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O que é o Código do Procedimento Administrativo?

O Código do Procedimento Administrativo (CPA) regulamenta o relacionamento entre a Administração Pública e os cidadãos e empresas. É nele que se definem os atos e formalidades que têm de ocorrer para que os diversos órgãos da Administração Pública, desde as Finanças até às juntas de freguesia, possam exercer os respetivos poderes de autoridade.

O objetivo da legislação passa, por exemplo, a obrigar a Administração Pública a decidir com celeridade, responsabilizando-a diretamente por atrasos na resposta a cada cidadão ou empresa.

Pretende, assim, tornar a Administração Pública mais eficiente, económica e célere, mas também mais democrática, mais transparente, mais isenta, imparcial e simplificada.

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A quem e como se aplica?

A todas as entidades que prestam um serviço público, das Finanças à Segurança Social, passando pelo organismo que emite a carta de condução ou o cartão do cidadão, até mesmo a uma associação instituto público. Abrange, claro, os atos praticados pelas autarquias locais e regiões autónomas, os reguladores e até empresas privadas concessionárias de um serviço público – como as  que gerem as auto-estradas, hospitais, etc.

A estas entidades são aplicáveis também outros princípios gerais — como da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade ou da imparcialidade, apenas para enumerar alguns exemplos.

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O que muda? Ponto 1: Decisões em conjunto

O regime das conferências procedimentais — que pode ajudar até a tramitação dos procedimentos já em curso –, abre portas a maior celeridade dos procedimentos administrativos mais complexos. O objetivo é, acima de tudo, reduzir o peso da burocracia, potenciando a simplificação administrativa.

Trata-se de um instrumento novo que pretende evitar que os particulares se percam nas teias burocráticas da Administração Pública. Imagine, por exemplo, o caso de um pedido de licenciamento numa zona protegida, ou de construção de uma fábrica num concelho específico: em vez de existir um pedido que passa, um a um, por cada entidade (como a câmara, o Ministério e outros organismos responsáveis), com prazos para cada uma destas intervenções, o pedido passa a poder ser analisado em conferência, o que implica que a decisão ou decisões sejam tomadas em reuniões entre os representantes de cada um dos organismos. Os participantes podem, de resto, reunir-se presencialmente ou por videoconferência.

Isto acontecerá quer para a deliberação, quer em termos de coordenação de decisões, que se encontrem distribuídas por diferentes órgãos da Administração Pública.

O arranque deste tipo de procedimento obrigará ainda à publicação de regulamentos que estabeleçam as regras sobre os poderes, deveres e ónus dos órgãos participantes. Quando o regime de determinado tipo de conferência já estiver definido, esta pode ser realizada a pedido de um interessado, sendo obrigatório convocar a primeira reunião no prazo de 15 dias.

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Para investidores: como saltar passos?

Este mecanismo já se encontrava previsto de forma especial, por exemplo, na legislação urbanística, mas é agora alargado. Do que aqui se trata, no essencial, é de permitir que não seja preciso que um órgão público emita um papel para que um processo tenha andamento, com valor legal.

No fundo, basta que o cidadão ou empresa, através de uma comunicação formal, se responsabilize pelo ato, afirmando que se encontram reunidos os pressupostos legais previstos para a produção dos efeitos que pretende.

Dito de outra forma: em certos casos, a Administração Pública não terá de verificar previamente se a pretensão do cidadão é legal e regulamentarmente válida. É este que assume a responsabilidade pela verificação da legalidade da sua pretensão e só depois da sua concretização, numa fiscalização posterior, a Administração irá apurar se a mesma é, efetivamente, legal. Este mecanismo visa uma maior celeridade e eficiência do procedimento, bem como uma simplificação do controlo administrativo.

Daqui resultará, em teoria pelo menos, uma potencial atração por parte de investidores estrangeiros, que acabam por não ter tanto receio de burocracias e entraves desmedidos aos projetos que possam pretender implementar em solo português.

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Como aproveitar as comunicações digitais?

O Código elege, como via preferencial, a utilização de meios eletrónicos para formalizar procedimentos administrativos – o que será bastante mais utilizado quando for implementado o balcão único eletrónico, prometido pelo Governo. A Administração Pública quer, com isto, facilitar o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres, bem como simplificar e agilizar o acesso dos interessados ao procedimento e à informação.

Um alerta: a primeira vez que o particular se relaciona com a Administração Pública terá que dizer se quer ou não a utilização de meios eletrónicos, ou o correio, avisou já Fausto Quadros, o especialista que ajudou a preparar esta legislação.

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Os privados têm mais garantias na relação com Administração?

Ao contrário do que decorre do preâmbulo (e do que, aparentemente, se poderia à primeira vista pensar…), verifica-se um recuo em algumas garantias dos particulares na relação com a Administração.

Embora haja um reforço dos princípios subjacentes a essa relação (e que, à partida, ambas as “partes” têm que respeitar), o certo é que há diversas normas do Código que vão contra esta suposta “proteção jurídica” dos particulares. Como exemplos, destacamos:

  • Os atos ilegais – que permitem ao Estado cobrar multas aos cidadãos ou empresas – passam a poder ser revogados pela Administração até um prazo de cinco anos (quando, atualmente, tal prazo é de um ano);
  • A revogação, pela Administração, de atos constitutivos de direitos passa a poder ser realizada no prazo de um ano a contar da superveniência ou da alteração das circunstâncias (podendo, ainda, ser alargada por mais dois anos);
  • A restrição, face àquilo que previa o anterior Código, dos casos em que se pode verificar a recusa tácita (deferimento) de um pedido.

Conclusão: nalgumas matérias reguladas pelo Código, os direitos, garantias e segurança jurídica dos particulares acabam por resultar mais desprotegidos face ao que previa o anterior Código.

Fausto de Quadros, o autor da proposta de Código que foi implementada pelo Governo, justificou uma destas alterações com algumas decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia e lembrou um caso específico: “A injustiça que resultou de o Estado português não ter conseguido invalidar apoios dados através do Fundo Social Europeu que foram utilizados de forma fraudulenta, porque quando tal foi conhecido já tinha passado mais de um ano da respetiva atribuição.”

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Que poderes perde o Estado no relacionamento com os particulares?

  • Salvo em situações específicas e excecionais expressamente previstas na lei, a revisão feita no Código vem extinguir a figura do privilégio da execução prévia. Daqui resulta que, ao contrário do que sucedia e vinha sendo tradição no procedimento administrativo português, a Administração deixa de poder impor coercivamente a execução de obrigações – nomeadamente, aos particulares – no caso de estes não as cumprirem voluntariamente.
  • A Administração passa a ver-se na necessidade de se socorrer dos tribunais com vista à obtenção de um título executivo para fazer essa cobrança. Trata-se de uma medida verdadeiramente “revolucionária” no direito administrativo português e que, além de potenciais questões de índole constitucional que possa suscitar, acarretará, certamente, dificuldades e consequências de aplicação prática, diária, cuja antevisão é impossível realizar.
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Em síntese, o que ganham os cidadãos?

  • Quer os cidadãos, quer as empresas, podem ver promovida a celeridade com que os procedimentos administrativos complexos são decididos — os quais, muitas vezes, envolvem uma teia de diferentes organismos responsáveis, quer pela coordenação, quer pela decisão –, pois torna-se agora possível, através das conferências procedimentais, a tomada de decisão através da prática de um único ato;
  • Consegue-se que haja um prazo geral para a Administração decidir um procedimento de iniciativa particular: 90 dias, prorrogáveis, por motivos fundamentados, por um ou mais períodos, até ao máximo de 90 dias;
  • Com o novo Código, passará a ser possível responsabilizar a Administração Pública pelos atrasos nas respostas. Se uma decisão não for tomada dentro de um prazo razoável, poderá ser requerido um pagamento à Administração pelos prejuízos causados. O montante das indemnizações ficará ao cargo dos tribunais administrativos.
  • A utilização de meios eletrónicos nos procedimentos administrativos pode contribuir para facilitar o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres, bem como simplificar e agilizar o acesso dos interessados ao procedimento e à informação;
  • Pela negativa, nalgumas matérias reguladas pelo Código, verifica-se um recuo nos direitos, garantias e segurança jurídica dos particulares, os quais acabam por resultar mais desprotegidos face ao que previa o anterior Código.

O novo diploma prevê também que, num prazo de um ano, seja elaborado um guia de boas práticas, para orientar a Administração Pública e definir padrões de conduta.

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Já agora, como é que isto se reflete no dia a dia?

O exemplo foi dado pelo Público – e vale a pena recuperá-lo: Imagine que acabou um curso superior e quer continuar os estudos no estrangeiro, onde já conseguiu uma vaga. Se precisar de se candidatar a uma bolsa, terá sempre que pedir à sua universidade um certificado do curso. Agora imagine que os serviços daquela demoram tanto tempo a passar o documento que inviabilizam a sua candidatura.

A partir daqui, essa instituição pode passar a ser responsabilizada por isso. E obriga a aceitar como válida uma comunicação via email, por exemplo.

 

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E o que ganham as empresas?

  • Através da comunicação prévia, o interessado responsabiliza-se, afirmando perante a Administração Pública que se encontram reunidos os pressupostos legais previstos para a produção do ato que pretende, sem que aquela tenha de verificar logo a legalidade da sua pretensão. E só depois da sua concretização, numa fiscalização posterior, é que irá apurar se a mesma é, efetivamente, legal. As empresas, quer as nacionais, quer as estrangeiras, que pretendam investir em Portugal, podem acabar por antecipar uma redução de burocracias e entraves aos projetos, através da eventual redução de custos de contexto;
  • Em qualquer dos casos, a Administração Pública pretende reduzir o peso da burocracia e potenciar a simplificação administrativa.
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Que dúvidas tem?

Envie-nos as perguntas que lhe sobram sobre as mudanças no CPA. O Observador, com a ajuda da PLMJ — que preparou este Explicador, prontifica-se a ajudá-lo.