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Qual a data prevista para a conclusão da investigação?

Não há uma data exata. Apenas se sabe que Amadeu Guerra, diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), deu 30 dias ao procurador Rosário Teixeira para explicar o atual estado dos autos e assegurar uma data célere para a elaboração do despacho final de inquérito.

A ordem de Amadeu Guerra surgiu no seguimento de um relatório do inspetor Paulo Silva, onde é manifestado o seu descontentamento com a estratégia do Ministério Público (MP) de produzir uma acusação a curto prazo e dividir a prova que ficasse de fora em novos inquéritos contra Sócrates e outros envolvidos na Operação Marquês.

Silva disse mesmo no seu relatório que a investigação só deveria estar concluída em setembro do próximo ano. Amadeu Guerra discorda desse prazo e quer maior celeridade na conclusão da investigação. Tendo em conta o prazo que Guerra deu a Rosário Teixeira para apresentar explicações (30 dias), e a data do despacho do diretor do DCIAP (11 de novembro), podemos dizer que a investigação não deverá estar concluída até ao próximo dia 11 de dezembro. Se tivermos em conta o que falta fazer (ver pergunta 6), é provável que este processo apenas seja encerrado no início do próximo ano.

Nota: O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) é um serviço do Ministério Público (MP) que investiga a criminalidade mais complexa. O DCIAP é um órgão da Procuradoria-Geral da República (PGR), sendo que a PGR gere e representa a cúpula do MP e é responsável pela gestão desta magistratura.

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O DCIAP é obrigado a concluir a investigação agora?

Não. O MP só seria obrigado a emitir o despacho final de inquérito caso José Sócrates, ou outro arguido, estivessem presos preventivamente num estabelecimento prisional ou em casa – o que não acontece. E mesmo assim, só se o MP quisesse evitar a extinção automática dessa medida de coação privativa de liberdade, o que aconteceria caso a investigação não fosse concluída um ano após o início da prisão preventiva do arguido detido.

Se fosse essa a situação, Rosário Teixeira seria obrigado a terminar a investigação entre o dia 21 a 24 de novembro. Escrevemos neste intervalo porque não há unanimidade entre os juristas sobre quando começa a contar o prazo da prisão preventiva – há jurisprudência nos dois sentidos. Se a partir da detenção (Sócrates foi detido a 21 de novembro de 2014 no aeroporto da Portela) ou da decisão para a prisão preventiva (o juiz Carlos Alexandre decretou essa medida de coação a 24 de novembro de 2014).

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O processo está atrasado?

É uma pergunta que não tem uma resposta fácil. Se compararmos com outros processos mediáticos de criminalidade económico-financeira complexa, como a Operação Furacão (iniciada em 2005 e cujas últimas acusações saíram em outubro e novembro deste ano), a Operação Monte Branco (processo aberto em junho de 2011 e que ainda continua em investigação) ou dos submarinos (iniciou-se em 2005 e foi arquivado em dezembro de 2014), podemos dizer que não.

Casos menos complexos, como o caso Portucale (iniciou-se em fevereiro de 2005 e teve acusação em Julho de 2007) ou até mesmo o caso Isaltino (iniciou-se em 2002 e teve acusação em janeiro de 2006) também tiveram investigações demoradas. Já o caso Vistos Gold, que teve uma equipa de quatro procuradores a partir de determinada fase, iniciou-se em 2013 (tal como a Operação Marquês) e teve acusação esta semana. Também é verdade que nenhum destes processos tinha um ex-primeiro-ministro como principal alvo.

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Porque razão a Autoridade Tributária (AT) está na Operação Marquês?

Além de cobrar impostos e perseguir quem foge às suas responsabilidades fiscais, a Autoridade Tributária (AT) é igualmente um órgão de polícia criminal em processos onde estejam a ser investigados crimes tributários, como é o caso.

José Sócrates, Carlos Santos Silva e outros arguidos são suspeitos de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais — neste último caso trata-se de um crime conexo com a ocultação de rendimentos e, consequentemente, com a receita fiscal que o Estado não cobrou. Assim, a AT está a desempenhar um papel que costuma pertencer à Polícia Judiciária (PJ), coadjuvando o procurador Rosário Teixeira na investigação do caso.

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E porquê a AT de Braga?

A explicação reside exclusivamente na grande confiança que Rosário Teixeira tem na competência e capacidade de trabalho de Paulo Silva, o inspetor tributário da AT de Braga. Essa confiança começou a ser construída na Operação Furacão — processo onde foram investigados sistemas de planeamento fiscal, que promoviam a evasão fiscal de algumas das principais empresas nacionais e que eram vendidos pelo BES, BCP, BPN e outros bancos como um produto bancário regular.

Foi precisamente a AT de Braga e a equipa de Paulo Silva que descobriu a ponta do iceberg daquele caso e que levou o DCIAP a recolher mais de 200 milhões de euros em receita fiscal. Acresce que Rosário Teixeira tem um problema de falta de confiança na PJ desde há vários anos. Paulo Silva tem um papel essencial na Operação Marquês. Não só foi a única pessoa a ouvir as escutas telefónicas a José Sócrates e aos principais arguidos durante largo tempo, como conhece os autos de fio a pavio e tem um know-how específico sobre o mundo financeiro que é muito útil para o MP.

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Porque razão estas investigações demoram tanto tempo?

Essencialmente porque os crimes económicos sob suspeita implicam esquemas de engenheira financeira que passam por inúmeras transferências bancárias entre sociedades sediadas em paraísos fiscais. É necessário reconstituir todo o circuito do dinheiro e identificar os verdadeiros beneficiários das contas bancárias e das sociedades offshore.

Para tal, é necessário a cooperação judiciária internacional de países europeus como a Suíça, Reino Unido ou Luxemburgo mas também de paraísos fiscais como as Ilhas Virgens Britânicas ou as Bahamas, entre muitos outros. Nem todos os países costumam colaborar (nomeadamente os paraísos fiscais) e muito menos respondem de forma rápida.

Os pormenores das contas bancárias de Carlos Santos Silva foram pedidos no verão de 2013 e chegaram a Portugal no decorrer de 2014. Por outro lado, existe ainda a questão dos meios. De forma a proteger a confidencialidade da investigação, apenas o procurador Rosário Teixeira e o inspetor Paulo Silva tiveram contacto com os autos. Verificou-se, entretanto, um reforço de procuradores e inspetores tributários, mas ainda estão por analisar 5.540.127 ficheiros informáticos (com 2.747 GB de informação), 1.881 documentos/dossiê em papel, 188 apensos bancários a que correspondem 133.815 registos bancários.

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Mas se prenderam José Sócrates durante 9 meses, certamente que tinham provas fortes?

A prisão preventiva não significa que o arguido é culpado – nem representa uma espécie de pré-julgamento. José Sócrates e os restantes arguidos tiveram o mesmo tratamento que outros arguidos de processos mediáticos têm tido.

É normal a prisão preventiva de arguidos durante uma investigação criminal e sem que a mesma esteja concluída. Essa medida de coação apenas é decretada por um juiz de instrução criminal, sob proposta do MP, e verifica-se para acautelar o sucesso da investigação.

Por exemplo, um suspeito pode ser detido preventivamente se destruir prova ou se tentar influenciar testemunhas essenciais para a investigação, ou se existirem indícios de que estará a planear a fuga para o estrangeiro ou ainda se existir o perigo de continuidade da prática criminosa que lhe é imputada, mesmo depois de ter sido constituído arguido. José Sócrates foi preso preventivamente por perigo de fuga, continuidade da atividade criminosa e perturbação de inquérito.

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De que forma será a investigação concluída?

Através da emissão do despacho final de inquérito. Este documento processual só pode ser emitido pelo MP enquanto titular da ação penal e através do procurador titular dos autos. Neste caso, pelo procurador-geral adjunto Rosário Teixeira. Geralmente, o despacho final é precedido de um relatório final do órgão de polícia criminal onde são relatadas as principais conclusões e, em alguns casos, são feitas recomendações ao MP.

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O que é o despacho final de inquérito?

É um documento que pode dividir-se em três partes:

  • os arquivamentos: todas as suspeitas que não se confirmaram no final da investigação ou para as quais não foi possível recolher prova cabal, são arquivadas. Caso as mesmas tenham dado lugar à constituição de arguidos, estes são informados de que o caso contra eles foi encerrado;
  • a extração de certidões: as suspeitas para as quais existam fortes indícios, mas que não têm a ver com o núcleo essencial da acusação, são remetidas para um novo inquérito criminal autónomo. Toda a prova recolhida é transmitida a esse novo processo;
  • a acusação: são identificadas todas as pessoas individuais e coletivas contra as quais o MP produz acusação, descritos os crimes alegadamente praticados e explicadas em pormenor todas as provas que o MP entende ter recolhido contra os arguidos.
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A imagem do DCIAP sai beliscada por não proferir o despacho agora?

Sim, porque o prazo para o final de inquérito já terminou como Rosário Teixeira admitiu perante o diretor do DCIAP – e porque era essa a expectativa inicial que o DCIAP deixou que fosse alimentada na comunicação social.

Particularmente quando a própria PGR emitiu um comunicado em setembro, a propósito da saída de José Sócrates do Estabelecimento Prisional de Évora, onde afirmava que a prova estava consolidada.

Esta posição foi precisamente a que o MP assumiu nos autos aquando da avaliação do juiz Carlos Alexandre sobre a passagem do ex-primeiro-ministro à situação de permanência na habitação com vigilância policial. Refira-se, contudo, que Amadeu Guerra pode prorrogar o prazo para Rosário Teixeira concluir a investigação. Para já, entendeu não o fazer, optando por pedir apenas explicações sobre o estado atual dos autos.

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O que podem fazer o diretor do DCIAP ou a PGR para pressionarem o final da investigação?

O MP é uma magistratura hierarquizada. Significa isto que os procuradores adjuntos, procuradores da República e procuradores-gerais adjuntos estão enquadrados numa estrutura hierárquica e estão obrigados a acatar ordens dos superiores hieráquicos.

No caso da Operação Marquês, Amadeu Guerra pode avocar o processo (chamar a si a titularidade dos autos) enquanto diretor do DCIAP e delegar a tarefa noutro procurador, como pode ordenar a Rosário Teixeira que termine a investigação em determinado prazo. Em última instância, a procuradora-geral Joana Marques Vidal também pode emitir as mesmas ordens.

A lei permite isso, pois um procurador não é independente face aos seus superiores hierárquicos. Já um juiz de direito é titular de um órgão de soberania e goza de independência, não podendo receber ordens seja de quem for durante a apreciação do processo. Recorde-se que, e tal como o Observador noticiou em exclusivo esta quarta-feira, Amadeu Guerra recusou avocar o processo no dia 11 de novembro e deu 30 dias a Rosário Teixeira para explicar o que se passa com os autos.

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Quais as consequências para a procuradora-geral Joana Marques Vidal?

Fica sujeita a uma maior pressão de José Sócrates e de alguns setores do PS que são próximos do ex-primeiro-ministro — o que, no cenário político atual, com os socialistas a chegarem ao governo, não é negligenciável.

Este processo não é um caso qualquer. É histórico por envolver um ex-primeiro-ministro e por o mesmo ter sido preso preventivamente durante cerca de nove meses. Qualquer falhanço do MP será diretamente cobrado à sua líder: Joana Marques Vidal. Tal como uma vitória (leia-se condenação em primeira instância) ser-lhe-á creditada no seu currículo como PGR.

Contudo, mesmo no caso de derrota não é crível que Joana Marques Vidal possa ter o seu mandato posto em causa. O mandado tem a duração de seis anos e só termina em outubro de 2018. Mesmo a pressão de um futuro governo PS dependerá muito da influência que Sócrates ainda tenha junto da liderança socialista. E aqui temos que recordar que António Costa sempre negou comentários sobre o processo, separando claramente as águas e recusando qualquer espécie de leitura de perseguição política ao PS por parte da Justiça. Estas posições enfureceram José Sócrates — que alegava precisamente a tese do “processo político” e estava à espera da proteção do seu partido — e afastaram aqueles que foram aliados políticos internos na ascensão de Sócrates à liderança socialista.