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O que são os Panama Papers?

São mais de 11,5 milhões de documentos internos da firma de advogados Mossack Fonseca, que tem sede no Panamá. Este escritório é uma das que mais empresas cria em paraísos fiscais em todo o mundo.

O jornal alemão Süddeustche Zeitung teve acesso aos documentos e partilhou-os com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, uma organização sem fins lucrativos com base nos Estados Unidos.

Na análise dos documentos participaram mais de 100 jornais, de 76 países, que colaboram com o Consórcio, e 370 jornalistas.

Entre os documentos secretos, que cobrem quase 40 anos de atividade da Mossack Fonseca, estão mails, contas bancárias, bases de dados, passaportes e registos de clientes de um total de 214.488 sociedades criadas em offshores e com ligação a mais de 200 países.

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Mossack Fonseca: que empresa é esta?

A Mossack Fonseca é uma firma de advogados criada no Panamá por Ramón Fonseca, de 63 anos, e pelo alemão Jürgen Mossack, de 67. Depois de fundirem as suas duas empresas, em 1986, abriram escritórios em vários países europeus, como o Reino Unido, Luxemburgo, Suíça, Malta e Gibraltar. A fusão dos dois escritórios ocorreu numa altura em que o país vivia sob a ditadura militar de Manuel Noriega.

A empresa Mossack Fonseca é especializada em direito internacional e registo de sociedades offshore e, segundo o The Guardian, é a quarta maior empresa no mundo a fornecer estes serviços. Está presente em 42 países e tem ligações à criação de cerca de 300.000 empresas.

Conta o Jornal de Negócios que Jürgen Mossack foi viver para o Panamá ainda criança. Foi lá que estudou Direito, tendo iniciado a sua carreira profissional, mais tarde, em Londres. Quando regressou ao Panamá, Mossack lançou o escritório que mais tarde viria a fundir com o de Ramón Fonseca Mora.

Sabe-se agora que o pai de Jürgen fez parte das Waffen-SS, as forças armadas do partido nazi liderado por Adolf Hitler. No final da Segunda Guerra Mundial, terá oferecido os seus serviços aos EUA, para informar sobre a atividade comunista em Cuba.

Já o panamiano Ramón Fonseca Mora é escritor e venceu, duas vezes, o prémio literário Ricardo Miró. Atualmente, enfrenta várias acusações relacionadas com processos de fraude – algumas relacionadas com a polémica operação Lava Jato, no Brasil.

Até 11 de março – dia em que decidiu afastar-se da vida política -, Ramón Fonseca Mora liderou o Partido Panameñista e foi conselheiro próximo do Presidente da República. Foi assessor jurídico numa comissão que funciona nos escritórios das Nações Unidas, na Suíça.

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O que é um paraíso fiscal?

Um paraíso fiscal é um território onde a criação de empresas é uma das principais, se não a mais importante, indústria do país, mesmo que grande parte ou quase todas estas empresas não tenham trabalhadores ou qualquer tipo de atividade.

Há várias vantagens em ter uma empresa neste tipo de territórios – como as Ilhas Caimão, as Ilhas Man, Jersey, Panamá, entre muitos outros -, e são quase todas do domínio fiscal. Os impostos, onde existem, são mais baixos e o nível de segredo bancário é muito elevado, permitindo ocultar bens ou património às autoridades fiscais do país onde são residentes.

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E o que são empresas offshore?

Uma sociedade offshore é basicamente toda a empresa que é criada ao abrigo de uma jurisdição diferente e cuja atividade se realiza fora da jurisdição em que está registada. Tipicamente, é usada para definir as sociedades que estão registadas em paraísos fiscais, já que não têm qualquer atividade nesse território e apenas o usam para tirar partido das vantagens fiscais e do segredo bancário.

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Ter uma sociedade offshore é ilegal?

Não. É perfeitamente legal criar ou deter uma sociedade offshore, desde que essa informação seja transmitida às autoridades fiscais e sujeita a uma taxa, em alguns casos, para este tipo de bens e património. Depende muito do país de origem.

Sendo legal, e havendo razões legítimas para criar uma empresa ou fundo na sociedade offshore, também é verdade que o secretismo e a proteção em torno deste tipo de sociedades torna mais fácil fugir aos impostos e esconder bens ou património da justiça, por exemplo, entre muitas outras operações ilegais.

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Porque escolheram estas empresas o Panamá?

O Panamá, como muitos territórios deste tipo, oferece dois tipos de vantagem.

Vantagens a nível fiscal: as empresas que não tenham atividade no Panamá não pagam impostos sobre os seus lucros sobre qualquer ganho de capital.

Secretismo: quem abrir uma sociedade no Panamá beneficia de segredo bancário, não é obrigado a ser listado como administrador da empresa (por um preço, dependendo da empresa, quem cria a sociedade pode ficar como detentora da empresa, mas sem o seu controlo) e não há regras relativamente à contabilidade das empresas.

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Se não é ilegal, o que revelam estes documentos?

Os Panama Papers ajudam a perceber toda uma rede oculta de movimentação de dinheiro, usada por chefes de Estado e Governo, suas famílias e outras personalidades.

Mas se nem tudo o que o está nos documentos é ilegal, pode, pelo menos, ser julgado em termos morais e éticos.

Entre os exemplos dados pelos jornalistas que fazem parte do Consórcio está a ajuda dada pela Mossack Fonseca ao titular de uma empresa que já tinha sido ligado publicamente a um caso de fraude na África do Sul que levou à falência de, entre outros, um fundo de apoio aos familiares das vítimas de um acidente numa mina de ouro; ou o apoio à criação de uma sociedade offshore por parte de um empresário norte-americano condenado e preso por pedofilia, que viajava para a Rússia para ter relações sexuais com menores órfãos.

Outro caso explicado pelos jornalistas é o de 33 empresas na lista negra dos Estados Unidos que teriam negócios com traficantes de droga mexicanos, países com sanções internacionais – como o Irão e a Coreia do Norte – e grupos terroristas como o Hezbollah.

Uma destas empresas é acusada pelos Estados Unidos de fornecer o combustível a um avião usado pelo regime de Bashar al-Assad na Síria para bombardear e matar milhares dos seus próprios cidadãos.

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Quem é que está nesta lista?

São centenas de pessoas, entre eles 128 políticos ou responsáveis, que vão desde o rei da Arábia Saudita e de Marrocos, ao futebolista Leo Messi e ao círculo próximo de Vladimir Putin.

O Consórcio fez uma compilação interativa para explorar a parte mais política dos envolvidos, que pode ver aqui. Pode ainda encontrar uma lista com outras figuras públicas envolvidas neste escândalo aqui.

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Como é que a Rússia e Vladimir Putin estão envolvidos?

Vladimir Putin foi o nome que mais soou quando os Panama Papers foram revelados. Os amigos do líder russo terão beneficiado de cerca de 1,5 mil milhões de euros em operações de enriquecimento ilícito. Contudo, o nome do presidente russo não aparece nos registos, ao contrário do de Sergei Roldugin, amigo próximo de Putin. Foi ele quem apresentou Putin a Lyudmila, hoje sua mulher. É também padrinho da sua filha mais velha, Maria.

Músico, Sergei detém também ações de empresas no valor de 87,7 milhões de euros e detém 3,2% do Banco Rossiya. Sergei Roldugin controla ainda uma participação de 12,5% na maior agência de publicidade televisiva da Rússia, a Video International, 15% de uma empresa do Chipre e detém uma participação minoritária na fabricante de camiões russa Kamaz.

O Banco Rossiya é liderado por Yuri Kovalchuk, que terá feito uma transferência no valor de 877,6 mil milhões de euros à offshore Sandalwood Continental – cujas ações foram transferidas mais tarde para a Ove Financial Corp, ligada a Mikhail Lesin, consultor de Putin e ex-ministro da Comunicação.

O dinheiro desta transferência terá vindo de empréstimos não garantidos (quando não há garantias para o reembolso) do Russian Commercial Bank, localizado no Chipre, para outros bancos. O dinheiro terá sido utilizado, depois, para conceder empréstimos com taxas de juro mais levadas na Rússia. O lucro excedente terá sido desviado para contas secretas na Suíça.

A Mossack Fonseca terá depois criado empresas de fachada, registadas nas Ilhas Virgens britânicas, para receber as transações.

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E de que forma é afectada a Islândia?

Sigmundur David Gunnlaugsson, primeiro-ministro da Islândia, é outro dos nomes que mais tem aparecido nos órgãos de comunicação social. O envolvimento no escândalo pode fazer com que o primeiro-ministro tenha de enfrentar eleições antecipadas.

De acordo com o que foi divulgado nos Panama Papers, Sigmundur David Gunnlaugsson e a mulher, Anna Sigurlaug Pálsdóttir’s, são os proprietários de uma empresa chamada Wintris Inc., que detém cerca de 4 milhões de dólares em obrigações nos três maiores bancos islandeses – que faliram na crise financeira de 2008. Na altura, Gunnlaugsson foi uma das vozes contra o resgate a credores estrangeiros.

Quando Gunnlaugsson entrou para o Parlamento, em 2009, não declarou que detinha esta participação na Wintris, apesar de só no último dia do ano ter vendido à mulher os 50% que detinha. Gunnlaugsson vendeu as ações que detinha a um dólar.

Ainda não se sabe se a posição política do primeiro-ministro beneficiou ou prejudicou o valor das obrigações detidas pela Wintris, mas sabe-se que não é a primeira vez que é confrontado com questões de âmbito fiscal. Gunnlaugsson já tinha abandonou uma entrevista a meio, realizada pela televisão sueca SVT, quando lhe foi colocada uma pergunta sobre a empresa. Afirmou não estar preparado para responder, questionando: “O que estão a tentar fazer aqui? Isto é totalmente inapropriado”.

https://www.youtube.com/watch?v=ORlq_zrfWDc

As manifestações já arrancaram no país e o Parlamento vai votar uma moção de censura, mas ainda não há data para isso. A ex-primeira-ministra Jóhanna Sigurðardóttir (do Partido Social Democrata) já veio a público exigir a “demissão imediata” de Gunnlaugsson e uma “explicação clara sobre os factos”.

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Qual é a ligação do futebol aos Panama Papers?

Entre as centenas de nomes revelados nos Panama Papers, há política e há futebol. A FIFA está novamente envolvida em polémica, depois de ver o ex-presidente Michel Platini e o membro do comité de ética Juan Pedro Damiani figurarem entre a listagem partilhada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI).

Damiani estará ligado a Eugenio Figueredo, ex-vice-presidente da FIFA que foi detido e acusado de aceitar subornos de uma sociedade norte-americana em troca da cedência dos direitos televisivos e de marketing. Agora, os Panama Papers indicam que uma empresa de Damiani terá aconselhado juridicamente pelo menos sete empresas offshore associadas a Figueredo.

Mas não são estes os únicos nomes do mundo do futebol a figurar nos Panama Papers. O bola de ouro Lionel Messi é outra das figuras de maior destaque, apesar de já ter vindo negar as acusações de envolvimento no esquema de evasão fiscal e de branqueamento de capitais.

Os nomes do futebol envolvidos no caso Panama Papers

  • Michel Platini, ex-presidente da FIFA
  • Juan Pedro Damiani, membro do comité de ética da FIFA
  • Lionel Messi, Jogador do FC Barcelona
  • Iván Zamorano, ex-jogador de futebol chileno
  • Gabriel Heinze, ex-jogador do Real Madrid e do Manchester United
  • Darko Kovacevik, ex-jogador sérvio e da seleção jugoslava
  • Nihat Kahveci, ex-jogador de futebol turco
  • Sander Westerveld, ex-jogador de futebol holandês
  • Leonardo Ulloa, jogador de futebol argentino
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O que é que se sabe sobre o envolvimento de Portugal?

Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira, dono do conglomerado de empresas Lusitania Group, sediado nas Ilhas Virgens Britânicas, é o único nome português oficialmente envolvido no caso Panama Papers. Contudo, Pedro Santos Guerreiro, diretor do Expresso – órgão que faz parte do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação – anunciou que há vários nomes e empresas portuguesas a serem investigadas.

De acordo com o mapa interativo desenhado por Brian Kilmartin, editor do The Irish Times – órgão que também faz parte do Consórcio – serão 244 as empresas portuguesas envolvidas nos Panama Papers, que envolvem 255 acionistas e 34 beneficiários. A identidade dos envolvidos ainda não foi revelada, mas segundo o Consórcio, serão divulgados novos dados até ao final da semana.

 

O Ministério Público já informou que está a analisar os documentos e que avançará para um inquérito se dessa análise resultarem factos que configurem crime.