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O que é e por que ocorre a trovoada seca?

A meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) Maria João Frada explicou ao Observador que a trovoada seca é a ocorrência de trovoada sem aguaceiros.

Este fenómeno ocorre devido a nuvens de desenvolvimento vertical, de nome cumulonimbos, “responsáveis pelos aguaceiros e trovoadas”. Situação que ocorreu ontem e cuja probabilidade de ocorrer este domingo é “relativamente elevada”, explica Maria João Frada ao Observador.

“A base destas nuvens está a um nível muito elevado na atmosfera e, abaixo da base, o ar está muito seco, a humidade é muito baixa e as temperaturas estão muito elevadas”, afirma a meteorologista.

Estas nuvens de desenvolvimento vertical podem levar a aguaceiros e trovoada, a apenas aguaceiros ou a trovada seca (trovada sem aguaceiros). “A precipitação, que poderá chegar ao solo, evapora-se no trajeto, porque está muito quente ou pode acontecer que não haja sequer precipitação, mas haja trovoada. Isso é a trovoada seca”, acrescenta.

Cumulonimbo é uma nuvem de desenvolvimento vertical. Fonte: Hussein Kefel / Wikipedia

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O que distingue a trovoada seca das outras trovoadas?

Maria João Frada explica que a trovoada seca “não tem precipitação associada” enquanto que as outras trovoadas têm aguaceiros e trovoadas.

“Normalmente, as trovoadas estão associadas aguaceiros, porque resultam de nuvens responsáveis por trovoada e precipitação”, explica a meteorologista.

 

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Quando costumam acontecer as trovoadas secas?

A meteorologista refere que as trovoadas secas ocorrem com “alguma frequência” e em particular “no verão” porque as “temperaturas estão muito altas e o ar está mais seco”.

A humidade relativa do ar, que indica a quantidade de água no estado gasoso presente no ar a determinada temperatura, pode descer abaixo dos 10% quando se verifica este fenómeno. É por isso que a atmosfera absorve a água da chuva (quando ocorre), impedindo que ela chegue ao chão.

Humidade relativa mínima do ar este domingo, dia 18 de junho de 2017. Zonas mais escuras correspondem ao ar mais seco. Fonte: IPMA

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É normal as trovoadas secas provocarem incêndios?

A meteorologista do IPMA diz que é “normal” as trovoadas secas provocarem incêndios e poderá ter sido isso que aconteceu no concelho de Pedrógão Grande. “Em alguns locais pode ter havido trovoada seca e o relâmpago é que dá origem ao incêndio”, refere Maria João Frada.

A meteorologista explica que conjugar “a secura e as temperaturas elevadas com a trovoada seca é muito mais preocupante do que se estivesse só calor”, uma vez que “agrava as condições meteorológicas para a deflagração de incêndios”.

Paulo Fernandes, engenheiro florestal e professor do Departamento de Ciências Florestais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, adianta ao Observador que os incêndios provocados por trovoada seca ocorrem em “locais de maior altitude e menos acessíveis”, ao contrário do que acontece com os incêndios provocados pelos homens, que têm lugar junto a “populações e estradas”.

“São ignições dispersas no território e, muitas vezes, são focos simultâneos. Neste caso, foram dois incêndios separados que depois se juntaram. Essa junção teve lugar na estrada onde ocorreram as mortes”, afirma o especialista.

O diretor do Departamento de Meteorologia e Geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera explicou à Lusa que as altas temperaturas, as trovoadas secas e a extensão das frentes de fogo estão a potenciar o incêndio que deflagrou no concelho de Pedrógão Grande.

“O calor que tivemos ontem [sábado], que tivemos anteontem [sexta-feira], e que vamos ter hoje e amanhã… Temos uma situação em que está tudo muito quente, em que nos dá uma capacidade de termos trovoadas que podem no terreno começar a fazer um incêndio. E a situação neste momento é quase incontrolável. Tenho estado em contacto com a Proteção Civil e é muito difícil de conseguirmos parar o incêndio”, afirmou Pedro Viterbo.

Para o especialista, estas condições meteorológicas estiveram na origem do incêndio que deflagrou ao início da tarde de sábado, numa área florestal em Escalos Fundeiros, em Pedrógão Grande, e que alastrou aos municípios vizinhos de Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos.

“Ontem [sábado] tivemos uma situação com o dia mais quente deste ano, e ainda estamos em junho. Provavelmente, este dia (…) será um dos dias mais quentes do ano, porque ainda falta julho e agosto, e essas condições potencializam a continuação do fogo”, salientou o diretor deste departamento do IPMA.

Para Pedro Viterbo, a extensão dos três concelhos e a mancha florestal envolvente agravam o combate ao incêndio. “Tendo sido aceso o fogo, não há neste momento uma capacidade rápida de apagar o fogo. A zona é muito grande, são três municípios que estão cheios de carros de bombeiros, cheios de ajudas, mas é uma zona muito grande para conseguir controlar”.

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De que forma um relâmpago pode provocar um incêndio?

A resposta está na temperatura da descarga elétrica. Os relâmpagos ocorrem numa fração de segundo mas atingem temperaturas na ordem dos 20 mil graus Celsius, o que é quatro vezes mais do que a temperatura da superfície do Sol (5.500ºC).

O raio que atingiu uma árvore em Escalos Fundeiros este sábado à tarde facilmente fez arder a madeira e o mato seco em volta. A temperatura ambiente acima dos 40ºC associada à baixa humidade do ar e ao vento forte fizeram com que as chamas se propagassem rapidamente.

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Região afetada pelo incêndio dificulta o combate?

O engenheiro florestal Paulo Fernandes refere que a região afetada pelo incêndio é “bastante complicada para combater incêndios”.

“É um terreno bastante acidentado, com declives muito pronunciados e vales relativamente fundos — é uma zona montanhosa. É uma região com muita floresta e pouca agricultura, tratando-se essencialmente de eucalipto”, explica o professor do Departamento de Ciências Florestais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

O especialista refere ainda que o cenário “podia ter sido pior” se a vegetação estivesse mais seca”. “A folhagem ainda está bastante verde e ainda tem bastante água”.

A investigadora do Instituto Superior de Agronomia (ISA), Manuela Raposo Magalhães, também destaca o facto de as florestas portuguesas serem compostas sobretudo de pinheiro bravo e eucalipto, ambos “altamente combustíveis”.

“Desde há décadas, sobretudo a partir dos anos 60, que o que temos estado a fazer é cobrir o país de eucalipto e pinheiro bravo e a eliminar tudo aquilo que são os vazios, como terrenos agrícolas, que permitiriam que quando ardesse, não ardesse tudo a eito”, explica a arquiteta paisagista.

“O que temos estado a fazer são políticas verdadeiramente incendiárias”, acrescenta a especialista.

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Teria sido possível prevenir esta catástrofe?

O engenheiro florestal Paulo Fernandes refere ao Observador que deviam existir mecanismos “não só para o combate inicial a estes fogos, mas também medidas dirigidas à população”.

“Face a esta conjuntura, o nosso sistema de proteção civil devia estar preparado para ter medidas especiais de vigilância de forma a que qualquer ignição seja apagada o mais cedo possível”, defende o professor no Departamento de Ciências Florestais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Paulo Fernandes refere que, tendo em conta a existência de “dois incêndios com uma estrada a meio”, a circulação na estrada “devia ter sido encerrada o mais rapidamente possível”.

O especialista refere também a importância de mecanismos de aviso à população. “Os mapas que existem nos sites meteorológicos mostram as massas de ar, o que está previsto e que zonas vão ser afetadas”, acrescenta.

Manuela Raposo Magalhães, investigadora do ISA, destaca ainda a importância de haver uma política de ordenamento de território para controlar os incêndios florestais. “Há muita coisa a fazer em termos de ordenamento de território e não é nada do que se tem vindo a fazer”.

“Quando se olha para floresta só em termos de combate aos incêndios, está a alimentar-se o enorme negócio do combate, que nem sempre funciona porque não há prevenção”, acrescenta.

O que fazer então? “O eucalipto e o pinheiro bravo não podem ter a dimensão que têm hoje em dia em Portugal”, defende Manuela Raposo Magalhães.

A especialista afirma que é importante “diversificar” e “usar folhosas”, isto é “árvores de folha caduca que tem mais humidade na sua composição e não ardem como o pinheiro bravo e o eucalipto” como os carvalhos e os castanheiros. Destaca ainda necessidade de se criar locais de agricultura, de modo a funcionar “como tampão à mata”, e fazer uma “compartimentação da mata”. “Criar pequenos compartimentos com linhas que são ou vazios, com pastagens ou agriculturas, ou com árvores de folha caduca como os sobreiros — quando têm cortiça, os sobreiros são considerados retardadores de incêndios –, de maneira que o fogo não progrida nem com esta velocidade nem com esta dimensão”.

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O que se espera para as condições meteorológicas nas próximas horas e nos próximos dias?

Maria João Frada explica que as condições meteorológicas irão manter-se, isto é, o calor e a secura irão continuar e “mantêm-se as condições para a ocorrência de trovoada seca”.

A probabilidade de ocorrência de trovoada seca torna-se menos provável a partir de terça-feira, dia 20 de junho. A partir de dia 21, haverá uma “descida de temperatura máxima”, em particular no litoral oeste.

Pedro Viterbo, diretor do Departamento de Meteorologia e Geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, explicou ainda à Lusa que o dia de hoje vai ter temperaturas mais baixas, mas isso não será suficiente para atenuar o evoluir das chamas.

“Hoje é um dia menos quente e isso pode, abrandar a situação um pouco, mas a extensão é tão grande, são três municípios com uma extensão enorme, e não me parece que seja possível termos uma situação em que isto vai acabar daqui a uma hora. Não. As coisas vão prolongar-se. Principalmente Pedrógão Grande é a zona mais difícil, neste momento”, relatou Pedro Viterbo.