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MÁRIO CRUZ/LUSA

MÁRIO CRUZ/LUSA

Viagens, casas, decoração, amigas. Como Sócrates gastou milhões

Sócrates conseguiu juntar 24 milhões de euros em contas na Suíça, segundo o Ministério Público. E explica como parte deste dinheiro circulou e foi gasto em casas, viagens e ajudas a amigas.

Viagens, compras de casas em Lisboa, Sintra, Montemor-o-Novo e Paris, livros, obras de arte, ajudas a amigas. A acusação contra o ex-primeiro ministro, José Sócrates, está repleta de gastos de milhares de euros que saíram de contas da Suíça e terão chegado a José Sócrates através da conta do seu amigo e empresário, Carlos Santos Silva.

Segundo o despacho da acusação, o dinheiro foi chegando às contas na Suíça através do Grupo Espírito Santo, do Grupo Lena e da PT, em troca de alegados favorecimentos entre 2006 e 2009, era José Sócrates primeiro-ministro. Foram 24 milhões. José Sócrates terá visto ainda colocados à sua disposição, desde 2009, 11 milhões de euros, justificados com faturas de conveniência com origem na empresa XLM e pagas pelo Grupo LENA. Valores estes que terão sido pagos a Sócrates através do empresário Santos Silva — amigo de longa data de Sócrates, diz o despacho de acusação a que o Observador teve acesso.

Os movimentos do dinheiro acumulado na Suíça começaram em dezembro de 2010, graças ao RERTII (Regime Excepcional de Regularização Tributária), o que permitiu o repatriamento dos fundos da Suíça para uma conta do BES em nome do empresário Carlos Santos Silva. O Ministério Público (MP) concluiu que, tanto na Suíça, como em Portugal, através do BES, havia uma “conta património”, onde se acumulava o dinheiro, e uma “conta de passagem” onde eram colocados os valores a devolver a Sócrates. Estes valores terão sido entregues das mais diversas formas: em dinheiro vivo, através de várias pessoas que gravitavam em torno do ex-governante e pela compra de imóveis e de obras de arte.

As entregas em dinheiro a Sócrates ter-se-ão intensificado logo após ter deixado de ser primeiro-ministro, a 21 de junho de 2011, quando decidiu ir estudar para Paris. A única conta de que Sócrates é titular em Portugal, na CGD, até então recebia apenas o seu ordenado enquanto primeiro-ministro: 7394,48 euros. Mas as despesas que Sócrates manteve logo após deixar o cargo político estavam muito acima do saldo que apresentava. E quando não tinha ocupação profissional conhecida, entre junho de 2011 e setembro de 2014 — dois meses antes de ser detido — a sua conta suportou um milhão de euros em despesas.

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A vida em Paris

Quem olhar para os gastos de Sócrates mal chegou a Paris, não consegue perceber onde foi buscar o dinheiro. Ao longo do processo Sócrates teve sempre uma explicação: pediu um empréstimo à CGD de 120 mil euros. Mas o MP fez as contas e concluiu que este dinheiro acabou em quatro meses. “Sócrates perdia frequentemente a noção do que gastava e desconhecia sistematicamente o saldo existente na sua conta bancária, chegando a utilizar cartões de débito e de crédito sem que existisse plafond para esse efeito”, vendo o pagamento ser vedado, lê-se na acusação.

“Sócrates perdia frequentemente a noção do que gastava e desconhecia sistematicamente o saldo existente na sua conta bancária, chegando a utilizar cartões de débito e de crédito sem que existisse plafond para esse efeito”, vendo o pagamento ser vedado, lê-se na acusação.

Logo após o seu último ordenado como primeiro-ministro, e depois de ter contraído o empréstimo, em agosto de 2011, Sócrates adquiriu um Mercedes pelo qual pagava 1586 euros por mês, acrescidos de 101,22 euros à Multirent. Nesse mês contratou um motorista, João Perna (também arguido no processo), para lhe tratar da correspondência e do pagamento de despesas várias enquanto estava em Paris. Também conduzia a mãe de Sócrates sempre que ela precisasse.

Em Paris, começou por dividir casa com a prima, Maria Filomena Pinto de Sousa, na Avenue Colonel Bonnet. Era ele quem pagava a renda, embora a prima lhe pagasse metade. Sempre que vinha a Portugal, e vinha várias vezes, viajava em classe executiva. Parte do dinheiro que obteve por via de um empréstimo (35 mil euros) transferiu para a conta da CGD em Paris. Precisava de pagar algumas despesas para começar a viver na capital francesa. O rastreio feito às suas contas mostra que, com o cartão de crédito, assim que ali chegou, gastou 9690,3 euros em artigos para casa, duas semanas depois gastou 2300 euros em livros e 3271 euros na Alliance Française.

“Sócrates sabia que não precisaria de suportar os custos financeiros daquele financiamento durante muito tempo e estava consciente, igualmente, de que não podia expor-se a receber em conta bancária da sua titularidade quantias monetárias não justificadas, designadamente quantias com origem direta na esfera patrimonial do arguido Carlos Santos Silva”, diz a acusação.

“Sócrates sabia que não precisaria de suportar os custos financeiros daquele financiamento durante muito tempo e estava consciente, igualmente, de que não podia expor-se a receber em conta bancária da sua titularidade quantias monetárias não justificadas, designadamente quantias com origem direta na esfera patrimonial do arguido Carlos Santos Silva”, diz a acusação.

Aos gastos somava as constantes viagens a Portugal, sempre em executiva, os valores que pagava aos dois filhos e à ex-mulher Sofia Fava. As visitas a Portugal não serviam apenas para ver a família. Também serviriam para receber dinheiro. Segundo a acusação, esta era uma das formas de alegadamente Sócrates receber dinheiro vivo de Santos Silva. Entre 8 de julho e 31 de dezembro de 2011, o empresário terá disponibilizado ao amigo 62 500 euros.

Depois de alguns meses a viver numa casa arrendada em Paris, Sócrates decidiu comprar uma casa. O negócio foi combinado com Santos Silva, que transferiu da conta da suíça 3,5 milhões de euros para a “conta património” do BES. Daqui, o dinheiro terá passado para a “conta de passagem”, de onde saíram 2,86 milhões de euros para pagar o apartamento. Sócrates escolheu uma casa no número 15 da Avenue di Président Wilson, ao lado do Museu de Arte Moderna de Paris. Um apartamento de 232,24 m2 e duas caves. Sócrates gastou 73.600 euros na decoração do apartamento e já tinha pagado 30 mil euros ao anterior proprietário para ficar com algum do mobiliário.

Em abril de 2013, Sócrates decidiu fazer obras na casa e as escutas feitas pelos investigadores mostram como era ele que aprovava e decidia o que fazer. Uma remodelação profunda que começou em julho de 2013 e que em dezembro não estava concluída. A obra ficou a cargo de um arquiteto francês para quem Santos Silva transferiu 480 mil euros. Enquanto decorriam as obras, Sócrates arrendou um apartamento para ele e para os filhos — que também se encontravam a viver em Paris. O apartamento custava-lhe 455,60 euros, por cada noite. “Nesse período, a única pessoa que não tinha as chaves do apartamento de Paris, enquanto decorriam as obras, era o arguido Carlos Santos Silva”, concluiu o MP para demonstrar que a casa era, afinal, de José Sócrates.

Aliás, para reforçar a convicção do MP, os investigadores concluíram que, em janeiro de 2014 — depois de o Correio da Manhã avançar com uma notícia sobre a casa de Paris –, as conversas entre Sócrates e o amigo empresário começaram a ser cada vez mais cuidadosas. Sócrates acabou por pedir mais um empréstimo de 50 mil euros. E, a partir daqui, começou a perder o interesse na casa, celebrou um contrato de arrendamento com Santos Silva, mas acabou por colocar o imóvel à venda. Na altura, deu ordens a Santos Silva para procurar uma outra casa em Londres, diz a acusação.

Os esquemas com as casas

Uma das formas que Sócrates e o amigo, segundo o Ministério Público, encontraram para transferir dinheiro foi através da venda das casas da mãe do ex-primeiro ministro. A ideia, mais tarde, seria constituir um fundo imobiliário onde seriam colocados todos os imóveis provisoriamente em nome de Santos Silva. Um dia passariam para o nome de Sócrates, avança a acusação.

Durante o ano de 2010, e com a ajuda do advogado Gonçalo Ferreira, Santos Silva celebrou dois contratos-promessa de compra e venda de dois apartamentos no Cacém, Sintra, de Maria Adelaide Monteiro, mãe de José Sócrates. Durante esse ano, foram sendo feitas várias adendas aos contratos para que Santos Silva fizesse o pagamento de valores vários, como forma de sinalizar a compra. Assim, diz a acusação, Sócrates ia recebendo dinheiro. Só no final desse ano a compra das duas casas estava finalizada. Estes valores eram pagos a Maria Adelaide e, depois, transferidos, para a conta de Sócrates. As casas foram vendidas por 175 mil euros. Daqui, 75 mil terão ido parar às mãos de Sócrates.

No ano seguinte, Santos Silva e Sócrates acordaram comprar uma casa para Sofia Fava, em Montemor-o-Novo. O “Monte das Margaridas” foi comprado por 760 mil euros, com um empréstimo em nome de Sofia Fava, cujo penhor foi dado por Santos Silva. Todos os meses este empresário pagava um ordenado à ex-mulher e mãe dos filhos de Sócrates. Em 2012, foi o apartamento na Rua Braancamp, em Lisboa, que Santos Silva comprou por 600 mil euros também à mãe de Sócrates. Dinheiro que saiu da conta do BES. Sócrates recebeu alegadamente desta compra 520 mil euros, pagos em várias tranches na sua conta da CGD.

“O arguido usou o dinheiro sabendo que, na realidade, o mesmo provinha dos fundos transferidos da Suíça e que eram sua pertença, tendo empregue a referida quantia, ao longo de 2012 para o pagamento de despesas e encargos da sua responsabilidade, em Paris e em Lisboa, e para realizar amortizações extraordinárias dos empréstimos obtidos”, lê-se na acusação.

“O arguido usou o dinheiro sabendo que, na realidade, o mesmo provinha dos fundos transferidos da Suíça e que eram sua pertença, tendo empregue a referida quantia, ao longo de 2012 para o pagamento de despesas e encargos da sua responsabilidade, em Paris e em Lisboa, e para realizar amortizações extraordinárias dos empréstimos obtidos”, lê-se na acusação.

Durante o ano de 2012, e ao contrário do que tinha acontecido em anos anteriores, Sócrates não tocou na conta da CGD em Portugal. Ainda assim, nas contas do Ministério Público, gastou mais de meio milhão de euros (544.8 milhões) — o que significa uma média de 45 400 euros por mês.

As amigas e a proibição de falar de dinheiro ao telefone

Nas escutas feitas pelas autoridades, era raro ouvir-se a palavra “dinheiro”. Sócrates pedia “fotocópias”, “folhas”, dossier”, “livros”. E todas as pessoas que lhe ligavam a pedir dinheiro conheciam a regra. Fosse a mãe, a ex-mulher ou a amiga Sandra Santos.

O MP identificou várias pessoas usadas nas alegadas entregas de dinheiro vivo nas mãos de Sócrates, depois de o banco ter começado a travar Santos Silva de levantar cheques em nome próprio ao balcão. Além do motorista João Perna, que chegou a ter 15 mil euros de Santos Silva na conta, e a mulher de Santos Silva, Inês do Rosário (ambos acusados no processo), o MP fala na mãe de Sócrates, na secretária pessoal Maria João e até há registo de uma entrega em dinheiro feita por André Figueiredo, homem de confiança de Sócrates nos tempos do PS.

Depois, as amigas. Entre elas Célia Tavares, que chegou a ir várias vezes a Paris visitar Sócrates, alegadamente entregando-lhe envelopes com dinheiro. Célia recebia de Sócrates 400 euros por mês, isto porque terá dito que deixara de estudar por falta de poder económico. Célia chegou a ir com Sócrates a Madrid e a Málaga. Sandra Santos, outra amiga de longa data de Sócrates, estava emigrada na Suíça com um filho, manteve vários encontros com o ex-primeiro-ministro nos últimos anos. Na sua conta recebeu cerca de 40 mil euros entre 2008 e 2012.

Sócrates ajudava ainda a ex-mulher Sofia Fava, o companheiro, os filhos e a mãe. As autoridades sustentam-se em várias conversas telefónicas para o comprovar.

Santos Silva também recorreu a outra pessoa de confiança, Rui Mão de Ferro — que chegou a abrir uma empresa com domicílio na própria casa para justificar os negócios com o empresário. Até pôs as suas contas à disposição para receber dinheiro, diz o MP. Foi ele quem tratou da aquisição em massa dos livros “A confiança do mundo – Sobre a tortura em democracia”. Terá simulado a venda de 6 779 livros, pagos por Santos Silva. Foram 113.981,60 euros.

Na acusação constam ainda as obras de arte que Sócrates adquiriu. Foram 197 mil euros na aquisição de quadros. Pagamento em que, mais uma vez, interveio Santos Silva. No capítulo referente às viagens, mais milhares de euros. Nas deslocações que fez nos últimos anos, passou pela Suíça, com os filhos, Algarve, e Menorca. Na passagem de ano de 2008 para 2009, Sócrates esteve em Itália com a então namorada Fernanda Câncio, Santos Silva e a mulher. Foram 33 230 euros de gastos. Também com Fernanda Câncio e o casal amigo estiveram em Creta, Grécia e em Formentera, Espanha. No total, refere a acusação, entre 2008 e 2014 foram 373.292,82 euros em viagens — dinheiro que veio das contas de Santos Silva e da mulher dele.

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