O que está em causa?

Assunção Cristas defende que, se as decisões do comando da Proteção Civil nos primeiros momentos de combate ao fogo de Pedrógão Grande tivessem cumprido as normas previstas para aquele contexto, teria sido possível limitar a dimensão do incêndio. E a tragédia – sobretudo, o número de mortos – teria sido menor.

Em causa está a Diretiva Operacional Nacional aprovada pela Comissão Nacional de Proteção Civil para o ano de 2017 e aquilo que essa diretiva consagrava para o momento de “ataque inicial” a incêndios.

Quais são os factos?

Nas primeiras horas do incêndio de Pedrógão Grande e Góis, o fogo propagou-se a uma velocidade “moderada”, com uma “intensidade elevada a extrema”, de acordo com o relatório apresentado pela Comissão Técnica Independente aprovada na Assembleia da República e a que Assunção Cristas se refere.

O mesmo relatório refere que a “cabeça do incêndio” esteve “intermitentemente acima da capacidade de extinção com meios terrestres” cerca de meia-hora após a ignição do fogo. Ou seja, só com meios aéreos teria havido capacidade para combater com eficácia as chamas. A partir das 18h, o fogo estava “incontrolável, independentemente dos meios disponíveis” no terreno.

Numa análise aos primeiros momentos do combate ao fogo, a Comissão Técnica Independente reconhece que se tratou de um “incêndio de grande complexidade, combatido em condições extremas”. Mas também refere que o fogo de Pedrógão Grande possibilitou “uma janela de oportunidade de pouco mais de duas horas para ser resolvido”. Depois desse período, os bombeiros perderam o controlo das chamas.

Nos primeiros minutos foi acionado um “helicóptero ligeiro” estacionado em Ferreira do Zêzere e que chegou ao local do incêndio cinco minutos depois das 15 horas. “Despacho inicial sem reparos, dentro dos critérios estabelecidos para o despacho de 1.º alerta e em triangulação”, refere o relatório. No momento seguinte, devia ter sido feito mais. Apesar de a Diretiva Operacional Nacional n.º 2 determinar que, numa fase de ataque inicial, deve ser acionado “um único meio aéreo”, a mesma norma – “aplicável por defeito” – admite que “possa existir empenhamento adicional de meios aéreos” ainda em ataque inicial.

Os especialistas da comissão nomeada pela Assembleia da República consideram que, em nome da “eficácia” de combate ao incêndio, “a decisão de acionar mais do que um meio aéreo, até um máximo de dois, em ataque inicial, seja um procedimento recomendável, mais célere”. Mas era isso que estava consagrado nas normas a aplicar, como diz Assunção Cristas? Era. A Instrução Operacional já em aplicação “estabelece quais as freguesias prioritárias em Portugal continental para intervenção, em ataque inicial, com mais do que um meio aéreo” e as freguesias mais afetadas pelo incêndio de junho – Pedrógão Grande, Graça, Pedrógão e Vila Facaia – estão ali inscritas.

O relatório deixa, a este propósito, algumas interrogações. “Pode questionar-se porque razão um outro helicóptero (H08), estacionado no Centro de Meios Aéreos de Pampilhosa da Serra e estando disponível, não foi acionado para o incêndio de Pedrógão Grande, seja como 2.º meio aéreo em ataque inicial, seja até como primeira opção, atendendo que estava muito mais perto do que o H31 que estava estacionado em Ferreira do Zêzere.”

Numa frase, os especialistas fazem a sua leitura: “As consequências catastróficas do incêndio não são alheias às opções táticas e estratégicas que foram tomadas”.

Logo depois de o relatório final ser entregue ao presidente da Assembleia da República, a 12 de outubro, o presidente da comissão concretizava a ideia noutros termos. “As medidas que deveriam ter sido tomadas, e de responsabilidade do comando, no período imediatamente a seguir ao despoletar do incêndio poderiam ter moderado os efeitos do incêndio”, disse João Guerreiro. Sobre as mortes, o antigo reitor da Universidade do Algarve admitia que, “se houvesse um sistema de informação e sensibilização do comando, na altura apropriada, no sentido de sensibilizar a população, no sentido de que fosse retirada, ou dando indicações para se meterem nas casas e não saírem das casas, provavelmente o drama não teria acontecido”.

A conclusão

Há duas ideias, uma presente no relatório da Comissão Técnica Independente e outra expressa pelo próprio presidente da comissão, que sustentam a declaração de Assunção Cristas. Por um lado, uma resposta mais musculada numa fase inicial do incêndio teria minorado a dimensão do incêndio, uma resposta que está consagrada nas normas aplicáveis em Pedrógão Grande. Por outro lado, uma ação diferente por parte dos homens no terreno teria permitido salvar vidas. Na conjugação das duas ideias, conclui-se que a líder do CDS tem razão quando diz que “era possível ter limitado fortemente a dimensão da tragédia”.

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