com os Cochaise – uma banda que tinha com a minha ex-mulher, a Cláudia –, em 2010. E a partir de 2012 comecei a sondar mais o meu trabalho a solo, a tentar ser mais auto-suficiente.”

Apesar de ser cantautor e, também, produtor, Filipe Sambado nunca estudou música ou um instrumento. “A minha ‘formação’ musical acabou por ser, ainda na adolescência, o que ouvia na MTV e na Antena 3. Mas o meu pai também me apresentou algumas coisas. Ele sempre foi um homem que não ouviu a música do seu tempo mas a de agora. Era mais indie do que eu. Quando descobri, aos 25 anos e já a viver em Lisboa, os Beatles, o meu pai andava a ouvir Girls ou Deerhunter. [Risos] Na música sempre fui autodidata. À medida que conseguia juntar algum dinheiro, comprava instrumentos, uma guitarra acústica, uma bateria, tudo baratinho. E depois acabei por formar um estúdio pequeno com o João Pratas, que tocou comigo em Cochaise.”

Na produção, Filipe Sambado conta com três dezenas de discos com o seu cunho. E quer continuar a ser produtor. “No outro dia precisei de fazer um currículo e nem eu sabia que tinham sido tantos. Há artistas que me estão a pagar melhor e outros que me estão a pagar menos – isto sem falar nos discos que faço sem receber nada. Mas tenho imenso prazer em fazer isto.”

© Vera Marmelo

Enquanto compositor, garante que tem uma “boa cabeça” matinal e uma cabeça “um bocado especifica” à noite. E explica: “Aproveito bem aquela transição da fase hipnagógica do acordar e, depois, há mais ou menos duas horas em que tenho a cabeça muito rápida e, normalmente, as ideias que tenho consigo passá-las. À noite, consigo trabalhar o que fiz durante o dia, melhorar.” Escreve “muito, muito, muito”. “Mas sou muito volátil a compor. Mesmo dentro dos discos, eles variam um bocado na abordagem às canções: tanto posso fazer um disco só de guitarra e voz, como um disco de techno a seguir. É um bocado o que me apetecer. Até pode acontecer no mesmo disco as coisas estarem a fluir para abordagens muito diferentes entre músicas. Se calhar resulta numa espécie de esquizofrenia criativa”, explica.

As canções, quando surgem, surgem de “uma cabeça a querer dizer coisas”. Mas essa é apenas a primeira fase da criação de Filipe Sambado. “Em todas as minhas letras há dois pontos-chave: há um momento em que estou a dizer aquilo que preciso de dizer e, depois, há um momento em que lhe retiro um bocadinho de urgência e tento trabalhá-la da perspectiva mais romanceada do assunto. E coloco algumas imagens, imagens que façam as pessoas visualizar aquilo. Muitas vezes não escrevo sobre uma experiência concreta, percebes? Pode ser uma coisa que de alguma forma mexeu comigo e cria a necessidade de falar sobre ela.”

Mila Dores

Mila Dores soube desde cedo que o palco era o lugar onde queria estar. Tem hoje 34 anos. “A minha mãe conta-me que antes mesmo de começar a falar, trauteei uma canção.” E também cedo foi estudar para a Academia de Música de Vilar do Paraíso, em Vila Nova de Gaia. O destino estava-lhe traçado. “Lembro-me que a primeira vez que pisei um palco, um palco maior, foi no Coliseu do Porto. Tinha uns cinco anos. E foi na festa final da academia. Soube logo que queria fazer aquilo. Não tanto por querer ser vista, querer aplausos; mas era onde me sentia bem e feliz.”

Sentia-se bem a cantar como se sentia ao piano, seu instrumento de predileção e onde compõe hoje as canções. Mas “afastaram-se”. “Desliguei-me da música aos 15 anos. E, curiosamente, só voltei a estudar piano há cerca de ano e meio. Aos 15 anos fui ser adolescente.” Mas a música continuaria presente. Esteve sempre. “Cresci a ouvir música e a cantar. O meu avô ouvia muita música. E com ele descobri, ainda criança, música clássica, por exemplo, descobri a música popular brasileira. Foi importante tê-lo, foi a primeira educação musical.”

Outra banda foi importante também na “educação” da cantautora: os Clã. E ouviu-lhes os discos até quase os “riscar”. “Fui ver o concerto de apresentação do álbum ‘Lustro’. Tinha 15 ou 16 anos. E levei-lhes os discos todos que tinha deles para me assinarem. Quando vi a Manuela [Azevedo], a primeira coisa que pensei foi: ‘Wow, ela é ainda mais baixinha do que eu!’ [Risos] Mas também percebi que era aquilo que queria fazer da minha vida.”

“Escolhi Leeds porque dentro do curso de jazz podia estudar música clássica indiana – que, mais tarde, em Lisboa e durante o meu mestrado, acabaria por ser parte da investigação na minha tese: descobri que as escalas-mãe que estão na origem das ragas indianas são as mesmas escalas-mãe que estão na origem de alguma da musica tradicional portuguesa.”

Antes, Mila Dores estudou cinema. “Mas dei por mim a escrever mais sobre a música dos filmes do que propriamente os filmes. E pensei: ‘Bem, tenho de voltar a estudar música…’” E é então que lhe chega o jazz. Primeiro, começou a ir semanalmente às jam sessions da ESMAE, no Porto. Em seguida, inscreveu-se num workshop de jazz no sul de França. “Conheci lá muitos músicos. E alguns professores de universidades em Inglaterra. Eles incentivaram-me a concorrer a uma licenciatura lá e acabei por estudar em Leeds.” A cidade, conta Mila, é “um bocado escura”. Mas algo lhe despertaria o interesse.

“Escolhi Leeds porque dentro do curso de jazz podia estudar música clássica indiana – que, mais tarde, em Lisboa e durante o meu mestrado, acabaria por ser parte da investigação na minha tese: descobri que as escalas-mãe que estão na origem das ragas indianas são as mesmas escalas-mãe que estão na origem de alguma musica tradicional portuguesa.” Mas o curso abriu-lhe mais “horizontes”. “Aquilo dividia-se em três partes: o jazz mais mainstream, a música clássica indiana e a música improvisada. Ou seja, aprendi como se tivesse estudado em três escolas diferentes mesmo estando só numa.”

Foi através das amizades que fez no Leeds College of Music que surgiu a primeira banda de Mila Dores, os Eh Joe. Mila cantava maioritariamente em inglês. Mas foi sobretudo quando começou a cantar em português — isso e as saudades que já tinha de “casa” — que tudo se alteraria. “Um membro da banda incentivou-me a escrever em português. Antes já escrevia uns textos. Mas nada que me agradasse assim tanto. O que gostava realmente era de escrever letras, letras que pudesse vir a musicar. E é em Inglaterra – depois do curso ainda vivi lá mais dois anos – que começo a fazer isso. Quando cantava em português, os ingleses – mesmo sem entenderem nada – diziam-me que gostavam muito de me ouvir. Então, voltei a casa. E pensei: ‘Vou cantar na minha língua, para quem me entende. E também vou beber uns cafés e apanhar sol…’”, graceja.

Teresa Q

E voltou a Portugal, primeiro para o Porto e, mais tarde, para Lisboa, onde concluiria o mestrado na Escola Superior de Música. Mas sentia-se algo “perdida”. Uma viagem a Nova Iorque e uma aposta dar-lhe-iam a certeza de que era cantautora que queria ser.

“Foi engraçado. Estava com um amigo e vimos passar o Wynton Marsalis. Ou alguém que se parecia com o Wynton. Ele dizia que era; eu dizia que não. E apostámos 100 dólares. Vou ter com ele e confronto-o: ‘You’re Wynton Marsalis, shit!’ Ele ficou surpreendido e expliquei-lhe que tinha perdido uma aposta. O Wynton simpatizou connosco e convidou-nos para o loft dele em Nova Iorque. Estivemos a ouvi-lo num convívio. Esse meu amigo até tocou para ele. No final, o Wynton Marsalis perguntou-me o que queria fazer e expliquei-lhe que estava meio perdida com o mestrado – onde não aprendia muito – mas que queria ter uma banda e fazer canções. E, então, ele diz-me: ‘You want it, you got it!’ Foi a motivação de que precisei naquela altura.”

E surgia nova banda, Mila Dores e Os Fulimantes, e novo disco: “A Quem Possa Interessar” – misturado e masterizado pelo produtor Mário Barreiros, com sonoridade pop rock e, mais tarde, uma canção, “Jaula”, incluída na coletânea Novos Talentos Fnac. Estávamos em 2015. “Foi interessante ter trabalhado com aqueles músicos: o António Quintino [baixo eléctrico], o João Firmino [guitarra], o João Lopes Pereira [bateria] e o Paulo Santo [vibrafone, teclado e electrónica]. E há canções do disco de que ainda gosto muito. No entanto, sinto que foi apenas a primeira ‘casca’. E descasquei-a. Mas tendo voltado a estudar piano, e tendo passado tanto tempo com ele, descobri uma forma minha de escrever canções, de as interpretar, sem banda, tudo cingido ao piano e à voz. As canções vêm-me diretamente do coração. São histórias escritas a partir de coisas que eu vivi. Para mim escrever uma canção é algo natural. Acordo, sento-me ao piano, escrevo, às vezes termino uma canção que comecei antes.”

O novo EP está concluído e sairá na primavera. Foi produzido por Miguel Ferreira. “Nunca pensei que quando com 15 anos fui ouvir e pedir autógrafos aos Clã viria a ser produzida pelo Miguel. Mais do que meu produtor, tornou-se um amigo. E havendo essa empatia, conseguimos construir sonoridades das quais nós gostávamos muito. No início tive um bocadinho de vergonha, era um ídolo para mim, mas passaria depressa. [Risos] Portanto, neste EP o ensemble é mais pequeno: sou eu ao piano, o Miguel nos teclados e um baterista do Porto na bateria eletrónica, o Ricardo Coelho.”

Veenho

Xixo é o irmão mais novo de António. O primeiro é guitarrista e o segundo vocalista da banda. Vivem ambos no segundo andar de um prédio no Restelo, em Lisboa. Martim, o baterista, é o vizinho do rés-do-chão e amigo de infância. António tem 25 anos, Xixo e Martim 22. Foi na garagem do último que surgiram os Veenho.

“A nossa ideia era fazer garage rock. Tínhamos referências comuns da cena da west coast americana – os Wavves, os Pavement, os Dinosaur Jr. – e queríamos fazer música. O António na altura estava em Londres a estudar. Às vezes vinha cá no fim-de-semana e desafiou-nos a tocar. Então, fomos para a garagem fazer música e gravar – as cenas que gravámos na altura nem sei onde estão. [Risos] Hoje é diferente: é bastante mais indie rock. E também curtimos aquele lo-fi do Brasil – que também foi uma influência para nós. São músicas curtas, por vezes mais tocadas do que cantadas – até temos uma no último EP que é só instrumental”, lembra Martim, apresentado a sonoridade dos Veenho.

Mas porquê “Veenho”? Xixo explica: “Eh pá, todos curtimos a estética da palavra. No fundo, há bandas que fazem esse ‘jogo’ com palavras e curtimos. E também somos Veenho porque nos queríamos diferenciar: vinho com ‘i’ é a bebida; vinho com dois ‘ee’ somos nós.”

“Foi no Sabotage. Primeiro tocou o Sambado e depois a Lucía. Nós tocámos no fim. E ninguém nos conhecia, claro. Ainda não havia EP. No dia seguinte liga-nos o Chaby [Mendonça] dos Mighty Sands a dizer que tinha lá estado, que curtiu, e perguntou-nos se queríamos ir tocar na ZdB. ‘Porra, claro!’ Aí abrimos a noite."

No espaço de apenas um ano, entre fevereiro e novembro de 2017, os Veenho lançaram dois EPs. A explicação é simples: sendo a maioria das músicas tão curtas, era necessário ter mais algumas para conseguir prolongar o alinhamento dos concertos que começaram a dar. E começaram a dá-los quase por acaso. Primeiro em espaços exíguos, quase só para amigos que sabiam trautear as canções dos Veenho de trás para a frente. Depois, em espaços cada vez maiores (e mais povoados de público) em Lisboa.

“Os Veenho são quatro elementos. Hoje é o Gonçalo [Formiga, de Cave Story] quem toca connosco na banda. No começo até tínhamos canções gravadas [com produção de Filipe Sambado] mas faltava-nos um guitarrista para os concertos – porque o To Bea foi para Londres tirar um curso de produção musical. Lá acabámos por encontrar um, o [Pedro] Valera, e o primeiro concerto foi em novembro de 2016”, lembra Martim. Xixo prossegue a história: “Foi no Sabotage. Primeiro tocou o Sambado e depois a Lucía. Nós tocámos no fim. E ninguém nos conhecia, claro. Ainda não havia EP. No dia seguinte liga-nos o Chaby [Mendonça] dos Mighty Sands a dizer que tinha lá estado, que curtiu, e perguntou-nos se queríamos ir tocar na ZdB. ‘Porra, claro!’ Aí abrimos a noite. A Raquel Serra, da [agência] Maternidade, também nos viu e disse-nos: ‘Vocês são da Maternidade se quiserem…’ A partir daí estávamos a dar um concerto por mês em Lisboa”. “E gravámos logo os dois EPs porque o primeiro só tinha 10 minutos e não podíamos dar um concerto de 10 minutos”, graceja Martim.

Manuel Simões

O último EP – ambos são homónimos: “Veenho” — foi gravado nas Caldas da Rainha, num estúdio improvisado na casa da avó de Gonçalo Formiga. A gravação durou uma semana, sempre em take direto.

“O nosso processo criativo é bué simples: o António faz uns riffs em casa, vem com aquilo para o ensaio, agarrámos no riff e o Martim, a partir daí, escreve uma letra para a música”, explica Xixo. “É estranho fazer uma letra que não vou cantar. Afinal, sou o baterista: é o António que vai cantar. Então, escrevo sobre coisas ‘bairristas’, que são referências para os dois. A cena é: não somos – nem queremos ser – cantautores. É por isso que as letras são coisas bué simples, até meio ‘abrasileiradas’ – por causa do lo-fi do Brasil que curtimos. Por exemplo, a ‘Saideira’ [do primeiro EP] é sobre uma última dança, uma última bebida. No último EP, ‘Cerveja Lofizeira’ é sobre aquela cerveja baratinha que a malta bebe, sabes?”

Martim inscreveu-se no mestrado em Direito – “mas desisti na semana passada”. Xixo está a terminar o curso de Gestão. O irmão deste, António, trabalha em consultoria digital. Uma coisa é certa: ambicionam em breve viver exclusivamente da música.

“Eh pá, queremos fazer o que gostamos. Por exemplo, o António, para poder gravar os EPs ou dar concertos com os Veenho, muitas vezes tem que gastar dias de férias. Durante este ano queremos gravar o álbum e ver no que dá. Mas sentimos todos uma urgência de fazer canções novas e tocá-las ao vivo. Foi tudo bué rápido: no outro dia fomos tocar ao Musicbox – foi com os First Breath After Coma – e não eram só aqueles 15 amigos do costume na plateia. Havia lá malta que não conhecíamos a curtir. Hoje em dia quando alguém me diz ‘tu és do Veenho’, penso: ‘Wow! Não era suposto alguém saber isto sem ser os meus amigos…’ Mas é bué fixe ver a malta a sentir a nossa energia”, explica Xixo.

Cassete Pirata

João Firmino, ou Pir, hoje com 31 anos, é o vocalista (e mentor) da pop rock dos Cassete Pirata. “O que fazemos é música para ouvir no sofá num dia chuvoso e música ‘orelhuda’ para dançar”, explica. Mas até foi primeiro (ainda é) do jazz como guitarrista. Aos 14 anos foi estudar para o conservatório, em Coimbra, depois ingressou no Hot Club. “Sempre ouvi muito rock. E música popular brasileira também. E cantautores portugueses. Mas tendo começado tão cedo a estudar jazz, e tendo-me entusiasmado por ser um bom guitarrista, acabei por dedicar muitas horas ao estudo e descurar projetos noutros géneros.”

Ainda no jazz, e regressado de Amesterdão onde também estudou, acabaria por gravar um primeiro disco na editora conimbricence Jacc Record — mais tarde fundaria ele mesmo (com o saxofonista Desidério Lázaro) uma lable: a Sintoma Records. “O mercado de jazz em Portugal é muito pequeno. Lanças um disco – e acabei por lançar um segundo –, fazes o circuito de concertos e acabou. Embora tivesse música para fazer um terceiro disco, apetecia-me fazer outras coisas.” É então que chegam os cautautores a Pir.

Primeiro, comprou um portátil onde pudesse gravar. Depois, compôs “compulsivamente” ao longo de seis meses. “No começo não escrevia as letras. Ou escrevia, mas sempre em parceria com a Joana Espadinha -- que também está comigo em Cassete Pirata. Ela incentivou-me a escrever e comecei."

“Houve um chamamento qualquer. E curiosidade, claro. E oportunidades. Então, comecei a trabalhar, primeiro, com a Joana Espadinha – que estudou comigo em Amesterdão. Depois participei num projeto [La Macchina Volante] mais tropical com o músico brasileiro Jaco Loredo. Até que surgiu um convite da Mila Dores para integrar a banda [Os Fulminantes] que estava a criar na altura para a acompanhar. E trabalhar com a Mila foi mesmo fixe, porque foi uma banda em que houve espaço para trabalhar as canções desde o início. É nessa banda que conheço o António Quintino [contrabaixista de Cassete Pirata] e ele convida-me para integrar a banda do Martim. À medida que fui participando nestas bandas, sempre como sideman, percebi que poderia tentar, eu próprio, fazer as minhas canções. É claro que na altura não pensava em ser o cantor”, garante.

Primeiro, comprou um portátil onde pudesse gravar. Depois, compôs “compulsivamente” ao longo de seis meses. “No começo não escrevia as letras. Ou escrevia, mas sempre em parceria com a Joana Espadinha — que também está comigo em Cassete Pirata. Ela incentivou-me a escrever e comecei. É algo novo mas que estou a gostar imenso de fazer. No começo gravava as coisas sozinho. Ainda nem havia banda. Sentia que estava outra a vez a fazer música como quando era miúdo. Quando dei por mim tinha feito dez músicas.” Era tempo de fazer nascer os Cassete Pirata. “Convidei a Margarida Campelo [voz e teclado], a Joana [Espadinha, voz e teclado], o António Quintino [baixo] e o David Pires, que foi o primeiro baterista de Cassete – hoje é o João [Pinheiro]. Fizemos três ou quatro ensaios e começámos logo a dar concertos.”

António Castelo

O primeiro foi em 2016, no Popular Alvalade, em Lisboa. “Queria que os Cassete tivessem uma espécie de ano ‘zero’. Não gravar logo nada, rodar aquelas canções, ouvir o feedback dos amigos. Nos outros projetos sentia que a malta tinha conseguido fazer coisas fixes mas depois chegas ao mercado e ninguém te conhece. Nesse ano fomos dar concertos em barezinhos mais pequenos, às vezes sem condições e onde o cachet é também ele pequeno. Mas o importante é que estávamos a fazer música”, garante Pir. O feedback foi positvo e, um ano depois do Popular Alvalade, os Cassete Pirata estavam no Teatro do Bairro, em Lisboa, com o concerto soltado. Então, resolvem gravar o primeiro EP da banda. “Fomos gravar com o Benjamim — que é também quem vai produzir o nosso disco em janeiro.”

Pir é agora, mais do que um sideman de jazz — ou dos projetos dos outros cantautores –, o frontman do seu próprio projeto cantautoral. Mas onde é que o vocalista de Cassete Pirata está mais confortável? “Hmmm… o facto de ter escolhido um nome de banda tem a ver um bocadinho com essa proteção que há. É claro que o vocalista e o compositor das canções acaba por liderar o projeto. E o público dá sempre um bocadinho mais de atenção ao frontman. Mas quero assumir sempre isto como um grupo de todos.”

Edu Mundo

Antes mesmo de compor canções e cantá-las, Márcio Silva foi baterista – nos Souls of Fire, em Terrakota e, hoje, em Fogo-Fogo. “Passares um concerto com as baquetas na mão é diferente de ser vocalista, estás completamente salvaguardado. Acho que continuo a gostar mais de ficar na bateria. Apesar de sofrer e ter nervos na mesma”, garante.

Em parte foi a timidez que o fez recuar no palco. Mas a verdade é que, mesmo escrevendo e acumulando “notinhas” em cadernos desde a adolescência, Márcio não sabia que poderia escrever canções também. Até por não saber, então, tocar um instrumento. Foi aprendendo e afeiçoando-se à guitarra. “No começo, como não sabia tocar nada, ocupei primeiro a bateria – que supostamente é o lugar do não-músico. [Risos] Aprendi bateria. E aprendi guitarra também, sempre sozinho. Nas viagens com as bandas, leva-a sempre e comecei a afeiçoar-me. As canções foram surgindo, primeiro muito simples e, mais tarde, algumas delas acabariam por entrar num disco [‘Pontas Soltas’] dos Souls of Fire. Durante muito tempo, e desde miúdo, gostava de escrever aquelas notinhas em cadernos, coisas que ouvia, pensamentos. Foi-se tornando primeiro uma obsessão e, depois, um costume. Sem ter nenhum assunto, escrevia uma página por dia.”

"Queria que a música determinasse traços comuns a todos. E esses traços são o ciúme, a paixão, o engano, a hipocrisia, coisas que todos sentimos. Isto é quase um heterónimo, o Edu Mundo é uma personagem – plural a toda a gente, mas que queria que garantisse uma interpretação individual sempre."

É nos Souls of Fire, alguns anos depois de ter chegado à banda enquanto baterista, que Márcio primeiro arriscaria cantar. E continuaria sempre a escrever canções, claro, mas guardando-os – aquelas que não serviam à banda — ou apresentado algumas no “conforto” dos amigos. “Escrever foi uma descoberta – ainda é – que tem vindo a crescer muito lentamente. Mas tornou-se uma necessidade minha, uma necessidade de dizer coisas. Acho que uma parte da boa escrita nas canções depende da persistência mais até do que a inspiração”, explica.

É por volta de 2011 que o projeto a que chama Edu Mundo nasce. Mas porquê “Edu Mundo”? “Porque queria que as canções do projeto servissem a todos: brancos, pretos, gordos, magros, homens, mulheres. Queria que a música determinasse traços comuns a todos. E esses traços são o ciúme, a paixão, o engano, a hipocrisia, coisas que todos sentimos. Isto é quase um heterónimo, o Edu Mundo é uma personagem – plural a toda a gente, mas que queria que garantisse uma interpretação individual sempre.” A “personagem”, contudo, só sai do anonimato quase por acaso em 2014. “A história é engraçada. Na altura estava a tocar viola braguesa nos Diabo na Cruz – tinha ido substituir o B Fachada. E fui tocar com a banda à Antena 3. Qual não é meu espanto quando o Henrique Amaro me diz que conhecia o Edu Mundo e me pergunta se pode incluir-me na [coletânea] Novos Talentos Fnac. ‘Claro que sim.’ Pouco tempo depois estava a tocar no Cinema S. Jorge. Foi o primeiro concerto de Edu Mundo.”

Vladimiro Leopoldo

Márcio continuou a escrever canções enquanto Edu Mundo e a tocá-las, “sem pressa.” Mas escreveria igualmente para outros cantores, que pouco a pouco o começaram a desafiar a fazê-lo. Algumas canções foram de “alfaiataria”, outras escolhidas. “Comecei a escrever canções para outros porque queria deixar a minha zona de conforto. Queria abandonar o ‘Eu’, a minha vida, costumes, queixas, e colocar-me no lugar de outras pessoas. Então, escrevi uma canção [‘Eu Entrego’] para a Ana Moura, outra [‘Ter Peito e Espaço’] para a Sara Tavares. E o António Zambujo cantou a ‘Pantomineiro’. No caso do Zambujo, a música estava pronta. Ele não me pediu para ser ‘alfaiate’ dele. [Risos] No entanto, com a Ana e a Sara ‘costurei’ a música nas medidas delas. Acredito que as canções não têm género. É o interprete quem vai garantir um género à canção.”

O músico acredita que este ano lançará dois álbuns, um enquanto Edu Mundo e outro no projeto que tem com João Pires: Cordel. “Tentei lançar o disco de Edu Mundo em 2016 mas a coisa perdeu-se. A brincar a brincar, desde 2011 tenho canções para uns três…”, graceja. Mas “perdeu-se” porquê? Márcio explica: “As editoras, ou a maioria das editoras, quase não têm cantautores. Porque os cantautores não acrescentam às massas, não vêm suprimir as necessidades das massas. Ser cantautor é fazer música para aqueles que querem escutar. Acredito que hoje em dia não importa quem faz música para ser escutada; importa, sim, quem consegue agremiar mais pessoas. Isso é mais importante do que a própria mensagem de uma canção ou a beleza da canção. Houve oportunidade para fazer algumas coisas, sim. Mas tinha de me ‘ajustar’. E preferi manter a minha identidade. Se quiser largar a ‘tesão de mijo’ na música, largo-a como baterista nos outros projetos”, explica.

É que Márcio Silva é também cozinheiro. E a cozinha é a sua primeira ocupação. E continuará a ser por enquanto. “Trabalho numa cozinha oito horas por dia porque gosto. Acredito que não deve ser a música o meu sustento. Não agora. Acredito que se estiver a tocar coisas de que não goste, vou destruir o lado criativo, a minha predisposição para compor. A música não deve ser o meu sustento mas a minha salvação.”

Haēma

Susana Nunes, 25 anos, e Diana Cangueiro, 38, conheceram-se em 2012. Ambas estudavam jazz no Hot Clube – Susana era cantora e Diana pianista. Hoje a música que fazem em Haēma é sobretudo eletrónica.

Mas chegaram a ela partindo do jazz. “Quando sabem que fazemos música eletrónica as pessoas tendem a pensar logo em house muito pesado. [Risos] E é engraçado que pouco depois de o concerto começar, acabam por sentar-se e estão dispostas a absorver o conjunto de camadas que vamos criando nas músicas”, começa por explicar Diana. Susana conclui a explicação da sonoridade existente em Haēma: “Apesar de virmos do jazz, sempre nos interessámos por música eletrónica. Temos interesses muito parecidos – e quando são divergentes, são compatíveis. No jazz contemporâneo acaba por acontecer muito uma busca da música eletrónica e da música concreta. Foi essa busca que fizemos no início que nos trouxe até aqui”.

"O álbum vai ter nove originais. Composição? Sento-me ao piano, surge a letra, a melodia, às vezes é um pouco catártico, às vezes são apenas histórias. É estranho descrever o meu processo de composição – porque é algo natural. Depois levo uns rabiscos das canções para casa da Diana e fazemos os arranjos lá. O álbum vai ser importante porque muitas vezes as pessoas querem ouvir-nos mas ainda temos pouca coisa disponível."

O primeiro concerto de Haēma foi em 2014, no Primeiro Andar, em Lisboa. E o concerto fez-se quase só de covers e da reinterpretação (eletrónica) de standards de jazz.

“Nessa altura creio que só tínhamos um original feito. Estávamos à procura da nossa sonoridade através da música dos outros. Tínhamos versões dos Radiohead, por exemplo.” A explicação é de Susana. E Diana acrescenta: “Enquanto tocávamos jazz, ambas sentíamos a necessidade de criar mais atmosferas, loops, construir de camadas. Então foi assim, ainda no Hot [Clube], que nasceu Haëma. E também sabíamos que enquanto duo – normalmente no jazz tens cinco, seis elementos na formação – era fácil chegar a mais sítios em Portugal.”

Susana Nunes

O próprio nome do projeto encerra, em si, a explicação para a música que fazem e que Susana descreve, gracejando, como “meio bipolar”. “A nossa língua não tem este assento no ‘a’ e às vezes as pessoas nem o sabem bem pronunciar. O nome surge de dois lugares algo diferentes – mas é essa diferença que define alguma da bipolaridade da nossa música. Haēma tem origem grega e a palavra está relacionada com sangue e, logo, com vida. Por outro lado, em coreano, significa cavalo-marinho. Então, há um lado aquático e outro mais terreno. A nossa música, sendo eletrónica, pode ter mais ‘caos’. E é a parte lírica que a torna doce.”

Durante o ano esperam ter o primeiro disco terminado. E continuar a dar concertos. Um dos últimos do ano passado foi em novembro, durante o Vodafone Mexefest. “O álbum vai ter nove originais. Composição? Sento-me ao piano, surge a letra, a melodia, às vezes é um pouco catártico, às vezes são apenas histórias. É estranho descrever o meu processo de composição – porque é algo natural. Depois levo uns rabiscos das canções para casa da Diana e fazemos os arranjos lá. O álbum vai ser importante porque muitas vezes as pessoas querem ouvir-nos mas ainda temos pouca coisa disponível. No Mexefest já apresentámos algumas coisas que queremos ter no disco – a sonoridade é esta e está descoberta. Vai ser uma eletrónica onde podes dançar mas, também, como aconteceu nesse concerto, estares mais introspectivo”, explica Susana.

George Marvinson

Até trocar a Viseu natal por Lisboa, para onde foi estudar Engenharia Civil, Tiago Vilhena não sabia tocar qualquer instrumento – e muito menos ambicionava ser músico como hoje é. Mas foi ainda na adolescência que deu o primeiro concerto. Por acaso.

“Houve uns amigos do liceu que me perguntaram se queria ir fazer um concerto. Eh pá, respondi-lhes que não sabia tocar absolutamente nada. ‘Não faz mal, o Diogo empresta-te um baixo…’ [Risos] Então, tive uns 15 dias até ao concerto para aprender a tocar baixo. Passei os dias inteiros a treinar. Depois, e durante o concerto, estive sempre muito quietinho, pernas sempre juntas, concentrado e a olhar para o chão – acho que nunca olhei para o público. Timidez? Não sei se era timidez ou não; estava era preocupado em não fazer asneira. Mas fiz muita”, graceja Tiago.

Nunca teve qualquer aula de música. O que aprendeu, primeiro baixo e depois guitarra, aprendeu por “imitação”. E com o incentivo de um amigo da família. “Lá em Viseu só ouvia punk rock e hardcore. E embora gostasse de música, não pensava vir a ser músico. Mas houve um amigo do meu pai que, durante um jantar, me incentivou a aprender guitarra, começou a explicar-me umas coisitas e emprestou-me a guitarra dele. Depois, comecei a ouvir canções do Bob Dylan, do Jimmy Hendrix, dos Led Zeppelin, percebi como é que se formavam os acordes das canções e imitava-os.”

"Quando estou mais em baixo, por exemplo, compor música faz-me bem. A engenharia é boa porque acaba por fazer uma catarse da música – e o inverso também funciona. Quando estou farto da faculdade e da matemática, faço música. Quando a música não me está a sair nada de jeito, vou para a faculdade.”

Antes de se apresentar a solo, em 2017, como George Marvinson – o disco de estreia, “Chill Wild Life”, saiu em outubro –, Tiago esteve (e continua a estar) desde 2011 na banda do irmão Miguel: os Savanna. “Os Savanna surgem com o Miguel e o Pedro [Castilho] a gravarem um EP. Mas na altura não tinham baixista. Eu estava a aprender – e ensaiava em casa. O meu colega de casa dizia-me para esquecer, que tocava mal e nunca aprenderia baixo. Então, para não o aborrecer com o barulho, às vezes fechava-me na casa de banho a ensaiar. O primeiro concerto que fiz com Savanna foi em 2011, no Barreiro. Num cafezinho.” Tiago Vilhena não se lembra de como lhe correu. “Só me lembro de estar completamente à nora…”

Foi com Savanna que começou a escrever ou arriscar escrever as primeiras canções. Dezenas e dezenas. As que não serviam à banda, guardava-as. “Na altura achava que não seriam boas o suficiente. E fui acumulando, acumulando. E melhorando. Até que chegou o dia em que percebi que tinha umas cem músicas na gaveta. E algumas até seriam boas. Não me lembro se foram os membros Savanna que me desafiaram a gravar, a ter um projeto a solo, ou se decidi por mim. Mas a verdade é que acabei por escolher 12 músicas e gravar o primeiro álbum”, recorda.

A aceitação de “Chill Wild Life” foi surpreendente para Tiago. Sobretudo nos concertos. “No outro dia estava a ouvir um disco do Sam The Kid: o ‘Pratica(mente)’. E apeteceu-me estar num concerto dele, mesmo lá na frente, a cantar as músicas todas. Não estava à espera que num concerto meu as pessoas soubessem as canções e as cantassem comigo. Foi uma surpresa boa.”

Joana Esteves

Mas voltando às canções e à escrita de canções. Ainda as escreve com a mesma compulsão dos primeiros anos em Savanna. “Quando chego a casa e vejo que não tenho nada para fazer, escrevo. No começo nem percebia bem como é que funcionava a estrutura de uma música – o que era um refrão, um verso, uma bridge, como é que se encadeavam raciocínios, não tinha tanto à-vontade com a criação da progressão de acordes. Hoje é mais simples. Mas é sempre uma aprendizagem. Quando um músico compõe um álbum, antes de o compor esse músico ainda não sabe fazer esse álbum. Está a descobrir, a aprender. Eu aprendo sentado à minha secretária, com os instrumentos. Quando não está a sair nada, insisto. E ponho-me de pé em cima da secretária, para ver o meu quarto e o mundo de outra perspectiva”, explica.

Tiago Vilhena é músico e compositor mas está igualmente a concluir a tese de mestrado em Engenharia Civil. E considera as duas profissões compatíveis. “Cada vez dou mais importância às letras. Com Savanna contava mais histórias; agora [como George Marvinson] é tudo mais autobiográfico. Quando estou mais em baixo, por exemplo, compor música faz-me bem. A engenharia é boa porque acaba por fazer uma catarse da música – e o inverso também funciona. Quando estou farto da faculdade e da matemática, faço música. Quando a música não me está a sair nada de jeito, vou para a faculdade.”

A pergunta sacramental guardamo-la para o fim: porquê George Marvinson? “Porquê? É uma alcunha que tenho há muito. E é curioso: até acabei por ser eu a criá-la. Acho que o George Marvinson é uma espécie de heterónimo meu. Não sei se sou bipolar – talvez seja. [Risos] Certo dia, já de manhã, estava com um amigo, ambos bêbados, e ele chamou-me George Harrison. ‘Não sou o George Harrison… sou o George Marvinson!’, respondi-lhe. Nem sei bem porque é que disse aquilo. Mas ficou até hoje.”

Prana

Miguel Lestre, vocalista e baixista de Prana, 30 anos, e João Ferreira, guitarrista, 31, estavam no liceu e conheciam-se somente de vista. Durante a viagem de finalista, João ouviu Miguel tocar num quarto e juntou-se a ele. “Pouco depois de começarmos a tocar o quarto estava cheio de gente. E percebemos que nos entendíamos bem”, conta Miguel. Mais tarde os dois foram apresentados a Diogo Leite, o baterista, hoje com 32 anos. “Acho que só o convidámos para tocar connosco porque ele tinha um estúdio onde podíamos ensaiar”, graceja João. Poucos meses depois de começarem a ensaiar surgiriam os Prana. Estávamos em 2005.

Diogo estudou piano e bateria, João guitarra. Miguel foi o único a ter, antes de Prana, uma outra banda, “nada sério, apenas de covers”. Mas assumia-se já como vocalista, então a cantar em inglês. “Na altura aquilo soava-me bem. Mas ainda era tímido. Lembro-me que a primeira vez que cantei foi na festa final do quarto ano. Cantei uma música dos Delfins – e até levei uns óculos como os do Miguel Ângelo. [Risos] Aproveitei na altura para fechar os olhos, porque estava com demasiado medo. Isso foi passando. Mas voltando a Prana, foi o Diogo que me desafiou a escrever e cantar em português”. A explicação de Diogo é bastante simples: “Na altura havia poucas bandas de rock a cantar em português – tinhas os Ornatos Violeta, os Clã… Então, foi também a pensar no lado mais ‘comercial’. Por outro lado, lá atrás, na bateria, gosto de entender o que o vocalista diz. E como sou péssimo no inglês, desafiei-o a cantar numa língua que entendesse.”

Diogo estudou eletrónica e é hoje instrutor de yoga. Miguel estudou medicina tradicional chinesa mas é como programador que trabalha numa empresa de moldes. João é licenciado em Física. Por enquanto, ainda conjugam outros trabalhos com a música.

No começo, e antes mesmo de gravarem o primeiro EP – “1”, em 2008 –, o rock dos Prana, explica João à laia de brincadeira, era quase “progressivo”. “Nós não tínhamos muitas músicas… mas tínhamos música muito grandes, com sete, oito minutos. Aquilo era alta pica para nós. Mas a construção era sempre para a frente e precisávamos de maior objetividade.” A objetividade chegaria depois de uma crítica pouco simpática mas “importante”. Diogo recorda-a: “Antes mesmo de haver EP, enviámos a gravação de um ensaio nosso ao Luís Jardim. Ele tinha acabado acabado de gravar umas progressões para o Rolling Stones… e os Prana, de São João da Madeira, enviaram-lhe a sua gravação. [Risos] Nunca pensámos que ele ouvisse e respondesse. Mas respondeu: ‘Más canções mas boas ideias’. Aquilo foi duro. Mas necessário e importante.”

João Ferreira garante que até hoje – e gravaram depois do EP dois álbuns: “Trapo Trapézio”, em 2011, e “O Amor e Outros Azares”, em 2014 – passaram por tudo, “ de bom, de mau, de horrível e de incrível”. Incrível foi quando uma canção de Prana rodou pela primeira vez na rádio, na Antena 3. “Estávamos no carro. E foi anunciado, com a voz do Henrique Amaro, que dentro de momentos ia dar uma música nossa. Foi uma sensação incrível”, recorda Diogo Leite. Menos incrível foi o tempo em que, sem condições e mal pagos, tocavam em bares.

Isto quando eram pagos. “Houve um sítio, um bar, em que no final não nos queriam pagar. E nem foi por ter sido um concerto mau – até foi bom. Era prática do proprietário não pagar e nós não sabíamos. Mas não abandonámos o bar até receber o pagamento. E recebemos o dinheiro. E mantivemos os dentes”, graceja Miguel. E Diogo acrescenta: “É chato ‘pisar vinho’. Mas o sabor dele, depois, é muito melhor. Foi difícil chegar até aqui. Mas soube-nos melhor assim”.

Vanessa Power

O novo disco de Prana está concluído e vai sair nos primeiros meses do ano. O single “Vaso Chinês” já roda. A essência é a mesma dos discos anteriores. Mas este é talvez um disco mais autobiográfico nas letras. Garante quem as escreve, Miguel Lestre: “Nós estivemos fechados durante oito dias numa casa em Arouca, completamente dedicados à música, a beber vinho, a respirar ar puro e a tocar. O nosso processo de composição é essencialmente o mesmo desde que nos conhecemos. Fazemos uma jam session longa, sempre a gravar, lá pelo meio saem algumas ideias e trauteio. Mas só depois é que decido sobre o que é que a música vai falar. No primeiro e no segundo álbum, gostava de falar das coisas que me rodeavam e não necessariamente sobre mim. Quando falava sobre mim e experiências minhas, disfarçava aquilo com poesia. Neste terceiro disco acho que são letras mais autobiográficos. Nem sempre é sobre mim mas nem sempre é sobre tudo o resto que não eu.”

Diogo estudou eletrónica e foi instrutor de yoga. Miguel estudou medicina tradicional chinesa mas é como programador que trabalha numa empresa de moldes. João é licenciado em Física. Por enquanto, ainda conjugam outros trabalhos com a música. “Faz parte dos meus planos abandonar o outro trabalho. Mas ainda estou num ponto em que se o trabalho desaparecer, a música não me permite sobreviver. Mas faz parte dos planos de todos, sim. E só vamos ser completamente feliz e realizados quando vivermos com aquilo que nós dá prazer”, explica Miguel. João Ferreira conclui: “Nós estamos mais do que preparados. Acredito que podemos nunca vir a ser nada mas acredito que podemos vir a ser tudo. Sinto que estamos no caminho certo.”

Primeira Dama

Dificilmente não se envolveria na música: cresceu com ela na família. O avô paterno de Manel Lourenço, ou Primeira Dama, foi músico e a avó pianista. O pai, Paulo Lourenço, é maestro do Coro Gulbenkian. Tem um tio igualmente maestro — na Orquestra Filarmonia das Beiras –, outro tio saxofonista, um que é professor de música e uma tia cantora no Coro Real de Espanha. “Dos cinco irmãos do meu pai só o meu tio Pedro é que não é músico – mas até podia ter sido.”

Cedo foi estudar para a Escola de Música Nossa Senhora do Cabo. Em casa, o pai começou por ensinar-lhe “o lado mais prático” da música, fê-lo “sensível”. A mãe introduziu-o aos cantaurores mas também… ao indie rock. “Acho que foi por causa da minha mãe que, ao contrário da maior parte da minha família paterna, resolvi fazer música popular e não seguir algo mais clássico. Desde os seis anos que fui introduzido aos cantautores: o Sérgio Godinho, o Zeca Afonso, o Fausto, o José Mário Branco, o Adriano [Correia de Oliveira]. Mas ao mesmo tempo, com a minha mãe, sempre ouvi também a cena indie toda: Strokes, Animal Colective, Tame Impala…”

Aos 15 anos formou a primeira banda: os Shads. Mas pensou a certa altura afastar-se da música. “Foi quando comecei a definir-me enquanto pessoa, na adolescência. Acho que o primeiro reflexo foi afastar-me da música – porque foi aquilo que sempre tive. Ninguém me pressionou a ser músico. Mas estando a música sempre presente, sofocava-me por vezes. A música estava sempre a acontecer em casa.”

"Tentei que este disco fosse mais imediato. Queria trazer camadas, arranjos limpos, mas com dinâmica. Tenho questionado muito a forma como faço as coisas. Tento sempre que seja o natural. Mas sinto que as melhores letras são aquelas que inevitavelmente saem conjuntamente com a música."

No final do secundário surge Primeira Dama. E o primeiro disco, homónimo, em abril de 2016. “Embora a minha educação tivesse sido mais clássica, percebi que gostava de fazer canções. E durante um ano estive a escrever as canções para o disco.” Quase um ano depois, sugiria novo disco de Primeira Dama – outra vez homónimo. Não foi só no exterior que durante aquele ano Manel havia mudado – as longas melenas foram-se e o cabelo é hoje curto e à escovinha. A sonoridade, ainda pop rock e cantautoral, também se alteraria.

Manel explica: “Tentei que este disco fosse mais imediato. Queria trazer camadas, arranjos limpos, mas com dinâmica. Tenho questionado muito a forma como faço as coisas. Tento sempre que seja o natural. Mas sinto que as melhores letras são aquelas que inevitavelmente saem conjuntamente com a música. Aconteceu-me na ‘Rita’, por exemplo. Algumas letras são uma catarse, Mas a catarse pode ser trabalhada e induzida. Podes trazer essa catarse. Tens que experienciar muito. E acumular. E depois, introspectivo, sozinho, a catarse acontece. Mas num ano gravar dois discos é algo que não voltará a acontecer…” Porquê? “Senti uma evolução grande de um disco para o outro. Mas também senti um certo vazio no segundo disco. Não é ‘vazio’ de conteúdo; é vazio na maneira como o fiz: assumi aquilo de uma forma mais ‘funcionária’. Isso tirou a magia inicial, não sei. E estando mais exigente, questiono-me mais.”

Rita Gaspar

Manel tem hoje 20 anos. Mas é um dos fundadores da promissora editora Xita Records. É também por isso que, mesmo continuando a tocar, vai querer tocar menos nos próximos meses. O curso de Estudos Afrianos, esse, está congelado. “Havia uma necessidade de fazer canções e foi por isso que surgiu [a Xita Records]. Mas nós somos, em primeiro lugar, amigos. Eu, os Veenho, a Lucía [Vives], o Kerox – que tem outro projeto comigo: Migas –, o [João] Raposo… Não temos uma obrigatoriedade no trabalho; queremos fazer o que gostamos. E não abdicar da nossa independência – se abdicas, está a trair o teu trabalho e a música. Quero continuar a tocar como Primeira Dama. Mas acho que entre fevereiro e o verão vou fazer uma pausa. Quero trabalhar nos projetos dos outros. É isso que nós fazemos na Xita: eles trabalharam no meu, agora trabalharei eu no deles.”

Essa é uma razão para a “pausa” de Manel Lourenço: a Xita. Mas outra há: “As canções vão surgindo. Mas isto foi tudo demasiado rápido. Passei de estar a experimentar canções ao piano, sem responsabilidade nenhuma, para tocar num festival como o Mexefest. Isso é assustador. Às vezes é preciso parar um bocadinho para pensar. Assusta-me estar demasiado confortável — ou falsamente confortável — com o que faço.”

Ermo

António Costa, 25 anos, e Bernardo Barbosa, 24, não dispensam apresentações mas até poderiam. O segundo disco dos Ermo, “Lo​-​fi Moda”, editado no Verão passado, foi unanimemente considerado um dos melhores do ano pela crítica.

Mas pouco se alterou na vida e, sobretudo, no processo de criação de ambos desde que, em 2014, editaram o primeiro disco: “Vem Por Aqui”. “Conhecemo-nos em 2012. A história de Ermo confunde-se com a da nossa própria amizade. Tínhamos interesses comuns e começámos logo a fazer música. Lembro-me que quando conheci o Bernardo achei estranho haver outro gajo de 17 anos em Braga que tanto ouvia chillwave como a seguir podia estar a ouvir Erik Satie. Sempre tivemos uma relação fixe com a crítica. Mas a verdade é que continuamos a trabalhar no mesmo quarto onde trabalhámos no começo: dois ecrãs, dois ratos, cada um puxa para um lado e, a determinada altura, estamos a puxar para o mesmo”, explica António.

Mas o hiato, longo, entre o primeiro disco e o segundo alteraria um pouco a sonoridade dos Ermo.

"A ideia de usar as máscaras ao vivo serviu para marcar a diferença do disco anterior para este. O conceito do anonimato faz a separação entre a ‘humanidade’ do outro disco e a ‘frieza’ tecnológica existente neste”

Bernardo assume-o e explica porquê: “O tempo é importante. Serve para tratares a tua própria música. Acho que neste disco houve uma preocupação maior com o lado instrumental – foi aí que injetámos a maior evolução. Quisemos compor mais arranjos, quisemos que houvesse um trabalho mais delicado e, por conseguinte, menos expressivo nas letras. Foi por isso que mudámos a direção da música que fazíamos.” Mas ainda se identificam com o anterior “Vem Por Aqui”? “Sinceramente, acho que quando o lançámos já não nos identificávamos. Tentamos fazer esse parágrafo de disco para disco. Estamos sempre a pensar no próximo e no próximo. Agora esperámos mais tempo até lançar o ‘Lo-fi Moda’ porque sabíamos o que queríamos mas não tínhamos a capacidade musical para concretizar o que queríamos fazer.”

Ao vivo, António e Bernardo surgem agora com máscaras. No começo não as usavam. “A ideia de usar as máscaras ao vivo serviu para marcar a diferença do disco anterior para este. O conceito do anonimato faz a separação entre a ‘humanidade’ do outro disco e a ‘frieza’ tecnológica existente neste”, explica António.

Tomba Lobos

Mas apesar de uma menor “humanidade” e maior cuidado nos arranjos, a palavra (hoje António é mais “suave” quando canta) continua a ter um lugar na música dos Ermo. “Somos uma banda tecnológica. Estamos sempre no estúdio. Gravamos todos os dias e, depois, fazemos o ‘corte e costura’. Escrever, escrevemos ambos. Mas sempre gostámos de cantar sobre o coletivo, cantar algo que metesse toda a gente debaixo do mesmo chapéu. No entanto, e mesmo havendo letras mais abstratas, o prisma pessoal existe sempre. São canções coletivas… na primeira pessoa do singular”, garante Bernardo.

Nasceram e cresceram em Braga. Mas durante anos até se refugiavam mais a escutar música no quarto do que a conviver com outros músicos da cidade. Contudo, foi quando primeiro o fizeram que tudo mudaria. E assinaram pela Valentim de Carvalho. António Costa recorda: “A primeira coisa que editámos foi numa compilação de artistas bracarences que acontece década a década: ‘À Sombra de Deus’. E fomos acolhidos de braços abertos pela comunidade que faz música em Braga. Depois, acabámos por ser convidados para fazer o tema ‘Novoeiro’ com os Mão Morta num espetáculo de tributo ao José Mário Branco. Foi aí que conhecemos o Rui Portulez, da Valentim [de Carvalho]. Quando finalmente o primeiro disco estava terminado, enviámos ao Rui e assinámos. Estar numa editora maior abre-te logo portas, chegas a mais gente. Mas é possível estar na Valentim de Carvalho e continuar a ser independente. Nem tanto mudou, nem tanto mudou…”

Bilan

O rosto é ainda de rapaz. “Mas tenho 36 [anos], irmão”, atira logo Bilan. Nasceu e cresceu Elton, na ilha de São Vicente, em Cabo Verde. “Elton é um nome comum lá. E Bilan é uma alcunha de infância. Quando precisei de escolher um nome artístico para o meu projeto a solo, só eu e a guitarra, percebi que ‘Bilan’ seria o ideal por ser único. E simples, como a música que faço”, explica.

Na ilha, tudo era música. E na família de Bilan também. “Há aquela veia musical. Não podes fugir disso. Em qualquer esquina alguém tem uma guitarrinha. E toda a gente canta na rua. Depois, o meu tio [Nitu Lima] também é músico — tocou com a Herminia e escreveu para a Mayra [Andrade], por exemplo. O meu primo Jon [Luz] também é músico. Então, comecei a aprender guitarra ouvindo os outros tocar e fazendo igual.” Mas a primeira banda de Bilan até fugiria à sua raiz cabo-verdiana. “É verdade. Apanhei o grunge de Seattle todo na adolescência e na primeira [banda] tocava rock. Era baixista. E tinha posters do Kurt Cobain e dos Pearl Jam no quarto.”

"Não importa se foi uma coisa de massa; o que importa é que fiz as canções e as pessoas ouviram. Não me importava se depois fazia um concerto pequeno ou tocava no Festival Músicas do Mundo, em Sines – também toquei no Mali, por exemplo, e na Casa da Música. O que queria – e quero – é fazer música e canções para os outros.”

Trocaria a ilha de São Vicente pela cidade do Porto com 19 anos. Veio estudar Desporto no ISMAI. Mas a música levaria a melhor sobre o curso. “A música estava sempre a bater. A gente não se consegue livrar dessa ‘maldição’, não é? [Risos] Comecei a encontrar-me com músicos em jam sessions, a conviver e, como era baixista, convidavam-me para ensaiar. Ensaiei no Stop, por exemplo — e no Stop tu conheces quase todos os músicos do Porto. Toquei com muita gente enquanto lá estive: Citizen, Undergroud Spiritual Band, Semente. Mais tarde, em Lisboa, estive sempre a tocar com outros artistas: o Paulo Flores, o Armando Tite, o Celso Évora, também no projeto Cachupa Psicadélica. Muita gente, muita gente…”

Mas Bilan queria mais. Queria apresentar também o que aos poucos escreveu. O primeiro EP, “Ar, Água”, saiu em 2008. E a aceitação foi imediata. “Ainda toco canções desse disco. Acho que a aceitação foi boa. Não importa se foi uma coisa de massa; o que importa é que fiz as canções e as pessoas ouviram. Não me importava se depois fazia um concerto pequeno ou tocava no Festival Músicas do Mundo, em Sines – também toquei no Mali, por exemplo, e na Casa da Música. O que queria – e quero – é fazer música e canções para os outros.”

Emilia Wojciechowska

Em 2012 tinha um novo disco: “Ilha”. Mas ouve um volte-face e nunca saiu. “Não me desliguei da música. E continuei a fazer concertos. E a trabalhar noutros projetos. Mas desiludi-me. Finalizei o disco mas nunca se concretizou. Porquê? Não sei… Acho que há um pouco de medo de arriscar na música que faço.” E que música faz Bilan? “Desde logo, canto em crioulo de Cabo Verde. Porque consigo expressar-me melhor na minha própria língua. A essência do meu pensamento é o crioulo. Sinto mais a canção quando a canto em crioulo. E havia espaço para o fazer: a Mayra Andrade cantava em crioulo, a Sara Tavares também começou a cantar. E tudo porque a Cesária Évora nos abriu essa porta. Podias estar em Lisboa, no Porto, fosse onde fosse, e ouvias o ‘Sodade’ na rua e as pessoas, mesmo sem entenderem crioulo, cantavam.”

Bilan tem escrito canções para outros. O novo disco de Sara Tavares, “Fitxadu”, tem uma canção sua: “Para Sempre Amor”. Mas também ele, Bilan, tem um álbum fechado. “Optei por começar a fazer as minhas próprias edições. Andei à volta de agências, editoras, aspirava sempre a algo grandioso… mas se calhar o caminho certo é este. Tinha mesmo necessidade de fazer este disco. E é sobretudo um disco onde conto histórias. Um disco onde ponho a caneta em todas as realidades, do amor à intervenção – mas sem ser agressivo; é sempre poético. Sinto-me bem a refletir a parte bela como a menos bela.”

Mano a Mano

André Santos é o caçula. O irmão Bruno é uma década mais velho. E foi por causa da influência de Bruno que começou também ele a tocar guitarra. “Lembro-me que havia guitarras pela casa. E lembro-me de o ouvir a tocar. Então, comecei a tentar fazer o mesmo.”

Mas se Bruno foi a influência de André, quem influenciaria o primeiro? Primeiro até foi o grunge. E depois um professor, ainda na Madeira natal, que o aproximou do jazz para não mais o abandonar. “A minha primeira banda foi no tempo no liceu. Havia a ‘febre’ das bandas de garagem por causa dos Nirvana e daquelas bandas de Seattle. Mais tarde acabei por ter um professor de guitarra clássica que me apresentou Pat Metheny, por exemplo. E descobri no jazz um mundo viciante. Houve uma fase, sobretudo depois de ter ido estudar para o Hot Club, em que praticamente só ouvi jazz. Estava completamente obcecado.”

“No começo havia alguns 'standards', alguma música brasileira também, alguns originais nossos. E gravámos o primeiro disco. Mas não queríamos que aquilo fosso só um disco; queríamos que deixasse lastro… Não era só gravar, fazer 14, 15 concertos e arrumar o assunto.”

Bruno Santos, 42 anos, é hoje o diretor musical do septeto do Hot Club. E gravou vários discos de jazz, sozinho ou com outros músicos. A “obsessão” jazzistica chegaria a André. “Comecei por aprender com ele. Ainda pensei tirar Engenharia Informática mas desisti logo que terminaram as festas na universidade. [Risos] E acabei por estudar jazz no Hot Club também, depois fiz a licenciatura na Escola Superior de Música e o mestrado em Amesterdão. Ainda fiz parte das orquestras jazz do Hot [Club] e de Matosinhos. E gravei um disco [“Vitamina D”] há dois anos. Fora do jazz, fiz uma tournée mundial com a Teresa Salgueiro.”

Havia “quimíca” quando os dois irmãos tocavam juntos. Mas o que fazia era muitas vezes informal. Em dezembro de 2014, acompanhados por Luís Candeias, na bateria, e António Quintino, no baixo, surgiria pela primeira vez o projeto Mano a Mano, que formalizou a química. “Às vezes perguntam-nos se isto é jazz, se não é. A ideia era não ser. Na essência somos músicos de jazz, sim. Mas tínhamos muitas influências e tentámos explorá-los em Mano a Mano”, explica Bruno. E acrescenta: “No começo havia alguns standards, alguma música brasileira também, alguns originais nossos. E gravámos o primeiro disco. Mas não queríamos que aquilo fosso só um disco; queríamos que deixasse lastro… Não era só gravar, fazer 14, 15 concertos e arrumar o assunto.”

Paulo Segadães

O “lastro” chegaria em outubro quando lançaram o disco “Vol. 2″. “Passaram três anos. Mas entretanto criámos mais repertório. Há quatro originais neste disco — e no próximo vamos ter mais ainda. É curioso: o público até reage melhor aos originais do que às músicas que já conhece. Mas desta vez não tivemos nem bateria nem baixista. Agora temos duas guitarras, uma para cada lado. Em duo. Queríamos que o palco fosse uma sala de estar — o ambiente é esse — onde recebessemos o público.”

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