Eu tenho sempre muitas dúvidas quando os “oráculos financeiros” se pronunciam. Estão a ver aquele(a) professor(a) que quando manda uma “boquinha” qualquer sobre finanças públicas abre logo uma notícia de jornal que é partilhada até ao fim conhecido das redes sociais? Faz-me sempre impressão a exagerada credibilidade que é dada a estas pessoas, porque me parece sempre que estão a contrariar a previsão que fizeram da última vez que falaram sobre o assunto.

Por exemplo, o sr. ministro das Finanças fez uma projeção em fevereiro para um conjunto de indicadores económicos que se julga relevante para o Orçamento do Estado. Pois a projeção do sr. ministro falhou redondamente para o primeiro trimestre. Recordando, ele fez em fevereiro uma projeção para o trimestre quando este já ia próximo do fim. Não estava a prever se em agosto teremos dias de calor e se a nossa marcação das férias foi correta. Estava a projetar o conjunto de indicadores económicos de um trimestre que já estava no fim. É como estar no minuto 75 de um jogo na Luz, o Benfica estar a ganhar por 3-0 e a previsão ser “vai perder 3-6”. E como imagino que o sr. ministro não faça estas coisas porque resolve inventar um número sozinho antes de ir para a cama, calculo que os números tenham sido batidos com dezenas de funcionários e assessores que colaboraram na elaboração destes cenários.

Para defesa do sr. ministro, podemos adiantar que seguiu uma tradição de previsões identicamente rigorosas. Os seus antecessores, nacionais e estrangeiros, são peritos em chegar a conclusões semelhantes. Mais, as dezenas de organismos que rodeiam um governo e que fazem previsões independentes, chegam a conclusões diferentes, mas igualmente disparatadas em termos de rigor. Se o ministro não fosse este, fosse outro, a experiência mostra-nos de forma brutal que o resultado seria sensivelmente o mesmo. A conclusão óbvia é que “andam aos papéis”, o que me traz a pergunta fundamental:

Se nunca um ministro das Finanças acertou uma previsão económica, porque é que nós os deixamos fazer orçamentos?

Bem, primeiro, o Orçamento do Estado não é exatamente um orçamento. Um orçamento é uma ferramenta de gestão que a esmagadora maioria do estado português não reconheceria. Um Orçamento do Estado português é uma inventariação dos custos. Já foi mais que provado pelos antecessores do Prof. Centeno que não se consegue gerir a despesa pública. Consegue-se, quanto muito, diminuí-la por fatores externos. Por exemplo, por morrerem mais reformados ou reformarem-se mais funcionários públicos.

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Agora, gerir a despesa do estado ninguém gere. Ela está lá, com vida própria e imune aos desejos pueris de quem pretende defender a causa pública. O “monstro” como alguém lhe chamou um dia. Por exemplo, da última vez que se passou de 35 para 40 horas semanais na função pública, a medida só passou por um voto no Tribunal Constitucional. Quando conto isto aos meus colegas de fora eles pensam sempre que estou a brincar, mas infelizmente é verdade. Imaginem quando lhes disser que um país deixou o estado falido voltar de 40 para 35 horas de trabalho…

Chamar orçamento ao Orçamento do Estado é uma questão, como dizem os americanos, de “legacy”. Quem chegou, viu assim e não mudou, mas orçamento não é de certeza, porque não há nada a fazer para reduzir a despesa. Neste aspeto, o Ministério das Finanças parece ser o único custo passível de ser cortado.

Portanto, desta inventariação de custos a que chamamos orçamento, não há muito que enganar em termos de previsão. Então podemos achar que o orçamento serve para projetar os impostos necessários para pagar aquela despesa resiliente e imutável? Claro que não. Os impostos serão aquilo que tiverem que ser. Aquele cêntimo que o governo diz ter posto na gasolina é só mais um cêntimo nos custos de tudo, incluindo aquilo que é exportado. Subo os custos, vendo menos e vou gerar menos impostos. Poderá o leitor achar que estou a especular. Se me mostrar um ano dos últimos 900 onde isso não aconteceu, talvez eu lhe dê razão.

Várias organizações internacionais vieram baixar a previsão de crescimento. Estamos a meio do ano, o que é que substancialmente diferente aconteceu? Emigrou metade das pessoas? A ciência nacional não foi capaz de desenvolver um mecanismo de fusão nuclear fria como esperavam os “analistas”? Na verdade, não são só as previsões de um ministro que são historicamente fantasiosas, mas as dos analistas que rodeiam o país parecem basear-se em coisa nenhuma. Porque é que baixaram? Porque o realizado dos meses anteriores não foi numericamente o esperado. Então o esperado baseava-se em que factos concretos que não se verificaram? E acabamos a suspeitar que o facto concreto é a própria realização numérica do indicador. Só por sorte esta gente alguma vez vai acertar.

A correção em baixa da previsão do crescimento significa que se vai cobrar menos impostos e que, quando se apurar o défice em função do PIB, este vai ser maior que o previsto. Deste corte na previsão, se tivéssemos um orçamento, o gestor da coisa pública pensaria que teria que cortar nas despesas. Mas não é possível cortar nas despesas porque Portugal tem a única Constituição do mundo que não o permite, embora, no fundamental, seja igualzinha a todas as outras constituições do mundo. Portanto, quer o país evolua como previsto, quer evolua no sentido contrário ao previsto, tudo isso é irrelevante porque as contas finais serão dadas em função de uma despesa que não muda e de um crescimento que não é possível controlar. Uma empresa assim, fecha, e não vejo razão objetiva para que um estado nas mesmas condições não feche, como parece ser o destino cada vez mais provável do nosso.

O que é tragicamente engraçado? É andar a pedir aos credores que sejam meigos.

PhD em Física, Co-Fundador e Partner da Closer