1

Onde fica o Iémen?

Colocado no fundo da Arábia Saudita mesmo no calcanhar da bota arábica, o Iémen é vizinho do pacífico Omã e tem África a poucos quilómetros de mar vermelho de distância.

O país fica no cruzamento entre a península arábica, a Ásia e a África e a sua cultura e tradição estão ligadas a esta posição de entreposto entre múltiplas culturas. Com lugar de destaque nas ancestrais rotas de especiarias, foi definido pelos romanos como Arabia Felix, em contraponto à Arabia Deserta do norte (atual Arábia Saudita).

Habitam o Iemen 25 milhões de pessoas, quase todas muçulmanas, quase todas dependentes de uma economia que se baseia em produtos básicos como o café, o peixe e o algodão. O grande motor da economia é o petróleo, que não chega às mãos da imensa maioria da população.

2

Qual é a situação político-económica do Iémen?

O primeiro aspeto que importa reter sobre o Iémen é que mais de metade da população vive com menos de dois dólares por mês. As Nações Unidas estimam que perto de 60% da população necessite de apoio humanitário para sobreviver.

O Iémen tem vivido numa instabilidade crónica desde o fim dos anos setenta, graças a um regime pouco democrático liderado por Ali Abdullah Saleh, que durou até novembro de 2011. No rescaldo das primaveras árabes, o país viveu um período de euforia pró-democrática que teve pouca concretização prática. Ao fim de pouco mais de três anos, a situação política piorou e o país tem estado envolvido numa guerra civil que é motivada por questões religiosas mas principalmente pelas limitações económicas.

O ex-presidente Mansour Hadi foi escolhido em 2011 para assegurar a transição democrática mas não conseguiu segurar o poder e foi deposto pelos rebeldes houthi. Hoje Mansour comanda uma força militar a partir da cidade portuária Aden.

 

3

Quem manda no Iémen?

Em fevereiro os rebeldes xiitas houthi, provenientes do norte do país e fortemente apoiados pelo regime iraniano, tomaram conta do governo. Apresentaram um governo e leram pela televisão um comunicado ao país, anunciando a transição política. Nos houthi há fações extremistas, que gostariam de recuperar o Imanato Zaidi, que governou o norte do Iémen durante quase mil anos.

Também os grupos da Al-Qaeda controlam parte do território, impondo uma lei islâmica absolutista que permite treinar jihadistas que depois são enviados para a Síria e o Afeganistão. As forças houthi combatem as forças da al-Qaeda pelo controlo do território, graças ao apoio que têm de Teerão.

Entre estes poderes e a força que sobra do presidente deposto, o exército tem a lealdade dividida e não responde de forma unificada às forças civis. É um exemplo perfeito que vem nos manuais de estados falhados.

4

O que está a acontecer em Aden?

Aden é a cidade portuária onde o presidente deposto, Mansour Hadi, se refugiou depois de fugir da prisão domiciliária em que tinha sido colocado na capital. Nos últimos dias tinha começado a formar um pequeno exército, juntando as forças que permaneceram leais e representantes da minoria sunita, que controlam partes do sul do país. E anunciou exigir ser tratado legalmente como Presidente, visto que considera a mudança de poder ilegal.

Os seis membros do Conselho do Golfo exigem que as Nações Unidas executem sanções contra o novo governo iemenita, forçando uma resolução do conflito. Estas seis nações – Emiratos Árabes Unidos, Bahrain, Arábia Saudita, Oman, Qatar e Koweit – temem o crescente poder xiita, que reforça o peso do Irão na região.

Os houtis, que controlam a Força Aérea, lançaram uma ofensiva contra Aden. Atingiram a casa onde estava escondido Mansour, sem o ferir. Os combates espalharam-se pela cidade e o aeroporto internacional deixou de funcionar, não sendo ainda claro quem tomará conta da região.

 

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

5

E qual é a relação do Iémen com o ataque ao Charlie Hebdo?

Os culpados do atentado ao Charlie Hebdo treinaram no Iémen em 2011. Os serviços secretos europeus já confirmaram que ambos os irmãos Koauchi estiveram no território, como os próprios tinham anunciado – tendo inclusivamente sido financiados por Anwar al-Awlaki há quatro anos, um muçulmano associado à violência promovida pelo grupo terrorista de Bin Laden.

A própria Al-Qaida da Península Arábica, sediada no Iémen, assumiu publicamente a responsabilidade pelo ataque. Assim sendo, o ataque teria sido ordenado por al-Zawahri, o líder supremo da Al-Qaeda, em consequência direta dos repetidos cartoons tendo por alvo os muçulmanos.

Esta narrativa tem sido tratada com algum ceticismo pelos investigadores franceses. Se é verdade que os irmãos Kouachi treinaram no Iémen em 2011 e receberam fundos para atentados, isso pode ter pouco a ver com o que aconteceu em Paris quatro anos depois. Os fundos e a coordenação podem ter vindo de outras fontes, incluindo o Estado Islâmico, que disputa com a al-Qaeda a liderança da violência em nome de Alá e tem procurado ações com grande impacto mediático.

6

Quem controla o petróleo que o país produz? *

* questão colocada por uma leitora

A produção de petróleo equivale a 70% da riqueza do país, mas tem vindo a decair desde 2010. De acordo com o Financial Times, em 2013 o Iémen importou mais petróleo do que aquele que exportou, situação inédita nos últimos trinta anos. Este défice energético é um sinal da desagregação económica do país graças à continuada crise política e económica.

Perto de metade do petróleo recolhido é refinado no país para satisfazer a procura interna, sendo altamente subsidiado pelo governo e chegando ao mercado a preços baixos. A outra metade, que corre em dois oleodutos, é exportada por mar para os países asiáticos que preenchem a lista de clientes.

Mas a província de Hadramawt, que produz mais de metade do petróleo do país, tem fugido ao controlo da empresa estatal criada para gerir essa exploração. Vários ataques aos poços e ao oleoduto têm limitado a produção corrente, com o governo a colocar a culpa em milícias tribais e na influência da Al-Qaeda na região. Já na província de Marib os houthi tomaram o controlo da produção petrolífera e ameaçam não a devolver ao governo central – utilizando-a como forma de pressão para as suas exigências políticas.

Este relatório da Chatam House, um grupo de reflexão sobre política e economia internacional sediado em Londres, fornece excelentes indiçações sobre o contexto histórico da produção petrolífera do país. E esta análise do governo americano fornece o ponto de situação do que se passava no terreno há escassos meses – em que já eram notórios os problemas de segurança do país.

7

Qual é o mistério das armas americanas?

O exército dos Estados Unidos ofereceu equipamento militar no valor de 470 milhões de euros ao exército iemenita mas neste momento o paradeiro da encomenda é desconhecido. Há fortes probabilidades de que tenha caído nas mãos da al-Qaeda ou dos rebeldes hostis apoiados por Teerão.

O fecho da embaixada americana em fevereiro e a saída dos conselheiros militares que trabalhavam com o presidente deposto ajudam ao caos, pois tornou-se impossível perceber onde está o material militar – composto por 1 avião de transporte e vigilância, 4 drones, 4 helicópteros, 160 Humvees, 2 barcos e muito equipamento tático.

8

Por que razão a Arábia Saudita atacou o Iémen em março?

Essencialmente para travar a influência iraniana. Como explicado na terceira pergunta, os xiitas houthi ameaçam o governo local. Apoiados pelo Irão, os rebeldes já tomaram a capital Sanaa e investiram nos últimos dias de março na cidade portuária de Aden, onde estaria o ainda presidente Masoun Hadi. O aeroporto da cidade já foi tomado.

A Arábia Saudita transferiu a embaixada de Sanaa para Aden para apoiar inequivocamente Hadi. Já o seu exército, apoiado por Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Bahrein, Catar, Jordânia, Marrocos, Egipto e Paquistão, investiu numa operação militar contra os rebeldes, que estarão a tentar colocar no poder Ali Abdullah Saleh novamente.

Os Estados Unidos não estarão diretamente envolvidos, mas, admite Adel al-Jubeir, o embaixador saudita em Washington, trabalharam “de forma muito próxima” com a Arábia Saudita antes de a ofensiva ser colocada em marcha. O NYT informou ainda que o porta-voz do Conselho Nacional de Segurança admitiu que os EUA estão a fornecer informações e logística para apoiar a operação. Barack Obama autorizou, aliás, uma célula conjunta com os sauditas para planeamento e coordenação da missão.

Após a investida militar saudita, o preço do petróleo disparou 6%. O WTI, negociado em Nova Iorque, estava a ser negociado a 52,14 dólares por barril (47,56 euros), enquanto o Brent, em Londres, subiu então para 59,42 dólares por barril (54,2 euros).

Finalmente, ao fim da tarde de quinta-feira, dia 26 de março, o presidente deposto Mansur Hadi, que havia estado desaparecido e incontactável, chegou a Riade, a capital da Arábia Saudita.

A agência oficial saudita SPA avançou que Hadi foi recebido na base aérea de Riade pelo ministro da Defesa saudita, Mohamed bin Salman bin Abdelaziz, e pelo chefe dos serviços de informações, Khaled al-Hamidan.

O ministro dos Negócios Estrangeiros saudita, Riyad Yassin, disse à imprensa no Cairo que Hadi participaria na cimeira da Liga Árabe que se realiza entre dia 28 e 29 de março na estância egípcia de Sharm el-Sheikh.

9

Como reagiu o Irão à operação militar saudita?

Condenou, mas usou palavras que soam a aparente cautela e responsabilidade. Ou então à inevitabilidade do desfecho do conflito. “Qualquer ação militar estrangeira contra a integridade territorial e o seu povo só vai aumentar os mortos e o derramamento de sangue”, disse Mohamed Javad Zarif, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, contava o El País. Zarif estava, na altura das declarações, na Suíça, onde tentava chegar ao tal acordo nuclear com John Kerry, secretário de Estado norte-americano.

Segundo a Reuters, um importante funcionário do governo iraniano, que não quis ser identificado, assegurou que o país utilizaria todas as vias políticas possíveis para reduzir a tensão na região, mas não colocava em cima da mesa uma “intervenção militar”.

Uma guerra de maior escala na região entre Irão e os rivais árabes era um cenário que ganhou ainda mais força depois de o Egipto ter disponibilizado tropas para ajudar na operação militar no Iémen — “se for necessário”, contava o Guardian.

“O momento escolhido pela Arábia Saudita foi brilhante porque põe à prova a boa vontade do Irão no momento em que está prestes a assinar um pacto nuclear”, explicou Theodore Karasik, um analista do Dubai especializado em assuntos de política militar no Golfo, contava o El País no mesmo artigo. “Há que entender até que ponto se vai envolver na ajuda aos [rebeldes xiitas] houthi, ou se os deixa cair para salvar o acordo e o [consequente] levantamento das sanções.”

Não deixa de ser pertinente dar conta de que Estados Unidos e Irão estavam sentados numa mesa na Suíça para chegar a um acordo nuclear. Ao mesmo tempo, no Iémen, estavam em posições opostas: o Irão apoiava o avanço dos rebeldes xiitas houthi. Os Estados Unidos ajudaram a planear a operação militar da Arábia Saudita e contribuíram com informação e logística.

10

A que pergunta ainda não respondemos?

Com as atenções mediáticas viradas para o Iémen, os pormenores sobre a situação no terreno vão sendo conhecidos com mais detalhe. Por isso iremos atualizar regularmente este Explicador, de forma a acompanhar a atualidade. Se quiser ver alguma questão respondida, é só enviar um email: foi isso que fez a leitora que colocou a questão mesmo antes desta.