Ana Catarina Mendes, deputada e secretária-geral-adjunta do PS, deu esta quinta-feira uma conferência de imprensa no Parlamento a defender a posição do partido relativamente às alterações à lei de financiamento partidário. A número dois do partido deixou uma garantia: a nova lei não terá efeitos retroativos. Será assim?

O que está em causa?

A propósito da isenção ou não do pagamento do IVA, os partidos mantêm neste momento vários diferendos com a Autoridade Tributária, em que reclamam a devolução dos montantes que defendem estar em falta.

Quando foram aprovadas as alterações à lei, discutiu-se sobre se as novas regras teriam ou não implicações nos processos que estão em curso nos tribunais. Ou seja, se teriam ou não efeitos retroativos em relação a matéria já com processos a decorrer. Ana Catarina Mendes, no entanto, já garantiu que não, que a “lei vale para o futuro”. Terá razão?

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Quais são factos

De acordo com as explicações da secretária-geral-adjunta do PS, “o que está em causa neste ponto é a norma transitória do artigo 7.º. Ora, esta norma transitória de aplicação aos processos pendentes, inteiramente em concordância com a sugestão do Tribunal Constitucional, aplica-se sem prejuízo da validade dos atos praticados na vigência da lei anterior. Apenas é relativa aos processos que se encontram no Tribunal Constitucional e que agora passam a ser da competência da Autoridade das Contas”.

“Ou seja”, continuou a socialista, “só haveria retroatividade se a norma transitória mandasse aplicar a lei nova aos processos pendentes e não salvaguardasse a validade dos atos anteriormente praticados”. Assim, defendeu Ana Catarina Mendes, não está em causa “qualquer tipo de amnistia fiscal”.

A número dois do PS ainda acrescentou outro detalhe para sustentar as suas afirmações: “Os processos que o PS tem, em Tribunal Administrativo e Fiscal, por discordância de decisões anteriores da Autoridade Tributária, seguem o seu curso até decisão final”.

Nem todos, porém, têm este entendimento. Em declarações ao jornal i, por exemplo, o constitucionalista Bacelar Gouveia afirmou que este diploma “tem encapotado um perdão fiscal porque permite que o IVA seja restituído em maior dimensão do que aquilo que estava legislado” e explicou porquê: “No artigo 7º diz que as alterações aprovadas aplicam-se para o futuro, mas também se aplicam aos processos em curso no tribunal”.

Também José Figueiredo Dias, o novo presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Partidários (ECFP), já veio defender que a “disposição transitória, que atribui competência à ECFP para julgar os processos pendentes, é um dos aspetos mais sensíveis da nova lei”. “À partida, serão de aplicar as novas disposições, mas ainda não podemos dar uma resposta definitiva à questão”, sublinhou o responsável. Ou seja, em teoria, a nova lei poderá ter efeitos retroativos.

O mesmo defendeu a sua antecessora Margarida Salema. Em entrevista ao Observador, a ex-presidente da ECFP disse ser “muito crítica da norma transitória”, porque “vai longe demais”. “Sou contra a aplicação retroativa pela insegurança jurídica e pela instabilidade que representa para os processos em curso”, insistiu.

Esta quinta-feira, na TVI, Margarida Salema ainda acrescentou outra pergunta: será que esta nova lei não vai ter efeitos retroativos nas “pendências que os partidos têm na Autoridade Tributária”? Ninguém sabe a resposta.

Conclusão

Subsistem muitas dúvidas em relação à forma como o diploma foi desenhado e, nas palavras de José Figueiredo Dias e de Margarida Salema, atual e ex-presidente da ECFP, a disposição transitória “é dos aspetos mais sensíveis da nova lei” e introduz “insegurança jurídica” sobre o efeito potencialmente retroativo da lei. Ana Catarina Mendes não pode, por isso, afirmar com certeza absoluta de que esta nova lei não vai ter efeitos retroativos.

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