A zona euro é um “conceito frágil”, disse há poucas semanas Warren Buffett, famoso investidor norte-americano e terceiro homem mais rico do mundo. O homem conhecido como o Oráculo de Omaha garantiu, contudo, que a principal ameaça para esse “conceito frágil” não é, como muitos têm alertado, a saída de um membro como a Grécia mas, sim, a permanência de um membro que desafia as regras e os acordos assinados e que está em conflito com os parceiros da união monetária sobre o tipo de reformas de que o país precisa daqui para a frente. A zona euro deve mostrar que “não está a brincar“, disse Buffett. Estão a polarizar-se as opiniões entre quem acha que, tanto no plano económico como no plano político, a zona euro sobreviveria à Grexit – há, até, quem acredite, como Buffett mas não só, que sairia reforçada – e aqueles que receiam que “seria o início do fim” na união monetária e, possivelmente, de todo o projeto europeu.

“Todos nós, na Europa, concordamos provavelmente que a Grexit seria uma catástrofe. Não só para a economia grega, mas também para a zona euro como um todo”, afirmou a 13 de março Pierre Moscovici, Comissário Europeu para os Assuntos Económicos e Monetários. “Se um país abandonar a união monetária, os mercados vão imediatamente perguntar a si próprios qual será o próximo, e isso pode ser o início do fim”, afirmou o francês em entrevista à revista alemã Der Spiegel. A mesma revista onde surgiu, uma semana antes das eleições gregas que colocaram o Syriza e o partido de extrema-direita Gregos Independentes no poder, um texto que citava “fontes próximas de Angela Merkel” que diziam que a Alemanha estava disponível para deixar a Grécia sair caso o Syriza vencesse.

A questão sobre as consequências, económicas mas também políticas, de uma saída da Grécia da zona euro tem sido fulcral para a negociação dos últimos meses. Porque se temos, de um lado, um ministro das Finanças grego a perguntar “Se a Grécia sair, quem irá a seguir? Portugal?”, vários outros ministros das Finanças, com o alemão Wolfgang Schäuble à cabeça, garantem que a zona euro está mais preparada do que antes para um cenário dessa natureza. É fácil compreender a importância negocial deste debate, que se intensificou nos últimos dias à medida que se arrastam as negociações, aparentemente sem fumo branco à vista, entre a Grécia e os credores. E à medida que se tornam cada vez mais exíguas as reservas financeiras da Grécia, criando um risco de incumprimento nas próximas semanas.

European Union foreign policy chief Federica Mogherini speaks during an interview at the European Parliament in Strasbourg, eastern France, on February 11, 2015.  AFP PHOTO / FREDERICK FLORIN        (Photo credit should read FREDERICK FLORIN/AFP/Getty Images)

“Se um país cai, todo o sistema cai”, avisou Federica Mogherini. A Europa deve “demonstrar alguma flexibilidade não só em nome da solidariedade mas, sobretudo, para bem do interesse comum”. (FREDERICK FLORIN/AFP/Getty Images)

Quem vê o risco de uma saída da Grécia do euro com maior dramatismo é a italiana Federica Mogherini, que garantiu que “se um país cai, todo o sistema cai”. A responsável pela política externa da União Europeia aconselhou as autoridades europeias a “demonstrarem alguma flexibilidade não só em nome da solidariedade mas, sobretudo, para bem do interesse comum”. Outro responsável por política externa, mas da Alemanha, o ministro Frank-Walter Steinmeier, alertou para os perigos de entrar numa discussão “frívola” sobre a saída da Grécia do euro. Isto porque “seria algo que prejudicaria a narrativa de uma Europa integrada“.

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Palavras fortes que levam o Citi a defender que “estes comentários têm um grande significado”, afirma Guillaume Menuet, economista do Citi em Londres, que acredita que é cada vez maior o receio nos corredores de Bruxelas e nas capitais europeias sobre o que implicaria, realmente, uma Grexit. As declarações “confirmam que há uma maior atenção aos riscos de que possa haver um erro de cálculo” quanto às consequências de uma saída da Grécia da zona euro, diz o economista do Citi, que salienta, também, que “o aspeto geopolítico começa a ser uma variável importante nesta equação”, não só para a zona euro mas, sobretudo, para a União Europeia.

Em conversa com o Observador, António Costa Pinto, politólogo e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS), diz que “uma saída da Grécia da zona euro iria acentuar a clivagem” entre os países do centro da zona euro e a periferia. E obrigaria, provavelmente, diz o politólogo, a “alterações na forma de governo da União Europeia, sob pena de ter um sistema político que, depois de uma saída da zona euro, estaria em implosão e isto no contexto de uma União Europeia que toma as principais decisões em regime de unanimidade”.

“Uma saída da Grécia da zona euro iria acentuar a clivagem” entre os países do centro da zona euro e a periferia, diz António Costa Pinto. (FOTO: Global Imagens)

António Costa Pinto salienta, contudo que, apesar de ser impossível antecipar o resultado deste impasse, “o governo grego não tem mandato para tirar a Grécia, de forma democrática, da zona euro”. Apesar de a maioria dos gregos apoiar a estratégia negocial que tem sido seguida pelo governo de Alexis Tsipras, a mesma maioria diz que quer permanecer na zona euro, uma “dissonância cognitiva” constatada pelo economista grego Manos Matsaganis, em entrevista recente ao Observador.

O que significa a Grexit para a economia da zona euro? E para o conceito político?

O risco de Grexit é hoje maior, reconheceu quarta-feira José Manuel Durão Barroso. O ex-presidente da Comissão Europeia defendeu, contudo, que o risco de contágio para os outros países europeus é muito menor”. No plano económico, pelo menos, parece ser um ponto praticamente consensual que uma saída da Grécia não seria um acontecimento traumático para o conjunto da zona euro. Holger Schmieding, economista-chefe do Berenberg Bank, em Londres, diz ao Observador que “o euro não irá partir-se aos bocados mesmo que a Grécia saia. Graças ao BCE, aos fundos de apoio do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) e aos progressos nas reformas dos países da periferia, a zona euro é perfeitamente capaz de limitar o risco de contágio associado a uma saída da Grécia”.

Mas António Costa Pinto salienta que “a saída da zona euro até pode ser economicamente pouco relevante. Mas é aí que a Economia se distingue da Finança”, diz o politólogo António Costa Pinto. É verdade que as notícias sobre o risco da saída da zona euro por parte da Grécia não tem tido um impacto visível na perceção de risco sobre os outros países – os juros de Portugal estão em mínimos históricos –, “mas também é verdade que a Grécia ainda não saiu”, diz António Costa Pinto. O politólogo receia que os efeitos de uma saída da Grécia possam estar a ser subestimados nos mercados. O que faz sentido tendo em conta que a maior parte dos bancos de investimento, como o JPMorgan, continuam a ver como cenário mais provável um acordo – “nem que seja à última hora” – para resolver os problemas imediatos da Grécia.

Portugal estará mesmo imune ao risco grego?

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O preço dos contratos derivados que protegem contra o incumprimento de Portugal (os “credit default swaps”) está em valores bem mais baixos do que no pico da crise. Mas têm subido nos últimos dias, à medida que o risco de “default” na Grécia subiu. Fonte: Bloomberg

Os indicadores de mercado como as taxas de juro ou o preço dos credit default swaps sugerem que os investidores continuam a acreditar que não haverá contágio se a Grécia sair. Algo a que não será indiferente a atuação recente do Banco Central Europeu (BCE), a injetar liquidez no sistema financeiro e a suportar o preço dos ativos. Mas, como salienta António Costa Pinto, uma coisa é um risco de saída da Grécia da zona euro, outra coisa é uma saída da Grécia da zona euro. Neste contexto, alguns analistas apontam para gráficos como o que reproduzimos acima, o do custo de salvaguardar o incumprimento na dívida de Portugal, e dizem que nos últimos dias começa a notar-se alguma subida do risco. Ou seja, alguns investidores estão a preferir afastar-se, nesta fase, dos países vistos como mais vulneráveis. O economista-chefe do Commerzbank, Jörg Krämer, garante, todavia, ao Observador, que “uma fuga generalizada em Espanha, Portugal e Itália é muito improvável, já que toda a gente compreende que a Grécia é um caso especial – tanto económica como politicamente”.

Mesmo assumindo que, do ponto de vista económico, a zona euro poderia subsistir, quais seriam as consequências no plano político? Neste particular, as opiniões estão ainda mais divididas. Uma das figuras que se manifestaram profundamente preocupadas nas últimas semanas foi Anders Borg, o antigo ministro das Finanças da Suécia. Num texto para o Project Syndicate a não perder, intitulado “Why Europe Needs to Save Greece“, Anders Borg reconhece que “pode argumentar-se que os gregos não conquistaram o direito a serem salvos”, mas “uma saída da Grécia da zona euro não é a melhor opção nem para a Grécia nem para o resto da União Europeia”.

“Por muito má que seja a cultura económica e política na Grécia, as consequências de uma saída do país do euro são simplesmente demasiado gravosas para sequer admitir esse cenário”, diz Anders Borg, que foi membro de um dos governos mais exigentes para com a Grécia nos últimos anos. Apesar dessa exigência, “tal resultado [a saída da Grécia da zona euro] seria sempre o resultado de uma decisão política, e os valores europeus em causa contrabalançam quaisquer considerações de natureza económica que se possam fazer”, atira Anders Borg.

Sweden's Finance Minister Anders Borg speaks to media on April 13, 2011 during a news conference in Stockholm. Sweden's centre-right government painted a rosy picture of the country's economy Wednesday, saying tax cuts were likely and predicting strong growth, low unemployment and a budget surplus this year. AFP PHOTO / SCANPIX / PNTUS LUNDAHL (Photo credit should read PONTUS LUNDAHL/AFP/Getty Images)

“Por muito má que seja a cultura económica e política na Grécia, as consequências de uma saída do país do euro são simplesmente demasiado gravosas para sequer admitir esse cenário”, diz o sueco Anders Borg. (PONTUS LUNDAHL/AFP/Getty Images)

Ao contrário do que Pierre Moscovici afirmou, nem todos concordam, contudo, com esta opinião. Há quem ache que a zona euro não só sobreviveria como sairia mais forte se existisse aquilo que António Costa Pinto chama de “efeito vacina”. É “possível”, como diz Warren Buffett, “que a instituição da zona euro saísse reforçada caso a Grécia não cumprisse e saísse”. “Mas não bastaria” a Grécia sair para a zona euro se tornar mais forte, mais previsível e mais atrativa para o investimento externo, garante António Costa Pinto. O politólogo diz que isso teria de ser acompanhado de uma “revisão institucional da zona euro, nomeadamente uma refundação do papel do banco central”.

Num editorial recente, o The Wall Street Journal defendeu que a Grécia deve sair do euro. Seria algo que “não seria um cenário que devesse ser celebrado por ninguém, porque seria algo desastroso para os gregos. Mas se Atenas não quiser aplicar as reformas que façam a Grécia regressar ao crescimento e a finanças públicas sustentáveis, deixar o país sair seria o resultado menos mau“. Esta é a posição assumida pelo jornal norte-americano, que acredita que Portugal, Irlanda e Espanha “não seriam arrastados”. Pelo contrário, “até poderia ser um aviso e um incentivo para que estes países façam mais para consertar as suas economias”.

Na mesma linha, Warren Buffett – que tem investimentos na Europa e admite fazer mais – tinha defendido que “se toda a gente compreender que as regras são importantes, que significam alguma coisa, e se se chegar a um acordo sobre política orçamental que mostre que os líderes políticos da zona euro não estão a brincar, isso poderia ser algo positivo”. Para o Oráculo de Omaha, os investidores mundiais teriam uma maior confiança na zona euro, como um todo, caso “os gregos saíssem, algo que poderia não ser uma coisa má para o euro”.

WASHINGTON, DC - SEPTEMBER 19: Warren Buffett, chairman of the board and CEO of Berkshire Hathaway, speaks in Gaston Hall at Georgetown University, September 19, 2013 in Washington, DC. Bank of America CEO Brian Moynihan moderated the discussion with Buffett. Buffett also took questions from Georgetown students. (Photo by Drew Angerer/Getty Images)

Os investidores mundiais teriam mais confiança na zona euro se as autoridades mostrassem que quem não cumpre as regras sai, diz Warren Buffett. (Drew Angerer/Getty Images)

Ao Observador, Holger Schmieding, economista-chefe do Berenberg Bank, em Londres, diz que “Warren Buffett tem razão. As regras têm de ser cumpridas, nem sempre a 100% mas de um modo geral, sim”. O economista alemão diz que “a Alemanha não quer que a Grécia saia, mas se a Grécia continuar a recusar ir ao encontro das condições sob as quais os credores estão disponíveis para lhe emprestar mais dinheiro, o país irá eventualmente ficar sem dinheiro e ter de sair”.

Neste impasse, “a chave é a vontade política“, diz Holger Schmieding. “Se a Grécia negociar de boa fé e sinalizar aos parceiros europeus que vai cumprir com as suas obrigações, então os prazos poderão ser alargados e podem encontrar-se formas de o BCE manter o sistema financeiro grego à tona de água por algum tempo, mesmo que a Grécia falhe um pagamento de dívida. Mas se a Grécia sinalizar que não irá aceitar as condições sob as quais pode ser entregue mais dinheiro, então um default grego irá fazer interromper o apoio do BCE aos bancos gregos”.

Mas faz sentido falar em morte do euro se um membro sair? O economista-chefe do Berenberg Bank recorda que “a moeda única é um acordo multilateral e voluntário. Apenas aqueles que quiserem pertencer à moeda única irão fazer parte dela”. É claro que, “de longe, o melhor resultado para este impasse seria a Europa conseguir domar Alexis Tsipras e mostrar que o clube tem meios para colocar na linha quem mostra não querer cumprir as regras”. Mas “se a Grécia recusar aceitar as regras, então o clube sairá reforçado caso o país abandone. Como em tudo na vida, ceder à chantagem é sempre a pior decisão no longo prazo”.