As teses

Quando, em 2013, o Governo de Pedro Passos Coelho apresentou o programa RERD (Regime Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social), que previa o perdão de juros e custas administrativas a quem regularizasse as dívidas ao fisco e à Segurança Social, socialistas, bloquistas e comunistas não pouparam críticas ao Executivo PSD/CDS: “Propaganda” e “encenação“, clamava-se à esquerda. Passos e Portas avançavam com “um perdão fiscal destinado à generalidade dos contribuintes portugueses” para corrigir a execução orçamental, resumia o deputado socialista Eurico Brilhante Dias. Três anos depois, é a vez do Governo socialista apresentar um plano da mesma natureza. E a direita não perdoa: “Caiu a máscara ao Governo“. Os argumentos são exatamente os mesmos.

Qual é a posição do PSD? Para os sociais-democratas, o Governo socialista está a repetir uma receita que tanto criticou para captar receita adicional este ano através de um pagamento extraordinário de dívidas. Objetivo? Salvar a execução orçamental.

“Todos os portugueses já tinham compreendido que a execução orçamental para o presente ano não estava a correr bem. O Governo finalmente reconheceu-o. E reconheceu hoje ao admitir que necessita de uma receita extraordinária. Caiu a máscara ao Governo”, argumentou o deputado do PSD Duarte Pacheco, em declarações aos jornalistas no Parlamento.

E o que respondeu o PS? Fernando Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, assinalou as diferenças entre os dois planos e garantiu que esta não se trata de uma medida extraordinária. Se é certo que parte da dívida que particulares e empresas mantêm com o fisco e com a Segurança Social pode ser regularizada já este ano, a introdução do pagamento a prestações — até 11 anos — dilui essa possibilidade. “Este programa não engorda a receita fiscal num ano e permite parar execuções e penhoras em curso e libertar a tesouraria das empresas. É uma profunda diferença que explica porque é que as outras medidas eram má e esta é boa”, argumentou Rocha Andrade.

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Mas se a medida não concentra a recolha de receita neste ano, garante entrada de verbas nos cofres do Estado em 2017 e anos seguintes.

O jurista e governante admitiu ainda não saber quanto pode arrecadar com a medida. “É estranho que a considerem uma medida extraordinária para este ano, porque alguma (dívida) pode ser paga este ano, outra pode ser mais tarde. Não sei qual vai ser a adesão. Não tenho a certeza se vai permitir subir ou descer a receita deste ano“.

Foi isso mesmo que reforçou João Galamba esta sexta-feira no Parlamento: “Em relação ao [regime] de 2013, há duas diferenças muito significativas: primeiro, o plano prestacional, ou seja, não visa arrecadar receita no curto prazo, mas sim dar condições às empresas e famílias para poderem pagar ao longo do tempo. Outra diferença é que, em 2013, em determinadas circunstâncias, havia amnistias fiscais para fraudes ou alguns crimes fiscais”.

Os factos

Vamos por partes. Há ou não semelhanças entre os dois planos?

A resposta é sim. O que propõe o Governo socialista com este novo diploma? Em linhas gerais, as empresas e particulares que tenham dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social terão de pagar todos os impostos em dívida. Mas, se aderirem ao plano desenhado — o PERES (Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado) –, vão poder, se assim o entenderem, pagar a prestações até 11 anos, com alívio ou mesmo isenção de juros e sem custas processuais. De fora deste plano ficam, no entanto, os casos de fraude e crime fiscais.

No caso de optarem pelo pagamento faseado, os contribuintes devem liquidar à cabeça 8% do valor em dívida.

E o que dizia o regime que o Governo PSD/CDS aprovou em 2013? Previa um “perdão” para contribuintes que tivessem dívidas ao fisco e à Segurança Social, isentando-os de pagar juros de mora e compensatórios, custas administrativas e cobrando coimas mais baixas se aceitassem regularizar a sua situação. O RERD previa ainda uma redução das coimas por atraso na entrega de declarações a 10% do montante mínimo legal, desde que a obrigação em falta estivesse regularizada e cobrando um valor mínimo de 10 euros.

No fundo, pode-se defender que o espírito dos dois regimes é parecido: dar aos devedores uma possibilidade de regularizarem a sua situação fiscal para investirem e terem acesso a fundos comunitários, ao mesmo tempo que potenciar no curto prazo a receita fiscal, ainda que o atual Executivo não assuma esse objetivo. Mas com uma diferença fundamental para os socialistas: o plano desenhado pelo anterior Governo não previa formalmente a possibilidade de pagamento em prestações.

E agora: o PS criticava ou não o programa do Governo PSD/CDS? E a esquerda?

A resposta às duas perguntas é sim. Em outubro de 2013, o socialista Eduardo Cabrita, hoje ministro-adjunto de António Costa, acusava o Governo anterior de recorrer ao perdão fiscal como um “expediente orçamental de vista curta” que reforçava “o sentimento de injustiça e retirava credibilidade” ao Executivo.

Os socialistas recorriam a um termo que hoje rejeitam: o de “perdão fiscal”. E aqui não há grandes dúvidas: os dois regimes apenas perdoavam os juros e as custas processuais, independentemente da questão das prestações. Se o programa de Passos podia ser chamado de “perdão fiscal”, este também.

E o Bloco de Esquerda? Em 2013, a reação de Pedro Filipe Soares foi perentória: “Este perdão fiscal custou um submarino. O líder parlamentar bloquista acusou ainda a maioria PSD/CDS de só ficar descansada “quando perdoa a alguns e vai ao bolso de todos”.

Três anos depois, em entrevista à SIC, na quinta-feira, a líder do Bloco manteve a posição: “O Bloco de Esquerda nunca foi favorável a estes perdões fiscais e não mudou de ideias”, disse Catarina Martins. “[O perdão] seria utilizado para computar receitas de défice para a Europa ver”. O partido ainda não se pronunciou formalmente sobre a medida, ao contrário de PS e PCP.

Voltando a 2013. Na altura, Paulo Sá, do PCP, acusou PSD e CDS de tentarem mascarar os números do défice recorrendo a um “perdão fiscal” extraordinário. No fundo, era uma “encenação montada pelo Governo em torno do défice para fazer crer aos portugueses que os sacrifícios valeram a pena, visando mais brutais medidas de austeridade”.

Três anos depois, reagindo à proposta socialista, o mesmo Paulo Sá clarificou a posição do partido: “O que o Governo agora anunciou é um programa extraordinário de regularização de dívida ao Estado — Fisco e Segurança Social — que não prevê qualquer perdão do capital. Ou seja toda a dívida deve ser paga integralmente, prevendo-se isenções de coimas e juros no caso de pagamento imediato ou uma isenção parcial no caso de ser feito a prestações”. Já o regime especial aprovado pelo Governo anterior, argumentou o comunista, só incluía quem pudesse pagar a totalidade da dívida, vigorou durante um período especial e considerava a amnistia de crimes fiscais.

A conclusão

Enganador. Em linhas gerais, os dois programas são da mesma natureza. Mesmo Fernando Rocha Andrade reconheceu, no Parlamento, que existem alguns paralelismos entre as duas medidas. Mas há uma diferença que os socialistas não deixam de lembrar: a introdução do pagamento em prestações. De facto, esse mecanismo não estava previsto no regime anterior.

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