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O que é um swap?

Começando pelo princípio. Um swap é um instrumento financeiro complexo que incorpora uma previsão sobre a evolução futura dos mercados. É usado como um produto de gestão de riscos financeiros pelas empresas, mas também pelos Estados, para controlar os custos futuros do endividamento.

Os swaps em causa nesta polémica, são produtos de cobertura de risco de taxa de juro e foram contratados para travar o aumento dos encargos futuros com a dívida das empresas públicas de transportes numa altura — até 2007 — em que toda a gente apostava numa escalada das taxas de juro. O problema é que, após a crise financeira de 2008, aconteceu o contrário.

Em vez de colocarem um travão aos custos financeiros, as empresas públicas de transportes viram disparar esses encargos porque a diferença entre os juros contratados e o valor de mercado das taxas, mais baixo, passou a ser-lhes altamente desfavorável. As perdas potenciais chegaram a atingir três mil milhões de euros.

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O governo negociou os swaps com os bancos. Por que deixou o Santander de fora?

Em 2013, e por coordenação da então secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, o Governo e o IGCP (a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública), promoveram uma negociação com a generalidade dos bancos que tinham swaps com empresas públicas para conter a ameaça orçamental que estes contratos representavam.

Neste processo esteve envolvido João Moreira Rato, então presidente do IGCP, a agência para a dívida pública que passou a gerir todos os swaps das empresas e a quem foi dada a missão de fazer trabalho de levantamento das perdas potenciais, riscos e características de cada contrato.

O governo acabou por chegar a acordo com todos os bancos, a maioria internacionais, através da resolução antecipada dos swaps, o que envolveu o pagamento de cerca de mil milhões de euros. O impacto financeiro desta transação acabou por ser quase neutral, porque o IGCP trocou os seus próprios swaps, com ganho potencial, para compensar os contratos com valor negativo das empresas.

Mas os swaps do Santander foram excluídos da negociação. A opção terá sido seguida por conselho do IGCP (Agência de Gestão de Tesouraria e da Dívida Pública) que, por sua vez, se sustentou nos pareceres dos consultores jurídicos e financeiros que encontraram fundamentos para pedir a anulação judicial.

Um relatório muito contestado pelo banco qualificou os swaps do Santander de “especulativos”, porque os considerava muito complexos e estruturados, com taxas elevadas e crescentes que, em alguns casos, não tinham limite. Além disso, representavam a maior fatia — cerca de 40% — das perdas potenciais, apesar de serem apenas nove num universo de quase 80 contratos.

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Houve tentativas para negociar os swaps com o Santander?

O presidente do banco, Vieira Monteiro, sempre disse que o Santander tentou várias vezes encontrar uma solução para o problema, primeiro em contacto com os gestores das empresas públicas de transportes que os contrataram — Metropolitano de Lisboa, Metro do Porto, Carris e STCP — e, depois, com o governo.

Mas a verdade é que foi o Santander Totta a avançar primeiro para os tribunais ingleses, para provar a validade jurídica dos contratos. O banco antecipou-se ao governo e, apesar das manifestações públicas para negociar, o processo jurídico em Londres prosseguiu. De um lado estava o banco, do outro lado as empresas públicas. Esta sentença foi agora conhecida.

Uma das propostas do Santander era a concessão de um financiamento direto ao Estado, em condições descritas como “favoráveis”, que permitissem liquidar antecipadamente os contratos swap de alto risco, dando ainda uma folga financeira ao Governo, mas a proposta não foi considerada favorável.

Já na recente operação do Banif, o Santander financiou os encargos do Estado na solução que veio a ser encontrada e que passou pela venda do negócio saudável ao banco espanhol.

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Os swaps só foram contestados em Londres?

Não. Os contratos swap entre o Santander Totta e as empresas Metropolitano de Lisboa e Metro do Porto foram alvo de ações populares apresentadas por uma associação cívica, a DT, que pediu a anulação destes contratos na justiça portuguesa. No entanto, os tribunais nacionais deliberaram que não eram competentes para julgar os contratos porque a sua legalidade estava a ser avaliada em Londres.

Há ainda outros processos contra o Santander Totta por causa de contratos swap na justiça portuguesa que são da iniciativa de empresas privadas. Nestes casos, já houve decisões para todos os gostos.

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As empresas públicas foram condenadas. Vão pagar o quê?

Ao validar a legalidade dos swaps assinados entre o Santander Totta e as empresas públicas de transportes, o Tribunal de Londres determina que estes contratos têm de produzir todos os efeitos legais e financeiros associados, para trás e para a frente.

Para trás está em causa o pagamento dos juros (cupões) vencidos que as empresas públicas de transportes suspenderam a partir de setembro de 2013, por ordem da tutela, Ministério das Finanças e Economia, à data.

Até outubro do ano passado, quando as audições começaram em Londres, o valor reclamado pelo Santander era de 272,5 milhões de euros. O montante em falta chegou já aos 300 milhões de euros e há ainda juros a pagar sobre esta dívida, para além das custas de julgar um caso em Londres com deslocações para audiências.

O valor final e as condições de pagamento serão fixados numa audiência que será realizada até 23 de março.

Para a frente, serão retomados os efeitos financeiros destes contratos, o que irá obrigar a um aumento significativo dos custos financeiros das empresas até ao termo destes swaps, se os juros em mercado se mantiverem ao atual nível — historicamente baixo.

 

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O Estado pode recorrer da sentença de Londres ?

Pode e vai fazê-lo. O Ministério das Finanças diz que o Tribunal de Londres entendeu que, caso o direito português fosse aplicável aos swap, sete dos nove contratos teriam de ser modificados ou feitos cessar com vista a uma solução justa para as partes em litígio.

O Santander conseguiu convencer o juiz inglês que o direito português não era aplicável aos swaps em causa, mas tendo em conta que o Tribunal reconhece argumentos atendíveis, o Estado português decidiu invocar a convenção de Roma para contestar a sentença que determinou que os contratos em causa estão fora do âmbito da lei e dos tribunais portugueses.

Não obstante o recurso da decisão, não será muito provável que produza uma alteração da sentença que considerou já que estes contratos não estavam abrangidos pela lei portuguesa. Ainda assim, pode constituir um argumento a mais na direção de um acordo com o banco.

O juiz inglês considerava já que a decisão “permite que as partes prossigam com vista à resolução dos difíceis litígios ente as mesmas“.

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Que argumentos podem ser invocados no quadro da lei portuguesa?

A sentença inglesa aceitou os argumentos invocados pelas empresas públicas que a crise financeira de 2008 provocou uma mudança anormal das circunstâncias que conduziram à celebração dos contratos e que, no essencial, resulta da viragem na trajetória dos juros em mercado, que passaram de uma subida para descida acentuada.

Esta conclusão aplica-se em particular aos swaps do tipo snowball, pelo qual as empresas recebem do Santander Totta uma taxa de juro variável, em troca e pagamento de uma parcela fixa acrescida de um snowball spread quando as taxas de juro saem do intervalo pré-definido durante períodos sucessivos. Quando isso acontece, e aconteceu, o spread cobrado em cada período é acrescido ao spread aplicado no período anterior, agravando sempre o valor a pagar porque é cumulativo.

O período de taxas de juro baixas vivido em 2009 desencadeou estes spreads snowball em sete contratos, obrigando as empresas públicas a pagar taxas entre 20% e 70%, com dados de outubro de 2015.

 

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O Estado poder perder 1.800 milhões com esta decisão?

A preços atuais de mercado, e considerando os juros devidos e os fluxos financeiros estimados até ao final dos contratos, estes têm um valor financeiro total de 1.800 milhões de euros.

Não se trata de uma indemnização que as empresas têm de pagar ao Santander Totta, na sequência da sentença de Londres, mas representa o valor negativo para o Estado desta decisão, a preços atuais e até ao termo destes contratos. O mais longo termina em 2027 e o mais curto vence já este ano.

Para além da dívida e dos juros, da ordem dos 300 milhões de euros, há ainda o valor de mercado atual destes instrumentos que é de 1.500 milhões de euros, um número positivo para o Santander e negativo para as empresas.

O Estado só teria de assumir agora essa perda, caso resolvesse antecipadamente os contratos, como aliás foi feito em 2013, mas negociando um desconto significativo com os bancos em causa.

Neste caso, e depois da decisão de Londres, uma negociação favorável será mais difícil, mas é provável que haja, da parte do banco, margem para negociar. O maior obstáculo pode estar no ruído que inevitavelmente virá do processo de resolução do Banif e das condições de venda ao Santander Totta, que muitos consideram demasiado favorável. E vem aí uma comissão parlamentar de inquérito.

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As empresas estavam preparadas para esta sentença negativa?

É quase certo que não. Algumas destas empresas tinham constituído provisões nas contas (os últimos relatórios conhecidos são de 2014), reconhecendo os juros que ficaram por pagar. Foi o que fizeram de forma expressa o Metro de Lisboa e a Carris, mas isso não significa que tenham condições de tesouraria para pagar. Antes pelo contrário.

A informação recolhida pelo Observador indica que os orçamentos para este ano não contemplavam esta despesa extraordinária que vai, aliás, pressionar os custos financeiros dos próximos anos.

A confirmar-se este quadro, o Estado terá de repetir o que foi feito em 2013, quando foram realizados os pagamentos que cancelaram os contratos swap: emprestar, através do Tesouro, os recursos necessários.

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A derrota do Estado português tem impacto orçamental?

É provável, admitiu já o ministro das Finanças. Mário Centeno foi cauteloso na reação. Admite incidência orçamental, mas não no imediato.

As duas empresas mais expostas a estes contratos, o Metropolitano de Lisboa e o Metro do Porto, fazem parte do perímetro das contas do Estado, ou seja, contam para o défice. O efeito orçamental dependerá, em grande parte, de as perdas potenciais com estes contratos estarem ou não já reconhecidas nas contas. Em caso afirmativo, o impacto nas contas públicas já estaria incorporado.

No caso dos juros cujo pagamento foi suspenso, Metro e Carris fizeram provisões. O Metro do Porto não é muito claro sobre o tema. Já os STCP referem, nas contas de 2014, não ter constituído qualquer provisão por eventuais juros de mora relativos a esta situação, provisionando apenas os custos com o processo.

Os efeitos a prazo resultam do aumento futuro dos custos financeiros das empresas e do impacto que têm nas necessidades de financiamento destas entidades, que vão ao défice e à dívida.

 

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Havia um plano B para gerir o impacto da derrota em tribunal?

Tudo indica que não. Segundo informação recolhida pelo Observador, o anterior Governo nunca discutiu com os gestores das empresas soluções alternativas para o caso de a estratégia de contestação judicial falhar.

Por outro lado, e apesar de se saber que a sentença seria anunciada em março de 2016, os orçamentos das empresas não contemplavam o pagamento extra dos juros devidos. E, no entanto, o desfecho negativo para o Estado não foi uma surpresa.

Com o processo a correr no Tribunal Comercial de Londres, o que estava em causa, sobretudo, era a análise do aspeto formal dos contratos e o cumprimento dos requisitos da legislação comercial sobre estes produtos. Considerações como o interesse público ou a autonomia e qualificação dos gestores para contratar estes produtos seriam pouco relevantes.

Esta foi, aliás, a impressão que ficou nos gestores que foram chamados a depor nas audiências em Londres.

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Quem deve ser responsabilizado por este desfecho?

O ziguezague de acusação e contra-acusação que tem marcado os últimos atos da política portuguesa já começou. O Governo socialista responsabiliza o executivo anterior. O PSD, que fez parte desse executivo, aponta o dedo ao governo anterior, o de José Sócrates.

As responsabilidades políticas pela contratação e a respetiva monitorização dos riscos financeiros destes instrumentos swap, que alguns já compararam a uma bomba ao retardador, caem na alçada dos governos de José Sócrates.

As decisões que conduziram à renegociação antecipada da maioria dos contratos, pagando cerca de mil milhões de euros aos bancos, e o tempo que demorou a avançar — o Governo da coligação entra em funções em junho de 2011 só no início de 2013 é que o processo arranca — caem na tutela do executivo PSD/CDS.

Os dois temas foram intensamente debatidos na comissão parlamentar de inquérito realizada em 2013. As conclusões, da autoria da deputada do PSD Clara Marques Mendes, visaram quase só os anteriores governantes socialistas, ilibando a ministra das Finanças, num relatório muito contestado pelo PS e por toda a esquerda.

A decisão de tentar anular em tribunal os contratos celebrados com o Santander Totta também foi do Governo de coligação. E as principais figuras que deram a cara por esta escolha foram Maria Luís Albuquerque e João Moreira Rato, que, à data, presidia à agência da dívida pública, cujo relatório sobre os contratos swap foi fundamental na tomada desta decisão.

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Há investigações de natureza criminal a estes contratos swap?

Sim. Logo em 2013, quando o então governo português suscitou a legitimidade destes contratos, foi remetido ao Ministério Público vários documentos e informações por parte do Ministério das Finanças. A Procuradoria-Geral da República recebeu ainda todos os elementos recolhidos pela comissão parlamentar de inquérito aos swaps.

Questionada pelo Observador sobre a existência de inquéritos de natureza criminal aos contratos celebrados entre o Estado português e o Santander Totta, a PGR confirma a existência de investigações, mas não avança mais detalhes porque estão em segredo de justiça.