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Antes de mais, o que é a Euribor?

A Euribor é a taxa de juro de referência na zona euro. Estas taxas são calculadas diariamente com base nas propostas de depósito entre grandes bancos a operar no mercado interbancário europeu. Em Portugal, são populares como indexante no cálculo das prestações de crédito, em particular empréstimo para aquisição de habitações.

São produzidas Euribor para os prazos de uma e duas semanas e um, dois, três, seis, nove e doze meses. Na prática, as Euribor são as taxas a que os bancos da zona euro estão dispostos a emprestar dinheiro entre si para aqueles prazos.

O painel de bancos que emitem propostas para a definição das Euribor é composto por 25 entidades. A Caixa Geral de Depósitos é o único banco português. Barclays, BBVA, Deutsche Bank e Santander são outras instituições de crédito que participam.

As taxas são publicadas com um dia de desfasamento pelo Instituto Europeu do Mercado Monetário, uma associação belga sem fins lucrativos.

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Como é que a Euribor pode ser negativa?

Pela situação do mercado. Os bancos não têm alternativa.

Se forem depositar os seus excedentes de liquidez junto dos bancos centrais da zona euro, os bancos recebem também taxas negativas. Desde junho de 2014 que o Banco Central Europeu decidiu que a taxa de juro a pagar pelos depósitos dos bancos comerciais é inferior a zero. Começou por ser de -0,10% e, em setembro, desceu para -0,20%.

Se os bancos forem comprar dívida de muito baixo risco, como as governamentais, para parquear o seu dinheiro, também perdem dinheiro. As taxas de juro implícitas para a dívida alemã até sete anos são negativas. As Obrigações do Tesouro português também têm retorno negativo até dois anos.

É, por isso, natural que os bancos também paguem entre si valores negativos nos prazos mais curtos.

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Que Euribor já estão negativas?

No início de abril, apenas as Euribor com prazos até um mês atingiram valores negativos.

As Euribor a uma semana e a duas semanas registaram pela primeira vez valores abaixo de zero em setembro de 2014. A Euribor a um mês estreou-se em janeiro de 2015.

A média de março de 2015 da Euribor a uma semana, duas semanas e um mês foi de -0,043%, -0,035% e -0,010%, respetivamente.

Apenas um banco celebra contratos de crédito à habitação com prestações indexadas à Euribor a um mês, embora possa haver contratos feitos com outros bancos que tenham este indexante.

As Euribor a três, seis e 12 meses são mais populares, mas ainda estão afastadas de zero. A média de março de 2015 da Euribor a três, seis e 12 meses foi de 0,027%, 0,097% e 0,212%, respetivamente. Todavia, a tendência de descida mantém-se.

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Que queriam os bancos fazer às prestações com Euribor negativas?

As Euribor são o principal indexante nos contratos portugueses de crédito à habitação.

Face ao risco de Euribor negativas, os bancos queriam limitar o valor das taxas de juro de referência a zero no cálculo das prestações de crédito. Isto quer dizer que, sempre que a Euribor estivesse abaixo de zero, seria considerado um valor nulo.

Na prática, os bancos queriam cobrar, no mínimo, o spread, a margem de lucro que somam ao indexante.

Em comunicado, a Associação Portuguesa de Bancos disse “que constitui um contrassenso ter associado a um crédito – em que é a instituição bancária que presta um serviço ao cliente – uma taxa de juro negativa, pois tal significaria ser o banco a pagar ao cliente pelo empréstimo que lhe concedeu”. Esta associação representa 21 instituições financeiras a operar em Portugal.

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Que modelo defendia a Deco?

Deco – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor defendeu que as Euribor negativas deveriam ser refletidas no cálculo da taxa de juro até ao valor do spread. No mínimo, os clientes bancários deveriam apenas amortizar capital, como explicaram ao Observador.

Para os especialistas da associação, não teria lógica calcular prestações com taxas de juro negativas (em que a Euribor fosse superior, em valor absoluto, ao spread), porque isso quereria dizer que o banco estaria a pagar parte do capital em dívida.

No entanto, é isso mesmo que pode acontecer, depois da decisão do Banco de Portugal.

 

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Como o Banco de Portugal resolveu o assunto?

No final de março passado, o Banco de Portugal esclareceu que a legislação em vigor impede os bancos de colocar mínimos às Euribor nos créditos de particulares. As regras atuais obrigam os bancos a usar a média mensal do indexante, o que exclui qualquer tipo de limitação.

A autoridade monetária enviou uma carta circular às instituições de crédito que indica que, “nos contratos de crédito e de financiamento em curso, não podem ser introduzidos limites à variação do indexante que impeçam a plena produção dos efeitos decorrentes da aplicação desta regra legal”.

Alguns bancos, que incluíram a limitação das Euribor nos seus preçários (como o Millennium bcp, o Montepio e o Santander Totta), terão de retirar as referências à taxa mínima de zero.

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O banco pagará o meu capital em dívida?

Se a média da Euribor que serve de indexante ao seu crédito for negativa no mês anterior ao período de contagem de juro, então o banco terá de pagar parte do seu capital em dívida se o valor da média for superior ao spread em valor absoluto.

É mais fácil perceber através de exemplos. Se a média da Euribor de referência fixar-se em -0,09%, a prestação de um crédito de 100 mil euros a 20 anos com um spread de 0,29% é de 425,09 euros. O cliente bancário amortiza 408,42 euros do capital em dívida e paga 16,67 euros de juros. Paga juros porque a soma da Euribor com o spread é ainda positiva.

Se a Euribor média descer para -0,29%, igualando o spread em valor absoluto, a taxa de juro relevante é nula. Nesse caso, a prestação é de 416,67 euros, que resulta do capital em dívida (100 mil euros) a dividir pelo número de meses até ao final do empréstimo (240 meses).

Se a média da Euribor chegar a -0,5%, a taxa de juro relevante, depois de descontar o spread de 0,29%, é de -0,21%. Assim, a prestação reduz-se para 407,94 euros. Todo este pagamento é para amortizar capital em dívida ao que se acresce uma amortização adicional de 17,50 euros da responsabilidade do banco credor.

Como indicação futura, saiba que, por cada 0,1% de juro negativo (Euribor mais spread), o banco amortiza-lhe 8,33 euros por cada 100 mil euros em dívida, qualquer que seja o prazo. Estes valores são multiplicativos na taxa e no capital. Por exemplo, se a taxa for de -0,2% ou se o capital em dívida for de 200 mil euros, o banco paga-lhe 16,67 euros, que é, em termos arredondados, o dobro de 8,33 euros

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Que podem fazer os bancos para impedir a Euribor negativa?

Se quiserem impedir taxas de juro negativas nos seus créditos à habitação futuros, os bancos podem negociar a limitação com os seus clientes. Isso é possível contratando um instrumento derivado paralelamente ao contrato de crédito à habitação.

Todavia, como esse contrato autónomo tem valor para o banco, os clientes devem exigir contrapartidas. Podem pedir uma remuneração por esse contrato ou um máximo simétrico definido contratualmente. Por exemplo, o contrato paralelo ao crédito à habitação pode limitar a taxa a zero, inferiormente, e a 3%, superiormente. Assim, ficam todos a ganhar.

Os bancos não podem simplesmente adicional uma cláusula ao contrato de crédito à habitação dizendo que a taxa não pode ser negativa. Não é legal.

Para evitar complicações futuras, os bancos podem propor ativamente créditos de taxa fixa. Atualmente, são boas soluções para ambas as partes.

O que se espera que aconteça é que as regras de mercado funcionem sob a tutela da legislação. Os clientes bancários excluirão os contratos que limitem a Euribor a zero sem contrapartidas e preferirão os bancos mais transparentes.

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A taxa dos depósitos a prazo também pode ficar negativa?

Não.

Em 2009, o Banco de Portugal emitiu um aviso ao setor financeiro em que diz que “qualquer que seja o modo de determinação da taxa de remuneração de um depósito, esta não pode, em quaisquer circunstâncias, ser negativa”.

Pode aforrar descansadamente o seu dinheiro junto do banco.