A oposição aproveitou mais um debate quinzenal no Parlamento para confrontar o primeiro-ministro com os juros que o Estado português está a pagar para obter financiamento nos mercados. Para Assunção Cristas, líder do CDS, o facto de os juros se manterem na zona dos 4% — e foi isso que se pagou na emissão desta quarta-feira, um ponto percentual acima do que se pagava há apenas meio ano — é um sinal de que os investidores “desconfiam” do governo de Costa, apoiado na “esquerda radical” e, por isso, só investem a troco de juros mais elevados.

O que está em causa

António Costa defendeu, como em outras ocasiões, que outros países da zona euro também estão a pagar mais pela dívida. Mas acrescentou uma nova forma de desdramatizar os custos com que o contribuinte se está a comprometer para o futuro: o primeiro-ministro diz que estes 4% não são um valor historicamente elevado para Portugal já que, se olharmos para a trajetória dos juros desde a entrada na zona euro, veremos que estes não fogem muito dos valores atuais. O primeiro-ministro levou um gráfico para o Parlamento com a evolução das taxas de juro da dívida desde 1993, de forma a ilustrar o que estava a dizer.

Mesmo com as compras mensais de dívida pelo Banco Central Europeu (BCE), que apesar com o abrandamento recente ainda rondam os 500 milhões de euros por mês, os juros de Portugal continuam em níveis que os bancos de investimento consideram alarmantes. António Costa admite que o custo do financiamento deveria ser menor mas coloca a tónica naquilo que o Governo está a fazer para “dar confiança aos mercados”, isto é, trabalhar para reduzir o défice e a dívida acumulada.

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E quais são os factos?

Este é um debate que ilustra na perfeição porque é que nos mercados de dívida não faz sentido falar em taxas absolutas mas, sim, em spreads de riscoou seja, a diferença entre os juros que se pagam e as referências do mercado (como as taxas Euribor ou os juros da Alemanha, por exemplo).

Vamos por partes: a taxa absoluta tem relevância porque, a cada emissão que é feita, o custo implícito vai influenciar o custo médio de toda a dívida pública sobre a qual é preciso pagar juros, todos os anos.

Uma analogia: imagine um circuito de água, ou um pequeno riacho, em que a temperatura da água é de 15ºC. Cada emissão que é feita é como um balde de água que se deita para cima desse riacho: se a temperatura for superior a 15ºC, isso vai fazer com que a temperatura da água do riacho suba ligeiramente. Se os novos baldes de nova água que são despejados no circuito de água forem mais frios, aos poucos a temperatura média de todo o “riacho” irá baixar.

Por esta razão, a taxa de juro absoluta é importante. É do interesse do país, nomeadamente de um país com muita dívida como Portugal, que gradualmente se emita a taxas de juro mais baixas, para tentar “arrefecer” o circuito de água ou, neste caso, da dívida.

Mas quando se fala em taxa de juro absoluta da dívida total, o que vai determinar se o país consegue ou não suportar os encargos anuais serão outros fatores: se o país consegue ter uma taxa de crescimento elevada (pressupondo mais receita fiscal) e se existe inflação (que ajuda a aliviar o esforço de pagamento da dívida nominal), entre outros fatores. Continuando com a analogia, o que vai definir se conseguimos ou não nadar naquele riacho é se temos muita ou pouca resistência à água fria, se temos um fato térmico de surf vestido, etc.

Esta é a taxa absoluta com que Portugal conta nos mercados desde 2000. É importante notar que, por exemplo, nos picos de 2012 o Estado não estava realmente a pagar estes juros porque não estava a fazer emissões de dívida no mercado — estava financiado pelos desembolsos da troika.

Mas quando se fala em perceção de risco nos mercados, não faz sentido falar em juros absolutos. Tem pouca relevância dizer, por exemplo, que em 2001 ou em 2007, Portugal também estava a pagar juros de 4%, sensivelmente, porque era isso que o dinheiro custava na altura. Até a Alemanha pagava juros desse nível nesses anos, porque a taxa de juro definida pelo Banco Central Europeu (BCE) era muito mais elevada. A outra face da moeda é que, como alguns aforradores se lembrarão, os depósitos também rendiam muito mais.

Esta é a evolução da taxa de juro diretora do Banco Central Europeu, que depois tem um efeito transversal sobre aquilo que “o dinheiro custa” e, claro, sobre aquilo “que o dinheiro rende”.

Como é sabido, e como o gráfico acima ilustra, a taxa de juro na zona euro agora é de 0%. A Alemanha está a pagar 0,36% por dívida a 10 anos e são estes valores que devem ser tidos em conta quando se compara aquilo que os países pagam (a mais), conforme o risco que é percecionado pelo mercado e conforme a procura que existe por parte dos investidores. E, aí, existem grandes diferenças entre os spreads que são aplicados aos diferentes países. Por exemplo, vale a pena comparar os 1,8% que são pagos por Espanha com os mais de 4% pagos por Portugal.

Em termos simples, o que está em causa em Portugal não é que o país esteja a pagar muito mais pela dívida do que no passado, contribuindo para aquecer a temperatura do riacho. O que está em causa é que Portugal não está a aproveitar, como outros países como Espanha estão, esta era de juros baixos para arrefecer a temperatura.

Portugal está a reestruturar a dívida “pacificamente”?

Tal como se explicou num fact check anterior, o que está em causa em Portugal é que, ao contrário do que está a acontecer noutros países e ao contrário do que estava a acontecer em 2014/2015, Portugal já não está a fazer uma reestruturação “pacífica” (expressão usada por Marcelo Rebelo de Sousa) da dívida pública. O gráfico abaixo, que inclui a comparação com Espanha nos últimos 17 anos, ajuda a perceber porquê.

Antes da crise, os países da zona euro pagavam mais ou menos todos o mesmo pela dívida — pagavam “o custo do dinheiro”, isto é, o nível geral de taxas de juro. Mas Espanha está agora a pagar uma fração disso, ao passo que Portugal continua na mesma. (linha branca=Portugal; linha amarela=Espanha)

Conclusão

A conclusão é simples. Não sendo falsos os números apresentados por António Costa, é enganador falar aqui em taxas de juro absolutas, porque elas são muito dependentes do nível geral de taxas de juro a cada momento, e não são um bom indicador sobre a perceção de risco. O que faz sentido fazer é comparar com outros países e, sobretudo, olhar para a diferença entre aquele que é o custo do dinheiro a cada momento e aquilo que os investidores exigem para investir na dívida do país.

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