Os problemas da filha mais nova começaram quando ela não conseguiu abrir a boca. O pai tinha-lhe pedido para exprimir o seu amor por ele. A filha mais velha tinha seguido o procedimento normal e observado que amava o pai mais do que era possível dizer; a filha segunda tinha-o feito da segunda maneira mais normal e feito suas as palavras da oradora anterior; a mais nova porém disse que não tinha nada a declarar. O pai ficou furioso.

Este desaguisado sobre a expressão de emoções é a matéria com que começa uma peça de teatro conhecida. O autor contrasta aí uma maneira normal de as exprimir com um modo anómalo de proceder. Ora é a maneira normal de exprimir emoções que, vistas as coisas, parece anómala. Trata-se da ideia de que as nossas emoções são expressas melhor por meios verbais, e portanto por animais que sabem usar palavras e formar frases.

Um naturalista famoso observou que certos animais que não sabem usar palavras, nomeadamente cães e gatos, também podem exprimir emoções. Descreveu orelhas arrebitadas, pelos eriçados e uma variedade enorme de ruídos; desenhou um gato em posição de ataque e um cão em atitude afectuosa; um chimpanzé decepcionado e uma mulher louca. Não manifestou dúvidas sobre as emoções que em cada caso exprimiam. A correlação entre as imagens e os comportamentos subsequentes dos bichos permitiu-lhe concluir com segurança que um chimpanzé que se pareça com o desenho de um chimpanzé decepcionado estará muito provavelmente decepcionado. O que pudesse dizer sobre si próprio não acrescentaria nada.

Os bichos, porque não usam palavras, não têm escolha: mas a maior parte de nós, como as irmãs mais velhas, acha que há interesse em falar de si, e em especial daquilo que se passa dentro de si; e insiste em fazê-lo com a ajuda de palavras. Fá-lo também porque as outras pessoas prestam sobretudo atenção a emoções expressas de maneira verbal. Em matéria de emoções o verbal é o normal. Como porém conciliar as declarações sobre as nossas emoções com as noções razoáveis de que falar de uma emoção não é necessariamente tê-la; e de que ter uma emoção não implica falar dela?

Quem nos conheça bem, por exemplo, trata-nos com a atenção do naturalista, que não precisa de palavras para saber quem está em posição de ataque ou em atitude afectuosa. Entre os naturalistas e os seus bichos existe uma relação que não requer que os objectos do interesse comuniquem o que lhes vai nas almas: o falcão nunca se interessou por ouvir o falcoeiro. São como um casal casado há muito tempo que fica sempre intrigado com os conselhos que ouve na telefonia sobre a necessidade de comunicar os nossos sentimentos. Um casal desses, se por acaso usa palavras, usa-as de outros modos; quanto ao que importa mais, como a filha mais nova, não tem nada a declarar.

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