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Polémica com o alojamento local. O que está em causa?

Desde 2014 que a lei portuguesa admite o alojamento local nos moldes atuais, uma modalidade de alojamento turístico que permite aos proprietários arrendar, num regime de muito curta duração, uma moradia, um apartamento ou uma parte de uma habitação a turistas. Cabem também neste regime os chamados hostels – habitações que funcionam exclusivamente com o intuito de serem arrendadas a turistas, e que abundam cada vez mais nas grandes cidades, como Lisboa ou Porto –, mas também as próprias habitações particulares, que cada proprietário pode arrendar durante um curto período de tempo a turistas que visitem a cidade (foi a pensar nesta última hipótese que surgiram plataformas como o Airbnb).

A questão da regulação desta modalidade de alojamento começou a colocar-se logo quando o então secretário de Estado do Turismo, Adolfo Mesquita Nunes, equacionou a medida. O tema voltou à discussão pública este mês, depois de dois deputados do PS terem apresentado, no dia 24, uma proposta para alterar o decreto-lei que regula o alojamento local. O PS quer que as assembleias de condóminos autorizem a existência de uma habitação naquele regime no condomínio, uma vez que a atividade de alojamento local é “potencialmente causadora de conflitos e transtornos diversos aos condóminos que residam em prédio urbano onde aquela se desenvolva”.

A proposta dos socialistas fez estalar a polémica e todos os partidos apresentaram alternativas. A abundância de propostas – umas mais concretas do que outras – deverá adiar a eventual alteração de regras só para o final do ano, pelo que este verão os proprietários ainda estarão sob a legislação atual, que permite que a adesão ao regime de alojamento local seja feita através de uma simples comunicação à Câmara Municipal respetiva. No início da semana, o Jornal de Negócios escrevia que a complexidade do tema e a quantidade de diferentes propostas poderá levar inclusivamente à criação de um grupo de trabalho no Parlamento para discutir eventuais alterações na legislação.

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Qual a proposta do PS (e as dos outros partidos)?

Na proposta apresentada na semana passada à Assembleia da República, os deputados socialistas Carlos Pereira e Filipe Neto Brandão escrevem que “habitação e alojamento temporário de turistas são realidades de facto bem distintas” e que por isso as frações utilizadas para alojamento local devem ser distinguidas das destinadas à habitação, “onde os demais habitantes permanentemente residem e onde, legitimamente, esperam ver reunidas as condições de tranquilidade e sossego que comummente se associam ao conceito de lar ou espaço de vida doméstica”.

Citando as estatísticas mais recentes do INE, que revelam que a ocupação do alojamento local por turistas é habitualmente de menos de 3 noites, os socialistas consideram que a rotatividade de habitantes temporários num alojamento se traduz “num comportamento do turista bem mais descontraído ou relaxado do que aquele que quotidianamente adota no local de onde provém e onde habita”, o que se reflete “nos horários praticados, no barulho, no respeito — ou, melhor dito, falta dele — pelo sossego dos demais habitantes dos prédios onde se alojam”.

O objetivo dos deputados socialistas é que a atividade de alojamento local “não seja exercida com desconsideração dos direitos dos demais condóminos”. Por isso, a proposta do PS consiste numa alteração ao diploma de 2014 que regulamenta o alojamento local, acrescentando ao conjunto dos documentos que o titular deve apresentar à Câmara Municipal, no momento de requerer autorização para o exercício da atividade, uma cópia da deliberação da assembleia de condóminos que autorize o funcionamento de um alojamento local naquela fração do prédio — esta alteração aplica-se apenas aos apartamentos.

A proposta socialista não foi bem recebida pela oposição nem no próprio Governo, já que os deputados socialistas que propuseram a alteração não terão consultado a secretária de Estado do Turismo quando desenharam a proposta.

E tudo indica que a proposta não passe no Parlamento, por falta de apoio da maioria que sustenta o Governo: a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, não tardou a reagir à proposta, sustentando que o grande problema não fica resolvido com a medida. “Há grandes proprietários que compraram prédios inteiros e que estão a expulsar de bairros inteiros a população que lá vivia”, afirmou a coordenadora do Bloco, afirmando que a medida mais eficaz seria a implementação de quotas para o alojamento local por fração de território.

Do lado do PCP veio uma proposta menos concreta. Os comunistas estão de acordo com a medida proposta pelos socialistas mas consideram que é preciso ir mais longe, defendendo “equilíbrio” entre alojamento local e arrendamento tradicional. Uma posição que os comunistas partilham com o PSD, que também pede que se vá “mais longe” e se pense numa “lógica de equilíbrio” entre várias modalidades de alojamento. Já o CDS defende uma distinção entre os profissionais do alojamento local e os particulares para evitar situações “de injustiça”.

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O que diz quem está a favor de uma regulação mais apertada?

As opiniões têm-se dividido não só na esfera partidária mas também na opinião pública, com as associações de proprietários e da hotelaria de lados diferentes da barricada.

A favor de uma regulação mais apertada, nomeadamente da necessidade de autorização por parte dos condomínios para o exercício da atividade de alojamento local, está por exemplo a Associação Nacional de Proprietários (ANP), associação que reúne proprietários e senhorios de prédios, vivendas e apartamentos. Citado pela Agência Lusa, o presidente da ANP, António Frias Marques, afirmou que “se existe alojamento local, tem de ser feito num sítio que esteja licenciado para o efeito, que não é um condomínio que está licenciado para habitação”. Para o líder da associação, pode haver a possibilidade de alojamento local no caso de se tratar de “uma vivenda isolada, se for um prédio total isolado” ou então num apartamento “se os vizinhos não se importarem”, defendendo por isso a autorização prévia por parte das assembleias de condóminos.

Também a Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL) está a favor de uma regulação mais apertada para o alojamento local. Aliás, vários meses antes da proposta do PS, já o presidente da AIL, Romão Lavadinho, tinha escrito uma carta aberta em que defendia publicamente uma maior regulação do setor e criticava “a desregulação e o facilitismo apressadamente concedidos” na legislação que entrou em vigor em 2014 e alterou as condições de acesso à atividade. “Ao não se terem imposto limites — repete-se, razoáveis e aceitáveis – à possibilidade de afetar apartamentos a esta indústria, tal resultou na utilização indiscriminada, desregrada e intensiva de inúmeros apartamentos em prédios de habitação, com arrendatários e/ou em condomínio, causando desnecessárias perturbações, incómodos, excessos, conflitos e despesas não previstas”, lê-se na carta da associação.

No documento, Romão Lavadinho denunciava também a “ganância e a perspetiva de ganhos maiores e mais rápidos” de muitos senhorios que pressionaram inquilinos, “designadamente os mais idosos e vulneráveis, a abandonarem as suas casas mediante indemnizações, quase sempre irrisórias, havendo situações de intensa coação e mesmo de agressão física”.

A AIL avançava ainda com propostas concretas: impedir utilização de apartamentos de habitação para alojamento local sem autorização municipal de alteração de uso, limitar a 50% os apartamentos em regime de alojamento local num prédio com outros moradores e ainda exigir a aprovação dos restantes condóminos do prédio para que um apartamento pudesse ser utilizado para alojamento local — precisamente o que os dois deputados socialistas vieram agora defender.

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E o que diz quem defende o contrário?

Nem todos os proprietários estão de acordo na defesa da autorização por parte dos condomínios. Para Luís Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), que reúne os proprietários e senhorios da área metropolitana de Lisboa, a medida é “bastante radical e bastante infundada”.

“As frações autónomas estão destinadas a dois fins: a habitação, que são os apartamentos, ou o comércio, que são as lojas. Ora, é evidente que o turista não pode ficar numa loja, isso não existe, terá que ficar nas frações destinadas à habitação e naturalmente que o que o turista faz é fazer habitação por curtos períodos”, afirmou o responsável da ALP em declarações à Agência Lusa. Luís Menezes Leitão acrescentou ainda que “a assembleia de condóminos gere as partes do prédio, não gere o destino que o proprietário dá em termos habitacionais à sua fração, se arrenda por curtos períodos, se arrenda por longos”.

Por isso, o presidente da ALP considera que os proprietários têm “todo o direito de destinar o imóvel a habitação, seja de turistas, seja de arrendamento, seja o que for”. “Compreendo, naturalmente, que alguns condóminos não gostem de ver os turistas lá, como também a pessoa não gosta de ter um vizinho mais barulhento, mas daí a proibir o alojamento local nos condomínios parece-me haver uma desproporção gigantesca”, disse ainda.

Preocupada com a proposta do Partido Socialista está também a Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP). A secretária-geral da organização, Ana Jacinto, afirmou, também à Lusa, que foi apanhada de surpresa pela proposta legislativa dos socialistas e sublinhou que “esta inconstância legislativa, este desnorte, obviamente que não é positivo para um subsetor tão importante como é o alojamento local”.

“A AHRESP está obviamente preocupada com todos aqueles proprietários que fizeram investimentos e que estão a trabalhar há anos com esta atividade”, acrescentou Ana Jacinto, destacando que os conflitos entre os proprietários de alojamento local e outros condóminos “são pontuais”. A responsável da AHRESP destacou ainda que o setor deve sobretudo ser regulado por “projetos de autorregulação” e não com “alterações legislativas que mete em causa o próprio negócio”.

Também a Associação do Alojamento Local de Portugal (ALEP) já se veio manifestar contra a proposta do Partido Socialista. Num comunicado enviado aos meios de comunicação, a associação afirma que o projeto de lei é “inconstitucional, desajustado” e “poderá conduzir ao desemprego, só em Lisboa e Porto, de mais de 10 mil pessoas, pondo em causa o rendimento principal de mais de quatro mil famílias”.

A ALEP argumenta que a medida vai contra o direito constitucional à propriedade privada, destacando que a proposta não identifica os critérios que os condóminos podem usar para impedir a utilização de uma fração para alojamento local. A associação aproveita o comunicado ainda para recordar um acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça que dispensou a autorização do condomínio e deu razão a uma proprietária de um alojamento local que tinha sido proibida pela assembleia de condóminos de continuar a explorar a atividade.

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Que condições são hoje necessárias para abrir um alojamento local?

As regras do alojamento locais estão definidas no Decreto-Lei nº 128/2014, que procurou “enquadrar uma série de realidades que ofereciam serviços de alojamento a turistas sem qualquer formalismo e à margem da lei” e que “não reuniam condições para serem empreendimentos turísticos”. No diploma estão definidos três tipos de alojamento local, para os quais há regras, em parte, distintas:

  • Apartamentos
  • Moradias
  • Estabelecimentos de hospedagem (em que se incluem também os hostels)

Para todos estes tipos de estabelecimento há características comuns para que sejam considerados alojamentos locais: por um lado, têm de ser imóveis publicitados como alojamento para turistas ou como alojamento temporário; por outro lado, podem oferecer ao “público em geral, além de dormida, serviços complementares de alojamento, nomeadamente limpeza ou receção, por períodos inferiores a 30 dias“. Além disso, excetuando os estabelecimentos de hospedagem que sejam classificados como hostels, os alojamentos locais têm de ter uma capacidade máxima de nove quartos e 30 utentes.

Para todos os alojamentos locais é exigido um conjunto de condições de higiene, segurança e de funcionamento, além de equipamentos de mobiliário e outros utensílios adequados. As regras de segurança contra riscos de incêndio são também detalhadas na regulamentação da atividade.

O mesmo Decreto-Lei acrescenta exigências específicas para as modalidades de apartamento e de hostel:

  • Apartamentos: um proprietário só pode explorar um máximo de nove alojamentos locais por edifício — na contagem incluem-se apartamentos registados não apenas em nome do proprietário, mas também em nome do cônjuge e dos familiares diretos. No caso de a propriedade do apartamento ser de uma pessoa coletiva, a contagem inclui também pessoas coletivas com sócios em comum.
  • Hostel: esta designação é exclusiva de estabelecimentos de hospedagem compostos por dormitórios, que devem ter um número mínimo de quatro camas cada um. Alguns requisitos para os hostels são distintos dos usados para outros estabelecimentos, não estando por exemplo sujeitos à limitação de capacidade a 30 utentes.
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E o que é necessário para obter autorização para um alojamento local?

No que toca ao registo da atividade de alojamento local, a legislação atual impõe poucas restrições. O registo é feito através de uma simples comunicação prévia, efetuada no Balcão Único Eletrónico, dirigida ao presidente da Câmara Municipal respetiva ao território onde está o imóvel. Entre as informações que devem constar dessa comunicação contam-se a autorização de utilização do imóvel, a identificação fiscal do titular (singular ou coletivo), o nome do estabelecimento, a capacidade (em termos de quartos, camas e utentes), a data pretendida de abertura ao público e ainda os contactos de uma pessoa a contactar em caso de emergência.

Além destas informações, é necessário apresentar um conjunto de documentos: cópia do documento de identificação do titular do estabelecimento, um termo de responsabilidade “assegurando a idoneidade do edifício”, cópia da caderneta predial urbana referente ao imóvel, se o requerente for o seu proprietário, ou então cópia do contrato de arrendamento caso o requerente seja arrendatário (deve incluir uma autorização do senhorio para que o imóvel seja utilizado para alojamento local) e, por fim, uma cópia da declaração de início ou alteração de atividade do titular do estabelecimento para prestação de serviços de alojamento.

A entrega destas informações e a submissão dos documentos corretos resulta depois na emissão de um documento pelo Balcão Único Eletrónico que contém o número do registo do estabelecimento. É esse documento que autoriza o proprietário a explorar aquele imóvel como alojamento local, sendo necessário para abrir o estabelecimento ao público.

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Como é feita a fiscalização destes estabelecimentos?

A fiscalização destas condições cabe à Câmara Municipal do território onde se encontra o imóvel. De acordo com o mesmo diploma que regulamenta a atividade, a autarquia tem 30 dias após a apresentação da comunicação por parte do titular do estabelecimento para fazer uma vistoria no local para confirmar o cumprimento de todas as condições exigidas.

Além desta vistoria, a autarquia pode a qualquer momento pedir ao Turismo de Portugal que faça uma fiscalização aos alojamentos locais existentes no território para confirmar o cumprimento dos requisitos. Estas vistorias têm como especial objetivo averiguar se os imóveis usados para o alojamento local reúnem as condições para serem considerados empreendimentos turísticos (como hotéis). Se for o caso, passam a estar sujeitos a um regime diferente.

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Quais as diferenças para restante hotelaria?

Há muito menos requisitos para abrir um estabelecimento de alojamento local do que para abrir qualquer outro empreendimento turístico. A exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos está pormenorizadamente regulamentada na versão consolidada do Decreto-Lei n.º 39/2008 e inclui extensas listas de exigências para os vários tipos de empreendimentos turísticos, que podem ser:

  • Estabelecimentos hoteleiros (hotéis, pousadas, pensões)
  • Aldeamentos turísticos
  • Apartamentos turísticos
  • Conjuntos turísticos (resorts)
  • Empreendimentos de turismo de habitação
  • Empreendimentos de turismo no espaço rural
  • Parques de campismo e de caravanismo

Cada um destes tipos de empreendimento turístico tem requisitos específicos, que são determinados por entidades diferentes, nomeadamente pelos membros do Governo responsáveis pelo turismo, ordenamento do território, administração local, agricultura e desenvolvimento rural.

Para dar alguns exemplos, entre os requisitos para um resort contam-se a construção de vias de circulação interna com largura mínima de 5 metros, áreas de estacionamento, espaços verdes, portaria, piscina e equipamentos de desporto e lazer. Já os hotéis têm de ter um mínimo de 10 quartos e um conjunto de equipamentos de utilização comum a que os estabelecimentos de alojamento local não estão obrigados.

No que toca, por exemplo, à questão da fiscalização, as exigências são mais vincadas. Para os empreendimentos turísticos, a entidade responsável pela fiscalização é a ASAE, que garante o cumprimento estrito das regras e instaura processos de contra-ordenação sempre que necessário.

Mas a diferença mais evidente será a relativa ao processo de abertura de uma unidade turística, que é substancialmente mais complexo do que o de registo de um alojamento local. O primeiro passo é submeter um pedido de concessão de autorização de utilização para fins turísticos, um pedido que é dirigido à câmara municipal competente e dado a conhecer ao Turismo de Portugal.

Caso seja dada a autorização, é emitido um alvará de autorização de utilização do edifício para o fim escolhido. Este alvará tem um custo que depende das câmaras municipais, mas que pode chegar à ordem dos milhares de euros — a procura turística do local afeta substancialmente o valor da taxa. No caso do alojamento local, o registo passa por uma simples comunicação de abertura do negócio, que é gratuita.

Em matéria fiscal também há diferenças, uma vez que os proprietários de alojamento local estão sujeitos a um regime particular. Quem explorar um alojamento local tem de se registar na categoria B do IRS (rendimentos de atividade empresarial), ao contrário dos senhorios tradicionais, que se podem registar na categoria F (relativa a rendimentos prediais, como rendas). Na proposta de Orçamento do Estado para 2017 o Governo propôs um aumento da tributação destes rendimentos de 15% para 35%. Ou seja, quem tiver rendimentos provenientes do alojamento local paga 35% desses rendimentos em sede do IRS e do IRC.

Importa sublinhar que, tal como nos restantes empreendimentos turísticos, também os utilizadores do alojamento local estão sujeitos à taxa turística em Lisboa. No ano passado, por exemplo, só os utilizadores do Airbnb na capital portuguesa permitiram à autarquia lisboeta arrecadar perto de dois milhões de euros com a taxa turística de um euro por noite.

Cobrados quase 2 milhões de euros em taxa turística de Lisboa nos alugueres na Airbnb em 2016

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Quais são as zonas onde existe mais alojamento local?

Os dados do Instituto Nacional de Estatística referentes ao turismo em 2015 (a edição mais recente do estudo) mostram que é na Área Metropolitana de Lisboa que se encontra a maioria da capacidade de alojamento local no país, com 12.134 camas, o que representa sensivelmente um quarto da oferta em Portugal. Em segundo lugar surge a região Norte (onde se inclui também a Área Metropolitana do Porto), com 10.374 camas (21% da oferta nacional). Seguem-se a região Centro, a região autónoma da Madeira, o Algarve e por último o Alentejo.

Dentro das cidades, especialmente das grandes cidades como Lisboa ou Porto, é notória a existência de mais oferta nos centros históricos. Através do Airdna, plataforma que permite identificar no mapa a oferta do serviço Airbnb, é possível ver a concentração de casas e quartos disponíveis no mapa e a concentração em torno do baixa lisboeta é evidente.

Importa sublinhar que este serviço apenas contabiliza o serviço Airbnb e não todo o alojamento local, mas dá uma perspetiva sobre onde é que os turistas mais procuram esta modalidade de alojamento. Um número bastante revelador: a freguesia de Santa Maria Maior, em Lisboa, onde estão localizados muitos dos bairros mais turísticos da capital, tem 22% dos seus imóveis inscritos no Airbnb, conta o jornal Eco.

O mesmo se regista na cidade do Porto, onde é evidente a concentração de oferta do portal Airbnb no centro histórico da cidade.

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Como evoluiu o alojamento local em Portugal?

Desde 2012, ano em que as estatísticas sobre turismo do Instituto Nacional de Estatística (INE) começam a mencionar pela primeira vez o regime de alojamento local, a evolução tem sido notória, como comprovam os gráficos abaixo. Em 2012, o INE contabilizava 986 estabelecimentos de alojamento local no país. Quatro anos depois, em 2015, este número tinha sofrido um aumento de cerca de 50%, para 1.450 estabelecimentos, entre moradias, apartamentos e hostels. É de notar o forte aumento no número de estabelecimentos de alojamento local em 2014, ano em que a nova legislação fixou as condições de acesso à atividade.

A subida tem-se verificado em todos os valores. Entre 2012 e 2015, foram disponibilizadas mais 9.966 camas em regime de alojamento local em Portugal. Já o número de hóspedes a recorrer a este serviço subiu de 1,54 milhões em 2012 para 2,3 milhões em 2015. O aumento do número de hóspedes representou obviamente uma subida no número de dormidas vendidas no regime de alojamento local, de 3,22 milhões em 2012 para 5,3 milhões em 2015. Um valor tem-se mantido estável: um turista passa em média 2,2 noites num estabelecimento de alojamento local — ou seja, cada cama no alojamento local é usada em média por cada hóspede menos de três noites antes de chegar um novo cliente.

 

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Os condomínios já podem ter uma palavra a dizer?

De acordo com a legislação, não. O condomínio não tem qualquer intervenção no processo de registo e aprovação de um imóvel para atividade de alojamento local. Mas já houve tentativas.

Em maio de 2016, uma assembleia de condóminos de um edifício na Alta de Lisboa proibiu a proprietária de um dos apartamentos do prédio de continuar a explorar um serviço de alojamento local. Os condóminos alegaram que o apartamento era para uso exclusivamente habitacional e que por isso não deveria ser usado para um serviço de alojamento para turistas.

A proprietária recorreu para a justiça e em março deste ano o Supremo Tribunal de Justiça deu-lhe razão, anulando a decisão da assembleia de condóminos. No acórdão do Supremo, lê-se que “o facto de a recorrente ceder onerosamente a sua fração mobilada a turistas constituir um ato de comércio, não significa que na fração se exerça o comércio, pois a cedência destina-se à respetiva habitação”, diluindo-se assim o argumento apresentado pela assembleia de condóminos que defendia que a atividade alojamento local é uma atividade comercial que não deve ocorrer numa habitação.

Supremo. Condomínios não podem travar alojamento local

Mas a verdade é que já depois desta decisão do Supremo, o Tribunal da Relação do Porto tomou uma decisão no sentido inverso e proibiu um proprietário de explorar um serviço de alojamento local no seu apartamento. De acordo com o Público, os juízes desembargadores do Porto decidiram interpretar de forma diferente as regras e preferiram sublinhar que o espaço habitacional deve ser “um espaço de vida doméstica com a inerente necessidade de tranquilidade e sossego, não cabendo nela o alojamento local”.

Por isso, neste caso no Porto, a assembleia de condóminos acabou por ter um papel decisivo na limitação da utilização de um apartamento para o efeito de alojamento local.

No entanto, não é linear dizer que todos os condomínios queiram para si o poder de decisão sobre o alojamento local. Ouvido pela Agência Lusa, o diretor executivo da Loja do Condomínio, empresa que administra 6.800 condomínios no país e representa 170 mil proprietários, diz que “o alojamento local é um problema que o legislador deve resolver e não passar o ónus para o condomínio, fomentando guerras absurdas e desnecessárias”.

Reagindo à proposta legislativa do PS, o responsável da Loja do Condomínio diz que “o que pode parecer aparentemente bonito, ao passar a decisão para a assembleia de condóminos, é apenas e só um presente envenenado, pois será um foco de clivagem entre proprietários”. Além do mais, Paulo Antunes sublinha que esta proposta é uma tentativa “avulsa, e até irresponsável”, de tentar resolver problemas na habitação.

Mais contido, o presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Gestão e Administração de Condomínios (APEGAC), Fernando Cruz, dizia também à Lusa que era necessário “clarificar a legislação” relativa ao alojamento local, motivo de “grande celeuma” entre proprietários.

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A expansão do alojamento local fez subir as rendas da habitação?

Sim. Pelo menos é o que diz um estudo da Universidade Nova de Lisboa, e promovido pelo setor hoteleiro, publicado em novembro do ano passado.

De acordo com o estudo, a alteração ao regime jurídico do alojamento local de 2014 (a legislação explicada nas questões anteriores) poderá ter sido responsável por uma subida de 13,2% no preço das rendas e 30,5% no valor das transações, lia-se numa notícia da Agência Lusa da altura da publicação do estudo.

O estudo apresenta, aliás, alguns exemplos práticos. Em 2014, arrendar um metro quadrado numa zona com alta procura de alojamento local custava 9,7 euros. Dois anos depois, esse valor era de 11,8 euros. De acordo com o estudo, num cenário sem a implementação da referida lei a atualização dos preços teria ficado pelos 10,3 euros.

A expansão do alojamento local também terá tido impacto nas zonas de menor interesse para o alojamento local, em que a renda de um metro quadrado custa atualmente 4,5 euros, face a 4 euros em 2014.

O aumento foi ainda maior no que toca à venda de propriedades. Nas zonas mais atrativas para o turismo, comprar habitação custava em média, no final de 2016, 2.784 euros por metro quadrado, face a 2.335 euros em 2014, ano da alteração das regras do alojamento local. Nas áreas com menos procura o valor por metro quadrado subiu de 908 para 960 euros entre 2014 e 2016.

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E lá fora, como é que as grandes cidades têm lidado com a questão?

Não é só em Portugal. O alojamento local tem estado na origem de conflitos em diversas partes do mundo, especialmente nas cidades mais turísticas do planeta, como Nova Iorque, Barcelona ou Amesterdão. E multiplicam-se as medidas e iniciativas para tentar regulamentar esta atividade, em grande expansão em muitas destas cidades. Em algumas das maiores metrópoles do mundo, abundam os arrendamentos ilegais de apartamentos, que já estão a transformar muitos prédios de habitação em autênticos hotéis. Aqui ficam três exemplos de como algumas cidades estão a tentar resolver a questão:

  • Em Barcelona, o turismo é uma realidade que há muito tempo fugiu ao controlo das autoridades. Desde que Ada Colau assumiu a presidência da autarquia pela candidatura Barcelona em Comum, em junho de 2015, que a cidade tem levado a cabo uma forte campanha contra o alojamento local ilegal e sobretudo contra plataformas como o Airbnb ou o HomeAway. No fim do ano passado, os dois portais foram multados em 600 mil euros por publicitarem apartamentos ilegais nas plataformas. Contudo, não foi a primeira vez que a cidade multou aqueles portais: no ano anterior, o Airbnb e o HomeAway tinham sido multados em 30 mil euros pelo mesmo motivo. Durante o verão de 2016, pelo menos 709 imóveis ilegais foram forçados a encerrar a atividade alojamento local pelas autoridades de Barcelona. Além destes dois portais, também dezenas de outros serviços de menor dimensão foram duramente atacados pela autarquia catalã por disponibilizarem para alojamento de curta duração apartamentos sem a licença necessária para o efeito. Aliás, a cidade até já tem uma equipa de fiscalização permanente com cerca de 40 membros, a Unidad de Agentes Cívicos, que todos os dias percorre as ruas de Barcelona a fazer vistorias aos estabelecimentos de alojamento local para verificar a documentação — uma espécie de EMEL dos alojamentos locais.
  • Nova Iorque também já adotou medidas duras contra o alojamento ilegal de curta duração, especificamente quando adotou, em outubro do ano passado, uma lei que proíbe os arrendamentos no Airbnb por menos de trinta dias. A medida já existia desde 2010 na cidade e no ano passado estendeu-se a todo o estado. Resumidamente, a lei nova-iorquina proíbe os proprietários de arrendar uma casa inteira em edifícios com três ou mais apartamentos por períodos inferiores a 30 dias. Esta legislação implica que um potencial hóspede que viaje até à cidade de Nova Iorque apenas por um fim de semana não poderá arrendar um apartamento inteiro num prédio com mais de três habitações. Poderá, apenas, arrendar um quarto individual, uma cama ou outro modelo de habitação partilhada — ou então uma casa inteira que se situe num prédio com menos de três apartamentos ou que seja uma moradia. O objetivo é impedir que os proprietários dos grandes edifícios do centro da cidade os transformem em hotéis ilegais.
  • Em Amesterdão, a política de estadias de curta-duração também é dura. E quem mais sofre com a regulamentação são, novamente, companhias como o Airbnb. Na maior cidade da Holanda, o regime de alojamento local de curta-duração só é permitido para períodos entre sete dias e seis meses. Isto significa que quem quiser ficar em Amesterdão durante um período inferior só o pode fazer num hotel ou noutro estabelecimento turístico do género. Além disso, a autarquia está a planear a implementação de uma plataforma de registo dos utilizadores de plataformas como o Airbnb para ajudar a monitorizar o tempo do arrendamento. Caso seja inferior aos sete dias, o proprietário do imóvel terá de pagar uma multa.
  • Em Copenhaga vai-se mais longe. Na capital dinamarquesa, há mesmo bairros onde se vive uma “revolta contra o turismo”, como descrevia Elizabeth Becker num artigo no New York Times, e onde é proibido vender e arrendar a casa a turistas. Nesses bairros, são os turistas que se adaptam ao estilo de vida local e não a cidade que se orienta em torno do turismo. São as chamadas “zonas de sossego” e até os guias turísticos falam mais baixo quando lá passam.