788kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Viver sem redes sociais: "Mas de que planeta és tu?"

Na era da tecnologia, ainda há muitas pessoas que não estão (nem querem estar) nas redes sociais. Fomos falar com elas para assinalar o Dia Mundial das Redes Sociais, que se celebra esta sexta-feira.

“Como é que é possível não teres Facebook?”; “Mas em que planeta é que vives?”. Estas são apenas algumas das reações que Ricardo Oliveira, de 33 anos, já ouviu quando diz às pessoas que não está na rede social mais usada no mundo. Aliás, que não está presente em nenhuma rede social. Nada que o incomode. “As pessoas acham graça, mas parece que eu é que estou mal”, conta o comercial, entre risos, ao Observador.

Um espanto que, analisando os dados, não é propriamente justificado. Pelos números do site Statista, que fez um cálculo de utilizadores de redes sociais a nível mundial, menos de um terço da população as usa. Em 2016 contavam-se 2,34 mil milhões utilizadores ativos — estima-se que no mundo haja 7,5 mil milhões de pessoas. Em 2017, prevê-se que sejam cerca de 2,51 mil milhões e, em 2020, deverá chegar aos 2,95 mil milhões de utilizadores.

“Em Portugal temos seis milhões de utilizadores de Internet. Sejamos realistas, são seis em dez milhões, o que quer dizer que temos quatro milhões de pessoas que não usam a internet, logo nunca vão poder usar redes sociais. Mas estas pessoas que não usam redes sociais são uma minoria dentro das pessoas que usam Internet”, explica Gustavo Cardoso, sociólogo e professor catedrático no ISCTE-IUL.

Não podemos, por isso, deixar de perguntar: quando todos parecem não conseguir viver sem tecnologia, e em particular sem em redes sociais, o que leva estas pessoas a não se interessarem por elas? A exposição em excesso e voyeurismo desnecessário são as razões mais apontadas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“O Facebook serve só para saber da vida uns dos outros e para expor as suas vidas”, afirma Vera Oliveira, mulher de Ricardo, que também não está nas redes sociais.

Ainda assim, Ricardo aponta uma vantagem: saber as datas de aniversário. Algo que a mulher, por sua vez, não vê como uma mais valia. “As pessoas dão os parabéns umas às outras, por vezes a pessoas com quem se cruzam na rua e nem sequer falam. Eu prefiro saber as datas de aniversário daqueles de quem realmente gosto.”

A decisão de não estarem em redes sociais não foi uma opção de casal, garante Vera, simplesmente “nunca sentiram necessidade”. Nem a pressão dos amigos os fez ceder. “As minhas amigas já me disseram: ‘Nós criamos-te uma conta para conversares connosco, nem precisas de pôr uma fotografia’, mas não me cativa. A minha vida já me chega”.

Enquanto Ricardo assume não ser “grande conhecedor das redes sociais” e talvez por isso não ter “nenhuma explicação plausível” para não as utilizar, Vera sabe bem apontar aquilo que não lhe agrada. “Apercebo-me pelas conversas das minhas amigas, que sabem que fulana tal foi de férias ou foi ao médico ou está grávida. São coisas fúteis. Eu estou grávida e ninguém tem nada a ver com isso.”

Gustavo Cardoso realça precisamente “a preocupação com a privacidade e o controlo” como motivos para as pessoas não usarem redes sociais. “Os mais novos têm mais consciência sobre os problemas de privacidade, enquanto os mais velhos têm memória de um passado não tão distante do pré-25 de abril, em que as comunicações eram monitorizadas”. Independentemente da idade, a maioria das pessoas que vive fora das redes tem um grau de escolaridade “acima do nono ano ou do ensino superior”.

Isto para não falar da questão da “pegada digital”, ou seja, “esteja ou não esteja alguém atento”, tudo aquilo que é publicado “não se apaga”, fica uma “memória” daquilo que foi feito.

Facebook e Instagram são as redes sociais mais utilizadas em Portugal

Mostrar Esconder

Segundo o investigador Gustavo Cardoso, as redes socais mais utilizadas em Portugal são o Facebook e o Instagram.

Os mais velhos recorrem mais ao Facebook, rede social criada em 2004 e que ainda esta semana chegou aos dois mil milhões de utilizadores mensais, enquanto os mais novos tendem a não utilizar tanto a rede social fundada por Mark Zuckerberg, mas mais o Instagram.

Ser ativo nas redes sociais implica algum esforço relativamente à imagem que se quer passar, explica o investigador. “Se eu quero estar no Facebook, qual é o papel que eu quero que as pessoas reconheçam? A pessoa que eu sou em casa? No trabalho? Com os amigos? Isto é algo que implica esforço e competência. Há um preço a pagar pela exposição. Muitas vezes aparecem histórias complicadas de figuras [que se expuseram demais] e as pessoas questionam-se: será que vale a pena passar por isto?”

Foi precisamente esta questão da exposição que também levou Glória Henriques, de 45 anos, a não estar atualmente redes sociais. Ainda assim, chegou a ter hi5. “Eu tive conta no hi5, mas não vejo grande necessidade de ter redes sociais. É expor demasiado a minha vida. Quem me deve conhecer, conhece-me de outra forma”, acrescenta.

Para Fausto (nome fictício), ter tido um perfil no hi5 nem sequer conta. “Não posso sentir falta de uma coisa que nunca tive. Eu tive hi5, mas não sabia bem o que estava a fazer. No fundo, foi a excitação juvenil de mostrar coisas às pessoas, mas foi algo que fui perdendo com o tempo. Acho que a privacidade de cada um é uma coisa que se expõe demasiado”, explica Fausto.

"Eu tive hi5, mas não sabia bem o que estava a fazer. No fundo, foi a excitação juvenil de mostrar coisas às pessoas, mas foi algo que fui perdendo com o tempo"
Fausto (nome fictício), 25 anos, jornalista

A verdade é que, quando Fausto tinha conta no hi5, a popularidade e a importância das redes sociais era totalmente diferente, pelo que se torna difícil comparar as duas realidades.

“Atrás de um computador somos todos heróis”

Ao contrário daqueles que utilizam redes sociais, e que apontam a facilidade em comunicar e manter-se em contacto com os amigos como uma das suas grandes vantagens, quem nunca comunicou dessa forma não concebe sequer que isso seja essencial.

“Eu prezo mais as relações a nível pessoal do que estar atrás de um computador a falar com as pessoas. Quando telefono, pelo tom de voz percebo logo se a pessoa está triste ou contente. É totalmente diferente”, conta Vera Oliveira.

Glória Henriques explica que, quando precisa de falar com pessoas que estão mais longe, recorre ao Whatsapp — por alguns considerada também uma rede social — e não esconde a irritação que sente quando vê os dois filhos, um com 22 anos outro com 14, constantemente agarrados ao telemóvel a ver o que se passa nas redes sociais. “Eles praticamente não falam ao telefone. Só põem likes nas fotografias dos amigos, mandam mensagens ou falam através do Facebook. Deviam falar mais ao telefone ou estar pessoalmente com as pessoas do que estar de volta do telemóvel. É demais essa dependência”.

Ainda assim, os filhos de Glória não insistem para que a mãe tenha Facebook ou Instagram. Já Celeste Agostinho não pode dizer o mesmo. O seu filho mais velho, de 28 anos, tem insistido bastante para a mãe ter uma conta no Facebook. Mas nem o facto de o filho ter encontrado um amiga de infância da mãe, que Celeste já não via há mais de 30 anos, através do Facebook, a fez mudar de ideias.

“Eu vivi na Alemanha e depois vim-me embora. Essa amiga escreveu-me muitas cartas, mas eu sou preguiçosa a escrever e, como nunca respondi, ela acabou por desistir. Encontrámo-nos pessoalmente, foi muito giro. De resto, não senti necessidade de procurar mais ninguém”, conta a enfermeira de 58 anos.

"Quando telefono pelo tom de voz percebo logo se a pessoa está triste ou contente. É totalmente diferente"
Vera Oliveira, 33 anos, empregada de escritório

Gustavo Cardoso adianta que as pessoas utilizam as redes sociais, e em particular o Facebook, para se relacionarem com os amigos ou para promover ideias, mas sublinha que há quem simplesmente não sinta necessidade de recorrer a uma rede social para “gerir a sua rede de amigos”.

“O Facebook permite manter relacionamentos com pessoas que não incluiríamos na nossa rede de amizades. No caso de se tratar de alguém com uma rede de relacionamentos mais pequena, o Facebook pode não ser uma vantagem assim tão grande”, afirma o professor universitário.

É precisamente isso que Vera realça. “As pessoas de quem realmente gosto estou com elas pessoalmente.”

Mas isto não quer dizer que as pessoas que não usam redes sociais tenham relacionamentos mais próximos ou mais verdadeiros do que aqueles que têm presenças online. Para o investigador, as redes sociais “não trouxeram nada de novo” nos relacionamentos. As pessoas continuam a ter um círculo restrito de amizade — familiares, amigos próximos, etc — e “relacionamentos mais fracos”, ou seja, pessoas com quem não se está com tanta frequência.

“O que as redes sociais fazem é potenciar o número de pessoas com as quais mantemos relações fracas e aprofunda as relações fortes, porque as pessoas acabam por saber mais sobre nós.”

E aqui pode usar-se o exemplo dos aniversários referido pelo casal Oliveira. É que apesar de o Facebook alertar para os aniversários, não obriga os seus utilizadores a fazer o que quer que seja. Apenas incentiva, até porque a rede social vive da interação dos seus utilizadores. “Existe sempre o livre arbítrio”, diz o investigador.

Aliás, a ideia de que a internet compromete os relacionamentos offline “é um mito”. “Vários estudos demonstraram que as pessoas que usam internet são mais sociáveis, dão-se com mais pessoas, com mais intensidade e mais vezes.” Pessoas que usam redes sociais acabam por fazer tudo aquilo que as que não têm fazem, isto é, conviver face a face, falar ao telefone e, para além disso, comunicar através das redes sociais.

“Mesmo as pessoas que não usam redes sociais também são influenciadas por elas, porque demarcam-se daquilo que é uma forma de estar dos outros”, acrescenta.

"O que as redes sociais fazem é potenciar o número de pessoas com as quais mantemos relações fracas e aprofunda as relações fortes, porque as pessoas acabam por saber mais sobre nós."
Gustavo Cardoso, sociólogo e professor catedrático no ISCTE-IUL

A excessiva exposição de ideias é outro dos aspetos negativos que Fausto realça das redes sociais. “Acho que existe um exagero, não só na exposição de privacidade, como também na exposição de pensamentos, e muitas vezes as pessoas não percebem as leituras que outros podem fazer.”

Para o jornalista de 25 anos, as pessoas acham que nas redes sociais podem expor tudo o que pensam, por vezes veiculando um “ódio gratuito” relativamente a temas que, muitas vezes, nem sequer conhecem.

“Atrás do computador somos todos heróis. As pessoas são opinion makers de tudo. Eu não vou comentar o incêndio em Pedrógão Grande ou dizer que a ministra se devia demitir quando não percebo nada de incêndios. E há exemplos menos graves do que este: quando do nada se gera uma polémica quando, no fundo, não há polémica nenhuma. São as pessoas que a criam.”

Notícias: é fácil cair na rede?

A relação das notícias e das redes sociais é uma questão que não pode ser ignorada. Um relatório do Reuters Institute e da Universidade de Oxford demonstra que as redes sociais são cada vez mais utilizadas para se aceder a notícias. Mais um vez, o Facebook está no topo da lista.

Gustavo Cardoso explica, contudo, que o facto de se verem notícias através do Facebook é meramente um plus. “As pessoas não foram para o Facebook em busca de notícias. O Facebook serve para gerir relações, seja para tirar ideias, para dizer o que se está a fazer, seja para manter a proximidade. Depois vem tudo o resto, as notícias são apenas um exemplo.”

"As pessoas não foram para o Facebook em busca de notícias. O Facebook serve para gerir relações. Depois vem tudo o resto"
Gustavo Cardoso, sociólogo e professor catedrático no ISCTE-IUL

Aqueles que usam redes sociais sublinham precisamente isso. “Eu gosto muito de notícias, mas vejo-as na televisão ou ouço-as na rádio a caminho do trabalho”, conta Celeste Agostinho. “Consigo estar atualizada em relação às notícias como qualquer outra pessoa. Vou ao SAPO Notícias ou aos sites [de órgãos de comunicação]”, refere Vera Oliveira.

Fausto mostra-se muito crítico desta relação redes sociais/notícias. “As pessoas estão a ser preguiçosas e não vão aos sites de notícias ver o que lhes interessa. Estão à espera que as coisas lhes caiam no colo. É a queda total do que é o jornalismo”, defende.

O jornalista realça a importância de “ir diretamente à fonte” para se ficar a par do que se está a passar no país e no mundo. “Perceber a guerra na Síria através de notícias no mural do Facebook não é assim tão interessante”, acrescenta.

Mas esta realidade pode estar a mudar. O relatório da Reuters e da Universidade de Oxford mostra que, em alguns países, nomeadamente em Portugal, o número de pessoas que recorre às redes sociais para ver notícias tem vindo a decair.

Marktest: 21% abandonou uma rede social em 2015

Mostrar Esconder

Um estudo do Grupo Marktest, intitulado Os Portugueses e as Redes Sociais 2016, revela que 21% dos utilizadores de redes sociais deixou de ter conta numa rede social em 2015, mas 25% diz ter dedicado mais tempo às redes sociais no último ano.

Este relatório confirma ainda que o Facebook é a rede social mais popular entre os portugueses — 94% dos utilizadores de redes sociais têm conta no Facebook.

 

A verdade é que as redes sociais e o seu uso são uma realidade em constante mudança. “Lá por uma pessoa estar hoje a usar redes sociais, não quer dizer que amanhã não deixe de usar”, explica Gustavo Cardoso. E vice-versa.

Ricardo não descarta essa hipótese. E a mulher, Vera, também não. “A única coisa que me faz pensar [em ter uma conta de Facebook] é, daqui a uns anos, se a minha filha quiser ter uma. Se calhar nessa altura pensarei: ‘Se eu tivesse Facebook conseguiria ver o que está a fazer’. Mas também tem de haver confiança e até lá tenho tempo, ela ainda só tem três anos.”

Ilustração de Maria Gralheiro

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora