1. C’est rouge. Já há governo PS e, desta vez, entra só quem defende sem hesitações a estratégia do líder de um virar de página – em direção à esquerda. Longe vão os tempos em que quem chegava ao poder colocava as variadas alas do partido no Executivo, procurando alargar a base de apoio interna. Como fez Guterres com os sampaístas, como fez Sócrates com Gama e os centristas do PS. 

Desta vez, porém, tudo é diferente: o PS não é maioritário na AR e precisa de negociar a cada passo o apoio do Bloco de Esquerda, do PCP e dos Verdes. Por isso, a escolha de Costa foi a de pôr ao seu lado os seus mais fiéis – os que já estavam no Rato e os que tinham saído há tempos, como Eduardo Cabrita, Augusto Santos Silva, Maria Manuel Leitão Marques, Pedro Marques, Capoulas Santos e Ana Paula Vitorino.

Pelo que se sabe, há meia exceção na lista: João Soares foi apoiante de António José Seguro – e criticou sem hesitações António Costa aquando da disputa da liderança no PS. Mas é apenas “meia exceção” porque João Soares, logo após a derrota nas legislativas, se tornou num dos mais veementes defensores da ‘maioria de esquerda’ na AR. Vai ser ministro da Cultura, o último da orgânica. De resto, nem há rasto da ala que defendia um governo ao centro (os de Seguro, os de Assis, os de Jaime Gama).

2. L’Etat c’est moi. No Governo de Costa não haverá vice-primeiro-ministro — isso já se antevia. Mas a avaliar pela lista divulgada esta terça-feira pela TSF (que não é a oficial, convém frisar), também não haverá ministros de Estado. A confirmar-se, é algo que há muito não se via (desde Guterres, na verdade). Sem novas hierarquias internas. O posto de comando ficará concentrado em São Bento. Será uma questão de somenos? Talvez não tanto, se olharmos para o caso do ministro das Finanças. Tendo em conta o estado em que (ainda) estamos, Mário Centeno precisava do estatuto para todos – dentro do Governo – saberem que a palavra final seria dele. Será sempre mais fraco se não for assim (mas talvez a lista oficial nos diga mais sobre isto).

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Outro sinal sobre a balança do poder: Pedro Nuno Santos será o homem do Governo no Parlamento, mas não será ministro, apenas secretário de Estado. Se não faltar nada na lista que já conhecemos, com Carlos César do outro lado da bancada – líder parlamentar e presidente do partido – será César a carregar o fardo das negociações com as bancadas à esquerda. Fora do Executivo, mas com um pé dentro dele.

3. L’Europe, disparu. A Europa era para ter ministro – embora sem ministério. Afinal talvez não seja assim terá. O Governo de António Costa acabará por ter a estrutura tradicional no que respeita a relações exteriores, com Santos Silva no MNE e Azeredo Lopes na Defesa. (Confirmando-se tudo) falta saber quem será o secretário de Estado dos Assuntos Europeus – dossiê pesado face às tempestades que atravessam a Europa, do terrorismo aos refugiados, passando pela Ucrânia e pelo euro.

4. “La science souveraine… est la science politique“. A frase não é de Sócrates, é de Aristóteles, mas encaixa bem no novo Governo: Costa não dispensou os de fora da política, mas no seu Governo restam poucos a fazer caminho de um gabinete da universidade para um gabinete num ministério. Os que o fazem, na esmagadora maioria, já trazem um período de estágio: Mário Centeno está no Largo do Rato desde o início do ano; Adalberto Campos Fernandes também desde março; Caldeira Cabral já esteve na equipa de Teixeira dos Santos; Tiago Brandão Rodrigues foi cabeça de lista pelo PS; Azeredo Lopes estava com Rui Moreira na câmara do Porto. Sobram dois nomes que nos vão merecer também muita atenção: Francisca Van Dunem (Justiça) e Constança Urbano de Sousa (MAI), que conhecem bem o mundo (e os agentes) políticos, mas que entram em novos territórios.

Todos os outros nove têm vastíssimo currículo político.

5. Vidé de sens. No que até agora conhecemos, nem todas as peças encaixam bem nas pastas distribuídas. Pedro Marques, aqui ministro do Planeamento, é um reconhecido especialista em matérias de Segurança Social; Tiago Brandão Rodrigues é um homem da ciência – e nada se sabe sobre o seu pensamento acerca da Educação (que vai tutelar); Maria Manuel Leitão Marques é feita à medida da Modernização, mas tem pouca experiência política para ministra da Presidência (a sua outra pasta). Claro que nada disto os fará maus ministros, mas diz a prática que (sobretudo nos que têm menos prática política) é tudo mais difícil quando o mundo é desconhecido.

6. Faites attention. Na lista de governantes, convém pôr os olhos em alguns mais novos (porque eles vão andar por aí durante bastante tempo). Começando por Mariana Vieira da Silva, é muito mais do que a filha de Vieira da Silva – e teve lugar central na coordenação do programa eleitoral do PS. Continuando por Pedro Nuno Santos, que se estreia num Governo (e que Costa promoveu a potencial sucessor, numa frase que caiu durante a campanha). E fechando com Pedro Marques, o ex-secretário de Estado que regressa como ministro – e que é do grupo e da geração do agora autarca Fernando Medina. Todos eles são são ala esquerda do partido, qualquer deles tem a vontade de mudar o mundo.

7. La petite histoire. Não há particular novidade em conhecermos o elenco governativo pelos media, antes mesmo de a lista ser entregue ao Presidente. Mais grave é um ministro novo (ainda não ministro) confirmar em on que o vai ser, como fez Adalberto Campos Fernandes. Não lhe fica bem, nem é grande sinal de respeito institucional.