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Afinal o que fez Hillary?

Enquanto foi secretária de Estado dos EUA, entre 2009 e 2013, Hillary Clinton usou o seu email pessoal (hdr22@clintonemail.com) para tratar de assuntos relativos às suas funções de chefe da diplomacia norte-americana, o que envolveu o envio de informação classificada ou que viria a ser classificada mais tarde. Isto em vez de utilizar a conta de email (@state.gov) sedeada no servidor do Departamento de Estado — a qual Hillary nem chegou a ativar quando assumiu funções no gabinete. As regras ditavam que toda a informação dos gabinetes de Estado circulasse num sistema autorizado.

Quantos emails estão envolvidos? Milhares:

  • Hillary Clinton declarou que enquanto esteve no gabinete foram enviados e recebidos 62.320 emails.
  • Cerca de metade (30.490 emails, o que dá 55 mil páginas impressas) desse correio eletrónico seria sobre assuntos relativos à suas funções no gabinete de Estado — entre estes constava informação classificada (ou que viria a ter esse carimbo) como “secret”, “top secret” e “confidencial”;
  • A outra metade eram emails pessoais, sobretudo relativos aos preparativos do casamento da filha, Chelsea, ou ao funeral da sua mãe.

Antes de chegar à Secretaria de Estado, Hillary Clinton tinha instalado um servidor de email na sua casa em Chappaqua, no estado de Nova Iorque, onde estava sedeada a conta de correio eletrónico que usava para questões de trabalho. Tanto que a sua assistente Huma Abedin e a sua chefe de gabinete, Cheryl Mills, também tinham endereços eletrónicos com base nesse mesmo servidor.

Mas o que é um servidor de email? É a infraestrutura informática responsável por armazenar, enviar e receber emails. No caso concreto de Hillary, o servidor da sua casa acolhia o domínio “@clintonemail.com”, ou seja, tudo aquilo que passasse pelas caixas de correio eletrónicas com aquela mesma terminação.

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Por que motivo usava um servidor privado?

Em março de 2015, o caso foi revelado pelo New York Times, um mês antes de Hillary avançar com a candidatura presidencial. Nessa altura, a ex-secretária de Estado explicou que optou por usar um servidor de email privado, e não o sistema do Departamento de Estado, por uma questão de “conveniência”.

Quando chegou à Secretaria de Estado, Hillary Clinton tinha direito a uma conta de email, que recusou, e a um telemóvel, que também não quis. Motivo? Estaria habituada ao telemóvel que já usava há anos, um BlackBerry, e não queria ficar com dois aparelhos. E nem com dois endereços de email — o BlackBerry não aceita um segundo endereço e Hillary já tinha um configurado, o seu pessoal.

“Achei que usar apenas um email seria mais fácil. Obviamente acabou por não ser bem assim”

Mas a justificação avançada por Hillary foi considerada insuficiente, tendo em conta que aquela situação acabava por permitir que a informação que circulava através da sua conta de email escapasse ao controlo obrigatório do Departamento de Estado, que tem direito a aceder e arquivar toda a informação que é enviada. Ou seja, em causa não estava só a questão da vulnerabilidade do sistema privado de Hilary (cuja manutenção era feita por uma empresa contratada pelos Clinton), mas sobretudo a falta de transparência sobre informações que são do Estado e que poderiam estar a ser ocultadas aos serviços.

Claro que a sensibilidade do caso o colocou no centro da corrida de Hillary Clinton à Casa Branca, com os seus adversários políticos a alimentarem a suspeita sobre as reais intenções da antiga secretária de Estado ao concentrar o circuito de informação num servidor privado.

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Se os emails estavam fora do circuito como foram descobertos?

O caso chegou a público em março de 2015, mas Hillary já tinha sido questionada sobre ele em 2014, depois de ter terminado o seu mandato. A cronologia do caso feita pelo New York Times mostra que, na verdade, tudo começou quando em fevereiro de 2013 foi feito um inquérito ao ataque em Benghazi a um posto diplomático da CIA (quatro meses antes). É nessa altura que são encontrados os primeiros emails trocados entre a conta pessoal de Hillary e as caixas de correio do seu staff, que pertenciam ao Departamento de Estado.

É na investigação ao ataque em Benghazi, e à ação do Governo na resposta à situação, que a antiga representante da diplomacia norte-americana é obrigada a divulgar informações que constavam em emails que tinham escapado ao sistema oficial, por terem sido enviados através da sua conta pessoa.

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Hillary cometeu alguma ilegalidade?

As regras sobre a transparência das informações de Estado foram alteradas ao longo dos últimos anos, mas, quando Hillary Clinton estava no gabinete, a regra era que os funcionários do Estado que usassem contas de correio eletrónico pessoais para questões oficiais deviam disponibilizar esses emails ao Governo.

Hillary alegou que isso acabou por acontecer automaticamente com uma parte dessas informações, uma vez que os emails dessa natureza eram reencaminhados para caixas de correio de funcionários do Departamento de Estado. Mesmo que a então secretária de Estado usasse uma conta pessoal, não autorizada, os emails acabariam por ser arquivados por via indireta, uma vez que os endereços com que contactava estavam sedeados no servidor oficial. A ex-secretária de Estado garantiu ainda que a informação não arquivada por esta via foi posteriormente enviada pela própria ao Departamento de Estado – depois de pedida (ver resposta anterior).

Num relatório conhecido em maio de 2016, o Departamento de Estado norte-americano considerou que Hillary Clinton tinha violado as normas, já que “deveria ter entregue todos seus emails relacionados com assuntos de Estado antes de deixar o Governo”. Mas, dois meses depois, o FBI recomendou que Hillary não fosse acusada, por não existirem provas de comportamento criminal.

O FBI considerou apenas que a antiga chefe da diplomacia foi “imprudente e descuidada”, mas não detetou qualquer comportamento intencional. O caso acabou arquivado pela procuradora-geral dos Estados Unidos, Loretta Lynch, que veio depois considerar que não havia matéria para avançar com a acusação. O caso foi arquivado.

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Então porque é que o caso voltou a aparecer agora?

A 11 dias das eleições, o caso voltou em força porque foram descobertos novos emails pelo FBI, durante uma outra investigação. O anúncio foi feito a 28 de outubro, com o diretor do FBI, James Comey, a escrever aos membros do Congresso norte-americano:

O FBI teve conhecimento da existência de emails que parecem pertinentes para a investigação e deve tomar as medidas de investigação adequadas para permitir que os investigadores avaliem esses emails, para determinar se eles contém informações secretas, bem como para avaliar a sua importância para a investigação.”

Os novos emails foram descobertos no computador de Anthony Weiner, o ex-marido de Huma Abedin, braço direito da candidata, que está a ser investigado pelo FBI por ter trocado emails de teor sexual com uma menor de idade. Nessa investigação, foi apreendido um computador portátil que Weiner partilhava com a ex-mulher e foi lá que o FBI encontrou emails como os que constavam na investigação a Hillary Clinton.

O timing desesperou Hillary, sobretudo porque o diretor do FBI admitiu ter ainda pouca informação sobre o assunto. A candidatura diz mesmo que muitos dos emails agora em causa podem nem ser novos e serem os mesmos que os agentes federais já investigaram no último ano, antes de o Departamento de Justiça ter decidido pelo arquivamento do caso. A candidata pede rapidez no esclarecimento do caso, para além de estranhar o seu reaparecimento:

“É muito estranho divulgar uma coisa destas quando ainda se tem tão pouca informação, mesmo antes de uma eleição. De facto, não é apenas estranho. É algo sem precedentes e muito preocupante”, disse Hillary em reação à notícia.

A polémica colocou no meio da campanha um outro nome: James Comey. O diretor do FBI foi imediatamente aplaudido pelo candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump, e tem sido violentamente criticado por democratas. A questão coloca-se: interferiu ou não diretamente na campanha eleitoral?

 

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Isto pode ser importante para as eleições?

Não é uma relação que se possa estabelecer de forma direta, mas a verdade é que o que as últimas sondagens já davam por garantido para Hillary Clinton voltou a estar em risco a apenas uma semana das eleições.

A ABC News e o Washington Post fizeram uma sondagem conjunta que coloca Hillary apenas com um ponto percentual à frente de Donald Trump, ainda que os eleitores pareçam pouco convencidos quanto ao impacto que as últimas notícias possam ter no resultado do dia 8 de novembro. Segundo este mesmo estudo, apenas 3 em cada 10 eleitores dizem que isso pode interferir na decisão de apoiar Hillary.