Um banco português com operação em França decidiu fazer em meados da década passada uma remodelação em diversas agências. Uma parte das obras implicava uma mudança simples de cor das casas-de-banho: o cinzento tomaria o lugar do branco. Logo surgiu um problema — e que nada tinha a ver com a falta de tinta. A Comissão de Trabalhadores (CT) vetou tal mudança. Porquê? Porque o cinzento deprimia e desmotivava os funcionários. Como o Código do Trabalho francês impunha que o parecer da CT era vinculativo, a administração do banco teve de encetar negociações com os sindicatos para levar avante as obras desejadas.

A história parece uma anedota mas é real. Aconteceu no início da década de 2000 e traduz bem os perigos de uma legislação excessivamente regulatória que não encontre um equilíbrio entre os direitos dos trabalhadores e dos empregadores. Uma legislação tão rígida que faz com que os sindicatos tenham sempre a faca e o queijo na mão para obstacularizarem qualquer mudança ou inovação.

Combater o espírito rígido do Código do Trabalho foi precisamente o objetivo da reforma levada a cabo pelo Governo Emmanuel Macron em setembro de 2017. Consciente de que tem de aumentar a competitividade da economia francesa, flexibilizando as relações laborais para promover o investimento e colocar a taxa de desemprego abaixo dos 10%, Macron não hesitou em facilitar os despedimentos, em impôr tectos para a indemnizações por despedimento e em permitir que os empresários com menos de 11 trabalhadores pudessem negociar diretamente com os seus funcionário sem a intermediação dos sindicatos. Medidas que foram avante apesar da óbvia contestação organizada pelos sindicatos.

Em termos de espírito reformista, as alterações de Macron não são muito diferentes das medidas tomadas em 2011 pelo Governo de Passos Coelho — embora com a grande diferença de terem sido tomadas por pressão dos credores internacionais. Em certa medida, a França actualizou o passo com as reformas de outros países europeus — como Portugal.

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Para quem considera a geringonça uma solução progressista, não deixa de ser irónico que menos de 6 meses depois da reforma Macron estejamos a assistir a uma discussão dentro da maioria que tem como objetivo último fazer com que Portugal volte a ser visto como um país protecionista em termos de legislação laboral — com tudo o que isso tem de mau em termos de perceção para os investidores. Uma discussão, refira-se, que faz pouco sentido.

Em primeiro lugar, porque o Código de Trabalho em vigor foi um elemento fundamental para aumentar o investimento e, acima de tudo, diminuir a taxa de desemprego de um máximo de 16,2% em 2013 para 8,9% no final de 2017. Provavelmente, uma legislação mais rígida levaria a uma descida muito mais lenta.

Por outro lado, e olhando para 2016 e 2017, a legislação atual permitiu a criação de mais de 161 mil empregos líquidos, sendo que desse número apenas 23 mil foram a prazo — valores que destroem a tese de que a legislação da troika, como pejorativamente é apelidada, tenha promovido o aumento da precariedade.

Existem igualmente dados sobre a remuneração média mensal que atestam que o valor tem vindo a aumentar de forma sustentada de ano para ano. De cerca de 909,5 euros em 2014, passou-se para 924,9 euros em 2016.

Resumindo e concluindo: do ponto de vista racional, nada justifica esta discussão sobre mudanças na legislação laboral, como o próprio António Costa já reconheceu.

Só os interesses partidários do PCP e do Bloco de Esquerda, que têm uma absoluta necessidade de mostrarem aos seus eleitorados pontos de divergência com o PS para justificarem a sua existência e evitarem ser engolidos nas eleições de 2019, explicam o actual clima de gritaria por mais uma reversão da uma reforma do Governo de Passos Coelho. O objetivo da extrema-esquerda será sempre evitar uma maioria absoluta dos socialistas — um objetivo de pura sobrevivência, refira-se.

Mas este é apenas um jogo do ‘agarra-me senão eu bato-lhe’ sem consequências de maior. Por muita pressão que coloquem no discurso, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa sabem que só podem gritar e bater com a mão no peito. Mais tarde, António Costa dar-lhe-á um ou dois doces para os contentar. Seja através do fim do banco de horas por acordo individual, seja por penalizações nos contratos a prazo por via de um aumento da TSU — estas serão pequenas alterações que não mexem como o essencial da reforma laboral que foi muito elogiada por organizações internacionais.

Mais importante — muito mais importante para o país, pelo menos — seria o contributo positivo de Jerónimo de Sousa e de Catarina Martins para a construção de uma solução para o futuro da Auto Europa. Depois de anos de paz social por via de uma Comissão de Trabalhadores que não era comandada pela CGTP e não se submetia aos interesses partidários do PCP, passamos a ter guerras para todos os gostos com os comunistas a tentarem mandar na Comissão de Trabalhadores e a UGT a tentar manter a sua influência. O resultado final de tudo isto é um impasse nas negociações entre a administração e trabalhadores para um novo modelo de organização que poderá sair muito caro não só aos trabalhadores como ao país — que não pode desperdiçar uma fábrica que tem um peso de 4% das exportações nacionais e vale 1% do PIB.

Porque, ao fim e ao cabo, o que está aqui em causa — seja na reversão da legislação laboral, seja na guerra na Auto Europa — é mais um exemplo reacionarismo puro do PCP e do Bloco de Esquerda. Regressar ao passado sempre foi, é e continuará a ser a política de fundo dos comunistas e dos bloquistas. Se antes o objetivo era regressar às “políticas de Abril”, hoje o seu foco está em eliminar as principais reformas de Passos Coelho e transformar a península de Setúbal num palco de guerra político-ideológica que já foi nos anos 70 e 80.

O Governo de António Costa tem uma palavra decisiva para evitar que o PCP e o BE sejam bem sucedidos, até porque a maioria absoluta em 2019 também depende disso.