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Carles Puigdemont vai estar presente no debate de investidura desta terça-feira?

Muito provavelmente não.

No dia 30 de outubro, menos de 72 horas depois de o parlamento da Catalunha ter declarado a independência da região à revelia de Madrid e dos tribunais, Carles Puigdemont fugiu para Espanha juntamente com vários membros do seu governo, que entretanto fora destituído.

Apenas depois de Carles Puigdemont e os ex-conselheiros terem chegado à Bélgica, a Procuradoria-Geral espanhola apresentou queixa contra o político catalão, pelos crimes de sedição, desvio de fundos e rebelião. Puigdemont pediu que fosse ouvido pela justiça espanhola a partir da Bélgica — e como os tribunais não acederam ao seu pedido, o ex-presidente da Generalitat por lá continuou.

O problema de Carles Puigdemont é que para que a sua tomada de posse seja oficializada e legalmente reconhecida existe a condição incontornável de que se apresente no parlamento regional na sessão de investidura, marcada para esta terça-feira às 15h00 locais (14h00 de Lisboa). E, já se tem escrito várias vezes, no momento em que puser os pés em Espanha, Puigdemont será no mínimo detido para enfim depor a um juiz e muito provavelmente colocado em prisão preventiva — como ainda permanece Oriol Junqueras, o seu antigo número dois, e Joaquim Forn, ex-conselheiro do Interior da Catalunha.

Por isso, a hipótese de Carles Puigdemont vir a ser investido esta terça-feira não é apenas um problema jurídico: é também um problema logístico, uma vez que, a acontecer, muito provavelmente o depoimento perante o juiz levaria várias horas (foi assim no caso de Oriol Junqueras e dos outros ex-conselheiros que não fugiram para a Bélgica) e, na improvável decisão de poder sair em liberdade após pagamento de caução, muito dificilmente chegaria a tempo de estar presente na sessão de investidura.

Por tudo isto, é muito improvável que Carles Puigdemont apareça esta terça-feira na sessão de investidura do parlamento regional da Catalunha. Mas isso não quer dizer que o ex-presidente da Generalitat — cuja lista Juntos Pela Catalunha foi a mais votada entre os partidos independentistas, cujos deputados todos somados formam uma maioria absoluta — esteja disposto a afastar-se.

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O que quer Carles Puigdemont?

Carles Puigdemont quer voltar a ser presidente do governo regional da Catalunha, uma vez que o seu nome foi proposto pelo novo presidente do parlamento catalão, Roger Torrent, para ser candidato à presidência da Generalitat. Na base desta decisão está o facto de os partidos independentistas terem conseguido uma maioria absoluta nas eleições de 21 de dezembro, sendo que o Juntos Pela Catalunha de Carles Puigdemont foi o mais votado entre aqueles que querem sair de Espanha. Por essa razão, há sinais políticos de que terá o apoio dos partidos independentistas.

O problema de Puigdemont é que a informação a reter neste caso não se fica pelo primeiro parágrafo desta resposta, já que o seu regresso a Espanha resultaria na sua detenção.

Ainda assim, o candidato a presidente da Generalitat endereçou uma carta ao presidente do parlamento regional, dizendo que de acordo com o regulamento do parlamento da Catalunha tem “o direito de assistir aos debates e às votações do plenário” e que tem “imunidade com o efeito concreto” de que não pode “ser detido a não ser em caso de delito flagrante”.

Carles Puigdemont pedia então a Roger Torrent que adotasse “as medidas necessárias para salvaguardar os direitos e prerrogativas do parlamento e do conjunto dos seus membros”.

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O que diz a justiça espanhola sobre tudo isto?

Em vésperas da sessão de investidura do parlamento regional da Catalunha, o Tribunal Constitucional respondeu a uma queixa apresentada pelo governo de Mariano Rajoy, que queria impugnar a proposta de candidatura de Carles Puigdemont ao cargo de presidente do governo regional da Catalunha e a sua participação na sessão plenária desta terça-feira, mesmo que remotamente, a partir da Bélgica.

A decisão do Tribunal Constitucional não esteve 100% ao lado da reclamação de Rajoy — mas isso não representa automaticamente uma vitória para Puigdemont.

Em suma, o Tribunal Constitucional deu razão ao governo e ditou que Carles Puigdemont não podia ser investido à distância, mas não deu luz verde a que a sessão de investidura em que o líder do Juntos Pela Catalunha é candidato à presidência fosse cancelada. Ou seja: se por um lado requer que a investidura seja presencial, o Tribunal Constitucional reconhece a Puigdemont os seus direitos políticos, uma vez que ainda não respondeu perante a Justiça.

Embora a decisão favoreça por um lado Mariano Rajoy e por outro Carles Puigdemont, o valor prático dela resulta numa armadilha para o catalão. Ao reconhecer a Puigdemont o direito de ser investido mas exigindo a sua presença na sessão para que isso aconteça, o Tribunal Constitucional está a dizer-lhe para ir para Espanha se quer ser presidente. E, como já escrevemos, se Carles Puigdemont for a Espanha, será detido para depor perante um juiz e provavelmente colocado em prisão preventiva.

Quanto à possibilidade de Carles Puigdemont ficar em prisão preventiva, convém sublinhar que ela não passa disso: uma possibilidade. Porém, atendendo ao contexto e às recentes decisões do Tribunal Constitucional, é uma possibilidade bastante provável.

Isto porque, perante os vários pedidos de liberdade condicional feito por parte de Oriol Junqueras (ex-vice-presidente do governo da Catalunha), de Joaquim Forn (ex-conselheiro da Agricultura), de Jordi Sánchez e de Jordi Cuixart (presidentes das ONG independentistas ANC e Òmnium, respetivamente), a justiça espanhola negou-lhes sempre uma saída da prisão.

Tendo em conta esse cenário, o mais provável é que o juiz entenda que Carles Puigdemont deva ser colocado em prisão preventiva, uma vez que foi ele o principal responsável político pelo processo independentista e também porque fugiu para a Bélgica para prevenir uma investida da Procuradoria-Geral e da justiça espanhola.

Seja como for, o caso ainda pode mudar de figura, uma vez que o governo de Mariano Rajoy já anunciou a intenção de recorrer da decisão do Tribunal Constitucional. Porém, até à data, ainda não foi admitido nenhum recurso — o que terá de acontecer até dia 7 de fevereiro.

Juan Carlos Yoldi

Existe, porém, um exemplo de um preso a quem foi permitido tomar posse. Trata-se de Juan Carlos Yoldi, membro da ETA e militante do entretanto ilegalizado Herri Batasuna, que em 1987 conseguiu uma autorização extraordinária de um juiz para estar presente o debate da sua investidura no parlamento basco. Apesar de ter estado presente, o seu nome acabou por ser chumbado pelos deputados bascos, que mais tarde viriam a escolher José Antonio Ardanza, do Partido Nacionalista Basco, para liderar o governo regional.

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Quais são as opções do presidente do parlamento regional da Catalunha?

Enquanto presidente da mesa do parlamento regional da Catalunha, é Roger Torrent (eleito deputado pelo partido independentista Esquerda Republicana da Catalunha) que tem nas mãos a possibilidade de montar ou baralhar ainda mais o complicado puzzle que está em causa na sessão de investidura desta terça-feira.

Ao todo, Roger Torrent tem três opções que pode pôr em prática.

Roger Torrent

  1. A primeira passa por desobedecer às ordens do Tribunal Constitucional, permitindo que a sessão de investidura seja realizada com a participação de Carles Puigdemont à distância. Se assim for, Roger Torrent pode arriscar consequências junto da justiça espanhola.
  2. A segunda opção de Roger Torrent é a de suspender o plenário, alegando que não há condições para a sessão ter lugar — até porque o governo de Mariano Rajoy vai recorrer da decisão do Tribunal Constitucional, o que terá de acontecer até dia 7 de fevereiro.
  3. A terceira opção que o presidente do parlamento regional da Catalunha tem é a de suspender a sessão e agendar outra, onde poderá propor outro candidato à presidência além de Carles Puigdemont.

E que sinais tem dado Roger Torrent? Numa entrevista ao El Temps publicada esta segunda-feira, o político catalão, que foi eleito pela lista da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), deu a entender que não está a equacionar outro nome além de Carles Puigdemont — o que aponta para a concretização da primeira ou da segunda opção acima listadas, e não da terceira.

“Puigdemont é um deputado eleito deste parlamento. Foi escolhido nas urnas de 21 de dezembro, que foram umas eleições que não foram convocadas por ele enquanto presidente, mas sim por Mariano Rajoy. Ele foi legitimado pelas urnas”, disse. “Naquele momento, ninguém os impediu de se apresentarem a eleições. Assim que as eleições terminaram, passaram a ser deputados e deputadas de pleno direito. Por isso, são suscetíveis de serem investidos como presidente da Generalitat. Além disso, deu-se a circunstância de que Puigdemont é o candidato que tem toda esta maioria em seu torno e tem este apoio maioritário.”

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O Artigo 155 é para durar?

Segundo o governo de Mariano Rajoy, sim. Pelo menos, enquanto não tomar posse o próximo governo regional da Catalunha — e, claro, desde que este não se chama Carles Puigdemont.

Foi nesse sentido que apontou Soraya Sáenz de Santamaría, a vice-presidente do governo espanhol e a escolhida de Mariano Rajoy para liderar de facto a Catalunha desde que foi aplicado o Artigo 155 da Catalunha.

“O [Artigo] 155 deixará de ser aplicado no momento em que tome posse o próximo governo regional da Catalunha. A investidura não chega. O novo presidente tem de tomar posse fisicamente, na transferência de quem está hoje à frente da Generalitat, que é o governo de Espanha”, disse Soraya Sáenz de Santamaría numa entrevista a 18 de janeiro, da qual publicou excertos na sua conta de Twitter.

 

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Pode haver eleições antecipadas?

É um cenário possível, mas apenas depois de ter havido uma votação de investidura em que o candidato proposto ao parlamento regional da Catalunha — ou seja, por enquanto, Carles Puigdemont — for rejeitado.

Se isso acontecer — e não é líquido que aconteça, pelo menos já esta terça-feira —, o parlamento regional da Catalunha terá de votar favoravelmente a nomeação de um novo governo regional nos dois meses seguintes.

Se mesmo assim não houver um novo governo regional, a Catalunha irá de novo a votos, num prazo de 40 a 60 dias depois.

Assim, se os requisitos acima referidos forem cumpridos, os catalães serão novamente chamados às urnas — o que, teoricamente, pode acontecer já na primavera.

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Os independentistas vão manter Puigdemont como seu candidato?

Na noite eleitoral de 21 de dezembro, que ditou uma maioria absoluta dos independentistas e colocou o Juntos Pela Catalunha em primeiro, os três partidos a favor da independência anunciaram a sua intenção de ter Carles Puigdemont como próximo presidente da Generalitat.

Pouco mais de um mês depois, e em vésperas da primeira sessão de investidura do parlamento regional da Catalunha que resultou daquelas eleições, nenhum dos três partidos independentistas — Juntos Pela Catalunha (JPC) , Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e Candidatura de União Popular (CUP) — anunciou a sua intenção de quebrar esse consenso.

Mas, a nível individual, já se ouvem algumas vozes que apontam para a possibilidade de se abdicar de Carles Puigdemont para continuar o processo independentista. Foi precisamente nesse sentido que apontou Joan Tardá, líder de bancada da ERC no Congresso dos Deputados, em Madrid. Numa entrevista ao La Vanguardia, disse que o seu interesse é que “Puigdemont seja presidente da Catalunha e Junqueras vice-presidente”, mas referiu que “há um bem superior: que haja governo”. E, para atingir esse tal “bem superior”, Joan Tardá foi claro: “Se for preciso sacrificar o presidente Puigdemont, teremos de sacrificá-lo”.

Para já, os partidos independentistas ainda não deram sinais de agirem de acordo com a sugestão de Joan Tardá. A CUP, reunida este fimde-semana, decidiu que só estará presente na sessão de investidura se Carles Puigdemont estiver presente. E a coordenadora-geral do PDeCAT, partido de Carles Puigdemont e que fazia parte da lista do JPC, a deputada Marta Pascal, deixou claro que o seu partido vai continuar a insistir na nomeação do ex-presidente. “Trabalhamos apenas com o cenário que os cidadãos escolheram e não quero ponderar qualquer outro”, disse numa entrevista à TV3, televisão estatal catalã, na manhã desta segunda-feira.

Resta saber se, caso se confirme o fracasso da investidura de Carles Puigdemont, os partidos independentistas vão recuar e indicar ao presidente do parlamento regional o nome de um candidato que não esteja nem preso, nem fora do país com um mandado de captura a decorrer em Espanha. Para já, não parece ser essa a intenção dos independentistas.

 

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Afinal, quem tem maioria no parlamento catalão? Os unionistas ou os independentistas?

Dos 135 assentos parlamentares que compõem o parlamento regional da Catalunha, os independentistas conquistaram um total de 70 nas eleições de 21 de dezembro de 2017. Como tal, estão acima do limiar dos 68 deputados necessários para ter maioria absoluta naquela câmara.

Esta questão, porém, não tem sido de todo linear. Isto porque, entre os deputados eleitos pelas listas independentistas, estão os quatro ex-conselheiros e o próprio Carles Puigdemont. A intenção dos cinco independentistas era a de poderem participar na sessão de investidura à distância — o que, na prática, iria garantir a maioria aos independentistas.

O problema é que, uma vez que o Tribunal Constitucional declarou que não é possível participar naquela sessão a não ser presencialmente, caso os quatro ex-conselheiros e Carles Puigdemont mantivesse todos essa insistência, passaria a haver um empate a 65 entre independentistas e unionistas.

Para evitar essa situação, três dos ex-conselheiros catalães (Lluís Puig, Meritxell Serret e Clara Ponsatí) que estão na Bélgica renunciaram aos seus mandatos de deputado, abdicando do seu lugar a favor de outros candidatos das listas de cada um dos seus partidos. Desta forma, os independentistas conseguiram blindar a sua maioria absoluta no parlamento regional da Catalunha — ao somar 68 deputados, faltando apenas o ex-conselheiro Antoni Comín (também na Bélgica) e Carles Puigdemont para chegar aos 70.

Mas não é por estarem em maioria absoluta que os independentistas vão estar sempre de acordo nos tempos que se seguem. Os próximos dias, serão o verdadeiro teste do quão unidos os independentistas — que vão da extrema-esquerda à direita — estão em torno da sua causa.