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Quantos incidentes envolvendo cães perigosos se registaram em Portugal no último ano?

Segundo dados fornecidos pela GNR ao jornal Expresso esta semana, em menos de um ano e meio, as autoridades registaram pelo menos 355 incidentes que envolveram cães perigosos. Desses, 284 referem-se a ferimentos graves causados por ataques a pessoas. Segundo o Sistema de Identificação e Registo de Caninos e Felinos há mais de 19 mil cães de raças consideradas perigosas registados em Portugal.

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Quais são as raças identificadas como perigosas em Portugal?

A identificação das raças caninas potencialmente perigosas fez-se, em Portugal, em 2001. O registo teve em conta os incidentes graves registados junto da PSP e da GNR nos dez anos anteriores envolvendo mordidas de cães e também a força da pressão da mandíbula de um cão, que pode chegar aos 200kg, como no caso dos Rottweilers e de quase todas as variações da raça Pitt Bull.

Significa isto que, se colocássemos o nosso corpo no meio de uma mandíbula de um destes animais e ele mordesse, seria como se tivéssemos 10 sacos de cimento a fazer força sobre uma mandíbula aberta. Contudo, é unânime entre veterinários e criadores que a maior parte da culpa recai sobre a negligência dos donos — que não conhecem nem treinam os seus cães e não respeitam a lei.

Esta é a lista das sete raças consideradas mais perigosas:

  • DOGUE ARGENTINO — Desempenha igualmente funções de caça, guarda, guia de cegos e buscas policiais. São cães muito grandes, possantes e obedientes.
  • CÃO DE FILA BRASILEIRO — Raça brasileira de trabalho, com descendência no bulldog inglês. É um cão treinado há vários séculos para caçar, incluindo “caçar” pessoas, como os escravos , quando fugiam.
  • ‘STAFFORDSHIRE TERRIER’ — Têm origem nos EUA. É comum vê-los em lutas de cães, são muito ágeis, rápidos e protetores.
  • ‘STAFFORSHIRE BULL TERRIER’ — Da família dos bulldogs, também de origem inglesa. São conhecidos pela sua independência, e “altivez”, muito inteligentes mas também é comum ler relatos da boa relação destes cães com crianças.
  • ‘PIT BULL TERRIER’ — A origem desta raça remonta ao século XIX, em Inglaterra. As suas principais características são a resistência e autoconfiança. Necessitam de uma socialização cuidada e progressiva. É muito difícil persuadir um pit a largar o que agarra.
  • ‘ROTTWEILER’ — Raça alemã de guarda. São grandes mas ágeis, um pouco “distantes” e costumam ser mais felizes em espaços abertos. A mordida desta raça perigosa é poderosa, chegando a duas toneladas por cm3, tal como os pits terrier.
  • ‘TOSA INU’ — É uma raça japonesa que resulta de vários cruzamentos com raças ocidentais. Tem as suas origens ligadas a lutas e é considerado um cão raro e difícil de controlar. Pesa entre 30 e 40 quilos.

A lei considera perigoso qualquer animal que:

• Tenha mordido, atacado ou ofendido o corpo ou a saúde de uma pessoa;
• Tenha ferido gravemente ou matado outro animal fora da propriedade do detentor;
• Tenha sido declarado como tal pelo seu detentor à junta de freguesia da sua área de residência;
• Tenha sido considerado como tal pela entidade competente devido ao seu comportamento agressivo ou especificidade fisiológica.

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Podemos andar com o cão sem trela? E sem açaime?

Não. Nem sem trela nem sem açaime. E há muitas outras regras previstas na lei, que teve várias formas até chegar à atual — a mais penalizadora para os donos que não cumpram as seguintes regras:

  • O dono de um cão potencialmente perigoso deve ter registo criminal sem incidentes e seguro de responsabilidade civil de acordo com a legislação;
  • É obrigatória a esterilização dos animais potencialmente perigosos que não tenham LOP (Livro de Origem);
  • Registo e licenciamento na Junta de Freguesia da área de residência;
  • O detentor de animal perigoso ou potencialmente perigoso fica obrigado a manter medidas de segurança reforçadas no que diz respeito aos alojamentos: vedações com, pelo menos, 2 metros de altura em material resistente, que separem o alojamento destes animais da via ou espaços públicos ou de habitações vizinhas;
  • Espaçamento entre o gradeamento ou entre este e os portões ou muros que não pode ser superior a 5 cm;
  • Placas de aviso da presença e perigosidade do animal, afixadas de modo visível e legível no exterior do local de alojamento do animal e da residência do detentor;
  • Fazer-se acompanhar da licença sempre que se desloca com o animal;
  • Não podem circular sozinhos na via pública, em lugares públicos ou em partes comuns de prédios urbanos nem ser conduzidos por menores de 16 anos;
  • São obrigados a circular na via pública, em lugares públicos ou em partes comuns de prédios urbanos com açaime que não permita morder e com trela até 1 metro de comprimento;
  • Tem de garantir que os seus cães são devidamente treinados com vista à sua socialização e obediência. A falta deste treino ou a sua realização por treinador não certificado constitui contra-ordenação, punível com coima (750 a 5000 euros):
  • Os cães não podem ser treinados com vista a reforçar a sua agressividade para pessoas, outros animais ou bens, bem como a sua participação em lutas, que são totalmente proibidas;
  • Os responsáveis podem vir a ser condenados por crime, com prisão até três anos.

 

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A lei de certificação de treinadores funciona?

A lei que regulamenta a detenção e criação de cães perigosos é de 2013, mas quatro anos depois ainda não pode ser totalmente aplicada. Ou seja, se quiser ter um cão de uma destas raças, uma pessoa é obrigada a treinar o animal junto de uma entidade certificada pelas forças de segurança. Mas, segundo apurou a Rádio Renascença, “faltam” as normas técnicas para a certificação dos treinadores e do programa de formação dos detentores dos cães”.

Informação confirmada junto de Cláudio Nogueira, presidente do Rottweiler Clube de Portugal, que disse ao Observador estar à espera que essa lei “ande rapidamente para a frente”. O previsto na lei é que além do treino que será dado aos animais, os donos recebam também informação sobre a legislação em vigor e sobre a forma correta de passear o seu cão.

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O que dizem os criadores?

Segundo alguns criadores — e também segundo os partidos atualmente no governo com posição conhecida sobre o assunto — o ideal seria que a lei identificasse cães e não “raças” perigosas. Cláudio Nogueira, presidente do Rottweiler Clube de Portugal, diz que a lei que identifica estas raças “não foi feita de forma muito justa” e foi “inspirada na realidade lá fora”. Para o dirigente, “o número de Rottweilers em Portugal é muito maior do que o de outras raças, logo, é normal que os incidentes registados sejam mais, comparativamente com raças identificadas que têm muito pouca expressão”.

Cláudio Nogueira reconhece que “os instintos dos cães estão lá” mas, na sua opinião, estes incidentes dão-se principalmente porque “há uma falta de respeito para com terceiros” por parte de donos “que são negligentes e que normalmente estão muito pouco informados sobre a raça de cão que têm”. O dirigente fala mesmo em “negligência” e no facto de que muitas vezes as pessoas adquirem um animal “pelo estatuto social” e não estão “nem informadas nem moralmente preparadas para saber como educar este tipo de cão”.

“Claro que os cães têm instintos básicos como perseguir a presa, ou caçar mas o cão que estiver integrado, socializado, treinado é muito mais indiferente sobre o que se passa à sua volta e por isso não tem reações violentas. Sabe comportar-se, sabe as regras, tal como as pessoas: nós habituamo-nos a um ambiente e seguimos as regras, mas se ouvirmos alguém a cantar num cinema vamos achar estranho”.

Também Fernando Magalhães, presidente da Associação Dobermann de Portugal, considera que a educação dos animais é fundamental. Apesar de não ser uma raça perigosa, também há incidentes que envolvemestes cães, considerados muito mais dóceis do que “a publicidade”. O dirigente diz que “apesar de existirem predisposições genéticas para comportamentos agressivos, se um cão for vendido a uma família, que o vê como uma companhia e um outro, da mesma ninhada, for vendido para alguém que quer o cão como uma arma, essa educação vai potenciar os instintos de defesa do cão”.

Soluções? “Educação, tanto dos donos como dos cães”, diz Fernando Magalhães, que não deixa de referir que o Clube Português de Canicultura — e é nisto secundado por Cláudio Nogueira — devia ter mais atenção à fiscalização pelo menos dos cães identificados como os “principais reprodutores do país” cujas ninhadas só poderiam ser registadas caso os progenitores tivessem passado textos de “aptidão à reprodução”, que incluem testes de “sociabilidade”, para detetar comportamentos genéticos passiveis de afetar o temperamento dos cães.

 

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O que são cães de laboratório?

De acordo com o Hospital Veterinário de Lisboa, chama-se cães de laboratório às raças caninas que foram desenvolvidas por humanos através do cruzamento de outras raças, de modo a obter outras, normalmente mais fortes e resistentes do que as progenitoras.

Os cães de laboratório resultam, portanto, de uma modificação genética e não existiam na Natureza antes da intervenção humana. Exemplos de raças de cães de laboratório são o Rottweiler, o Pit Bull Terrier, o Boxer, o Pastor Alemão ou o São Bernardo.

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Que cães atacaram estas pessoas?

Na manhã de 25 de abril de 2017, uma menina de quatro anos foi atacada por um cão de raça Rottweiler na sequência de uma discussão entre o pai da criança e o dono do animal. De acordo com o Rottweiler Clube de Portugal, fundado em 1993, esta raça é uma das mais antigas do mundo e já era usada pelos Romanos antes dos longos anos de criação seletiva que deu origem à raça com as características que hoje conhecemos. Quando os romanos invadiram a cidade alemã de Arae Flaviae, famosa pelas casas de telhado vermelho (em alemão, Rottwill), os seus cães devem ter-se cruzado com os cães locais, dando origem ao Rottweiller.

No mesmo dia, mas durante a tarde, um cão arraçado de Serra da Estrela atacou uma menina de nove anos, que pertencia à família dos donos dos animais. A Serra da Estrela é uma das raças mais antigas da Península Ibérica, são cães normalmente usados para acompanhar e guardar rebanhos em grandes altitudes, defendendo-os dos predadores, explica a Associação Portuguesa do Cão da Serra da Estrela.

Esta quarta-feira, 26 de abril, um Cão de Fila de São Miguel atacou um rapaz de dez anos que pertencia à família do animal. Esta raça, originária da Ilha de São Miguel (Açores), é principalmente utilizada para guarda e guia de gado bovino.

De todos estes cães, apenas o Rottweiler consta na lista de animais potencialmente perigosos. É também o único considerado um cão de laboratório.

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Que destino é dado aos cães que ferem pessoas?

Quando um cão morde uma pessoa, ele é entregue a um veterinário municipal que o coloca em quarentena e determina se obedece aos termos dispostos na lei, explica ao Observador o Hospital Veterinário de Lisboa.

Um desses termos exige, a partir de um despacho aprovado em 2008, que os animais potencialmente perigosos que não estejam no Livro de Origens Português ou noutro livro aprovado em qualquer outro país sejam castrados ou esterilizados.

É também obrigatório que os detentores de animais perigosos ou potencialmente perigosos tenham um seguro de responsabilidade social. O veterinário também verificará se o animal tem o boletim sanitário ou o boletim de vacinas (principalmente a anti-rábica) atualizado.

Se o cão não for saudável ou se for provável que volte a atacar um humano, então o animal é abatido. Este procedimento é usado em qualquer cão que ataque um humano, mesmo que a sua raça não conste na lista de animais potencialmente perigosos.

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Porque é que os cães são colocados em quarentena?

Os cães que mordem pessoas são postos em quarentena para fazer despiste de doenças infectocontagiosas que possam ter sido transmitidas à vítima. Uma das doenças mais graves que pode se transferida de cães para humanos é a raiva.

Durante essa quarentena, os profissionais estudam quão saudável é o cão e se é provável ou não que o animal volte a atacar um humano. Caso essa possibilidade exista, o cão é abatido.