A presidente do CDS acusou o Governo de “não cumprir a palavra” no que respeita à revisão do Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP). Já o tinha feito durante o fim de semana passado e voltou a insistir no tema, esta quarta-feira, questionando António Costa no debate quinzenal sobre a posição do Governo relativamente a esta medida.

A revisão trimestral do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) foi lançada em fevereiro de 2016 para atenuar o impacto do aumento do imposto sobre os combustíveis. O Executivo prometeu que quando os preços subissem por causa do mercado internacional, o imposto petrolífero seria reajustado em baixa, desde que a perda de receita fosse compensada com um aumento do IVA cobrado nos combustíveis.

Tem por hábito dizer ‘palavra dada, palavra honrada’. O que nos diz em relação à revisão trimestral do ISP, que não aconteceu na semana passada, quando o Governo tinha prometido neutralidade fiscal nesta matéria. Ficamos à espera da revisão do ISP para que os portugueses não fossem penalizados no preço do gasóleo e da gasolina. O que me diz sobre esse aspeto?” — perguntou Assunção Cristas no plenário.

A julgar pelas palavras de há um ano do ministro adjunto, Eduardo Cabrita, a neutralidade fiscal do ISP seria para aplicar ao longo de três trimestres de 2016, sendo omisso em relação ao ano seguinte. Mas Assunção Cristas interpretou que a revisão regular do ISP seria para manter além do seu primeiro ano de vigência. A centrista já sabia, quando confrontou o primeiro-ministro, que a opção do Governo não seria essa e quis encostar Costa, acusando o executivo de reverter a medida menos de um ano após a sua entrada em vigor.

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O primeiro-ministro respondeu assim à líder do CDS:

Em 2016, introduziu-se uma medida de revisão trimestral, que foi uma medida transitória até à introdução do combustível profissional. Palavra dada palavra honrada, fizemos a revisão trimestral ao longo de 2016 e introduzimos o gasóleo profissional. Em 2017, o Orçamento, como bem sabe, não prevê qualquer revisão trimestral porque prevê a manutenção do gasóleo profissional”.

Na segunda interpelação ao primeiro-ministro, Cristas acusou Costa de “distorcer a realidade”. “Nunca o ouvi dizer que a neutralidade fiscal era para o gasóleo profissional. Ouvi-o dizer que a justificação do aumento do ISP era para garantir que a perda de receita fiscal que decorria da baixa do preço do petróleo não impactava nas contas públicas e que os portugueses podiam estar descansados que isso não os ia afetar”. Para o CDS, a “neutralidade fiscal simplesmente não aconteceu”.

O que está em causa?

No primeiro orçamento do Governo PS, apoiado pelos partidos à esquerda, a principal medida de consolidação orçamental foi o aumento de seis cêntimos no imposto petrolífero sobre a gasolina e o gasóleo. Este aumento do ISP, com impacto direto nos preços finais, foi justificado com a necessidade de compensar a perda de IVA cobrado nos combustíveis, devido à descida do preço do petróleo. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, assumiu logo o compromisso de rever em baixa o imposto, quando petróleo subisse, provocando um aumento do preço e, logo, uma subida do IVA cobrado.

Quando os preços começaram a subir e o imposto não baixou, o Ministério das Finanças explicou como seriam feitas as contas à revisão trimestral. Este mecanismo foi um dos compromissos apresentado numa reunião com associações de empresas de transportes em finais de março de 2016, Eduardo Cabrita, ministro Adjunto, tentava tranquilizar o setor dos transportes. Para além da revisão trimestral do imposto, o Governo anunciou o lançamento, em experiência piloto, do gasóleo profissional. Esta resposta a uma reivindicação antiga do setor agradou mais do que os benefícios fiscais previstos inicialmente para as empresas de transporte. Eram argumentos para travar a marcha lenta de camiões anunciada para todo o país.

Cabrita reconheceu que o preço dos combustíveis tinha um “impacto” incontornável naquele setor. E assumia, em nome do Governo, o “compromisso de trabalhar em conjunto” com as empresas de transportes numa “apreciação regular” desse impacto, quer no que dizia respeito à “variação do preço do petróleo”, quer no próprio “custo final” desse combustível.

A revisão trimestral do ISP foi justificada como o “mecanismo adequado face à volatilidade dos mercados internacionais que determinam os preços dos produtos petrolíferos”. As associações ouviram, mas não ficaram convencidas. “Satisfeitos ficaríamos com soluções para o setor dos transportes adequadas às realidades do dia-a-dia. Não vivemos daqui a três meses, nem no impasse de três meses. Vivemos diariamente”, disse o presidente da Associação Nacional das Transportadoras Portuguesas (ANTP), Márcio Lopes.

O projeto piloto do diesel profissional avançou em quatro concelhos na fronteira com Espanha em setembro e passou a nacional este ano, assegurando aos transportadores de pesados um desconto no imposto petrolífero, que nivela o preço com Espanha. Ao longo do ano, houve duas revisões trimestrais — a última em novembro — que baixaram o imposto petrolífero em dois cêntimos no gasóleo e um cêntimo na gasolina.

No final da semana passada, o Ministério das Finanças esclareceu a dúvida que pairava desde que o Orçamento do Estado para 2017 tinha sido aprovado: as revisões trimestrais do ISP tinham vindo para ficar ?

Más notícias. A equipa de Mário Centeno esclarecia que essa revisão valia em 2016, “não se prevendo alterações adicionais à tributação dos combustíveis em 2017”. O ministério acrescentava ainda que as contas do Orçamento do Estado para 2017 foram feitas tendo em conta “uma descida na tributação sobre a gasolina com contrapartida numa subida de igual montante da tributação do gasóleo”, fixada em dois cêntimos por cada litro de combustível. Ao mesmo tempo, estava prevista “uma moratória na incorporação de biocombustíveis no gasóleo e gasolina, evitando a subida dos seus preços base”. Não falava do gasóleo profissional.

Tudo junto, concluiu a resposta das Finanças, era esperado um impacto “neutro do ponto de vista do preço do gasóleo” e que “contribuirá para a redução do preço da gasolina” em Portugal, durante este ano.

Nenhum dos partidos gostou de ouvir a resposta, mas foi do CDS que surgiram as críticas mais enfáticas. Assunção Cristas acusou o Governo de não “cumprir a palavra” sobre a revisão do ISP. O deputado Pedro Mota Soares já tinha afirmado, no fim de semana, que “o que o CDS quer é obrigar o Governo a cumprir a sua palavra, obrigar os partidos à esquerda a cumprirem a sua palavra (…), honrar a palavra que deram aos portugueses dizendo que baixariam o ISP a partir do momento em que aumentassem os impostos”.

O parlamentar do CDS recordou, também: “Em fevereiro de 2016, perante um preço do petróleo que era historicamente muito baixo, mas também era transitoriamente muito baixo, o Governo decidiu aumentar em seis cêntimos o ISP”. E concluiu: “Nós percebemos que o Governo, quando anunciou esta medida, disse sempre que era com neutralidade fiscal, isto é, quando começasse a subir o preço do petróleo, que o Governo reverteria este aumento de impostos e que começava a descer o valor do ISP”.

Os partidos à esquerda do PS, de resto, mostraram-se também surpreendidos com a revogação da medida. Num programa da TSF, o deputado Bruno Dias, do PCP, mostrava-se avesso a “medidas que signifiquem penalizações” para as pequenas e médias empresas e, de uma forma geral, para as populações. Para o BE, não havia dúvidas: “Se se justificava no ano passado, mais se justificava este ano” a revisão regular do ISP. Acabar com a medida “defrauda todas as expectativas”, sublinhava Heitor Sousa (BE).

Nem o Ministério das Finanças no seu comunicado, nem os partidos que suportam o Governo disseram que o fim da revisão ISP tinha a ver com o gasóleo profissional. Até porque a revisão trimestral do valor do imposto era também para a gasolina.

Quais são os factos?

Nas declarações sobre o tema, em março de 2016, Eduardo Cabrita começou por referir a intenção do Governo de realizar “revisões trimestrais do valor do ISP”. Mas, logo de seguida, concretizou o calendário. A saber, “três, seis e nove meses após a alteração no ISP”, que tinha sido “operada no passado dia 12 de fevereiro”.

No ano passado, o Governo cumpriu com aquilo que tinha sido anunciado. A questão volta a colocar-se já este mês, três meses após a última revisão.

A portaria que aprovou o aumento do ISP refere-se a uma “revisão regular” e garante uma “maior neutralidade fiscal das variações de preço dos produtos petrolíferos”. Nunca refere que a suspensão ou revogação dessa revisão está dependente — como agora sugere António Costa — da “manutenção do gasóleo profissional”. O que a portaria fez foi promover um aumento diferenciado, mais baixo, para os utilizadores de gasóleo em atividades profissionais:

Em linha com esta atualização do ISP sobre a gasolina sem chumbo e o gasóleo rodoviário, o Governo determina um aumento de 3 cêntimos por litro no imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado. Este aumento mais reduzido, que prossegue o objetivo de manter a diferenciação de preços em apoio a um conjunto de atividades económicas – nomeadamente, entre outras, a agricultura, a aquicultura e as pescas”.

De forma mais geral, a medida foi justificada assim na mesma portaria de fevereiro de 2016:

Visando ajustar o ISP à redução do IVA cobrado por litro de combustível, atendendo à oscilação da cotação internacional dos combustíveis e tendo em consideração os impactos negativos adicionais ao nível ambiental e no volume das importações nacionais causados pelo aumento do consumo promovido pela redução do preço de venda ao público, o Governo determina um aumento de 6 cêntimos por litro no imposto aplicável à gasolina sem chumbo e ao gasóleo rodoviário”.

Fernando Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, também não apresentou qualquer enquadramento nesse sentido. Na conferência sobre o primeiro Orçamento da responsabilidade do atual Governo, usou como argumento o desincentivo ao uso do automóvel. E não falou em gasóleo profissional:

Se houvesse outra redução significativa do preço dos combustíveis, acho que teria de se ponderar outro aumento do ISP”, afirmou Rocha Andrade, acrescentando que “o imposto nos combustíveis serve para manter o desincentivo à utilização do veículo individual de transporte ou um incentivo à utilização de veículos mais eficiente”.

Citado pelo Expresso, o secretário de Estado justificava a medida: “Da mesma maneira que será possível aliviar o ISP se o preço dos combustíveis aumentar, também se deve dizer que será até desejável ponderar um outro aumento se muito significativamente o preço dos combustíveis se reduzir”.

E numa audição parlamentar em maio em que explicou o que estava a ser trabalhado pelo Governo para o gasóleo profissional, Rocha Andrade nunca fez a ligação entre esta iniciativa e a revisão trimestral do imposto.

Conclusão

Não era claro inicialmente que a revisão do ISP fosse apenas para 2016, apesar de as declarações de Eduardo Cabrita a mencionar revisões trimestrais apenas para aquele ano. O que nunca apareceu associado à criação deste mecanismo fiscal foi o combustível profissional. É errada a declaração de António Costa quando faz depender a transitoriedade das revisões do imposto da introdução do gasóleo profissional. Essa ideia, na raiz da medida, simplesmente não existia. Ou o Governo não o explicitou.

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