A tese

O secretário-geral do Partido Socialista, António Costa, afirmou na entrevista à TVI de sexta-feira que o resultado do leilão duplo de obrigações do Tesouro mostrou que “há uma grande serenidade” entre os investidores perante as negociações à esquerda para formação de governo. Uma “grande serenidade”, defendida por Costa, que contrasta com o interesse com que vários bancos de investimento estão a olhar para esta situação, como o Observador já lhe contou aqui. O socialista destaca a descida dos custos na emissão a 22 anos e desvaloriza a “subida ligeira” na emissão a 10 anos.

Os factos

O Observador procurou enquadrar, neste texto, o resultado da dupla emissão de quarta-feira nos vários fatores que influenciaram a operação. Uma nota: quando se quer avaliar a evolução dos custos de financiamento de um país ou empresa, há uma razão simples para se privilegiar a evolução dos juros a 10 anos, em detrimento de uma emissão, como esta, a 22 anos. Vejamos.

Para se financiar, o Estado português faz duas coisas: inaugura novas linhas de crédito (à medida que algumas vão atingindo o vencimento e são, portanto, reembolsadas) e reabre linhas já existentes. Neste momento, o Estado tem ativas 14 linhas de obrigações do Tesouro, distribuídas pelos próximos anos e o duplo leilão de quarta-feira, 14 de outubro, foi, em ambos os casos, uma reabertura de linhas já existentes – a linha que vence em outubro de 2025 e a que será reembolsada em abril de 2037.

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O Estado emitiu, no total, 1.300 milhões de euros nestas duas emissões, mas a repartição não foi equilibrada: 950 milhões a 10 anos e 350 milhões a 22 anos, ou seja, quase o triplo a 10 anos do que a 22 anos. Esta repartição desequilibrada está relacionada com o facto de a emissão a 10 anos ser uma emissão a um prazo de referência (na gíria dos mercados, benchmark), ao passo que a emissão a 22 anos não é mais do que um esforço do IGCP de providenciar liquidez a uma linha não-referência (na gíria, off the run). E qual é a importância de “providenciar liquidez”?

Obter financiamento não é a única preocupação de um organismo como o IGCP ou outra agência de gestão da dívida pública. É importante que, uma vez inauguradas as linhas de crédito, o IGCP não deixe secar a liquidez do mercado. Depois da emissão (em mercado primário) o IGCP deve acompanhar a dinâmica do chamado mercado secundário em cada uma das linhas, isto é, onde os investidores trocam entre si títulos que o Estado português emitiu anteriormente. Se começar a haver poucas transações (pouca liquidez), isso desagrada aos investidores que, por razões fáceis de perceber, não querem estar expostos a títulos onde não haja uma liquidez que permita entrar e sair quando pretendem.

A emissão a 22 anos, de apenas 350 milhões, oferece alguma liquidez ao Estado português, e a um prazo ultra-longo, mas o objetivo principal destas emissões off the run é, normalmente, dar liquidez a estas linhas. E aqui, de facto, os juros baixaram na comparação com a emissão feita em julho – de 3,53% para 3,23% –, sendo que em julho não havia ainda um acordo sólido para o terceiro resgate na Grécia e não havia, como há hoje, alguma expectativa de que o BCE pudesse vir a intensificar os estímulos monetários.

Eis como têm evoluído as taxas nesta linha de crédito para 2037, desde o início do ano.

EF328813 Corp (PGB 4.1 04_15_37) 2015-10-18 12-32-04

emissões a 10 anos são as mais importantes não só para Portugal como para qualquer país desenvolvido. São a principal referência para mostrar a perceção de risco em torno do emitente – não só a taxa absoluta (que subiu de 2,04% em fevereiro para 2,4% na semana passada) mas também a diferença, em pontos-base, face ao que é cobrado à Alemanha – o chamado spread.

Eis como têm evoluído no mercado secundário as taxas desta linha para outubro de 2025 que é, neste momento, a referência portuguesa a 10 anos.

EK694341 Corp (PGB 2 7_8 10_15_2 2015-10-18 12-32-34

Conclusão

Esticado. É certo que a subida dos juros a 10 anos não foi muito pronunciada, em relação a um leilão comparável que é a emissão a 10 anos feita há quase oito meses. De qualquer forma, não é tecnicamente correto destacar uma descida de custos numa emissão off the run em detrimento de uma emissão no prazo de referência, por excelência, que é a dívida a 10 anos. Os vários indicadores dos mercados de dívida têm, é certo, continuado a evidenciar alguma tranquilidade, mas as questões dos analistas e investidores são muitas e o Observador comprova, todos os dias, isso mesmo. Boa parte dessa tranquilidade estará a dever-se à expectativa de mais estímulos por parte do BCE. Uma expectativa que, segundo alguns economistas, poderá diminuir nos próximos meses se, como se espera, as taxas de inflação homólogas começarem a acelerar. Se isso acontecer, e o BCE não reforçar os estímulos, o sentimento dos investidores poderá tornar-se menos benigno, sobretudo se a situação política não se clarificar em breve.

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