Estou quase rendido à filosofia grega de Fernando Santos. Para o nosso treinador “no futebol não há bonito nem feio.” Ele não está no banco para “jogar bonito mas para que a equipa ganhe”. É só isso que lhe interessa. Os jogadores têm assimilado a mensagem. Hoje, José Fonte disse que o importante “não é jogar bem, mas ganhar e passar”. Há dias o seleccionador disse que “todos gostaríamos que houvesse exibições brilhantes mas, às vezes, temos de ser pragmáticos”. O central do Southampton concorda: “Claro que queremos jogar bem e ganhar por 8-0 mas não é possível. Se ganharmos o Europeu a jogar feio, eu assino por baixo”. E como é que se consegue ganhar a jogar feio? Com sofrimento, claro. Depois do jogo com a Croácia, Cédric disse que “soubemos sofrer”. José Fonte socorreu-se da experiência dos compatriotas: “Os portugueses já estão habituados a sofrer”. Finalmente, Fernando Santos sintetizou a sua abordagem de um modo criativo: “O que passei à equipa foi que, a partir de agora, temos de deixar de jogar à bola, temos é de jogar sempre futebol, que são coisas diferentes”.

Nos próximos dias, esta maravilhosa sintonia espiritual entre treinador e jogadores atingirá o paroxismo. Jogar bonito? Deus nos livre! Se querem espectáculo vão à ópera. Jogar à bola? Não, não. Nós jogamos futebol, que é uma mistura complexa de táctica, pragmatismo e remates para a bancada. Depois é só juntar sofrimento, doses desumanas de sofrimento, um sofrimento sobrenatural, e esperar que, seja lá como for, tudo isto acabe com uma vitória da selecção. Quando Nani disse que “somos uma equipa forte, unida e com capacidade para fazer coisas bonitas” (Artur Jorge deixou discípulos) na verdade queria dizer “somos uma equipa forte, unida e com capacidade para sofrer”.

Para justificar a entrada de Danilo em campo quase no final do jogo contra a Hungria, Fernando Santos disse que preferia “ter um pássaro na mão do que dois a voar”. “Não sou maluco”, explicou tranquilizando os adeptos que depois de Scolari, Queirós e Paulo Bento não confiam muito na sanidade dos seleccionadores. No entanto, Cristiano Ronaldo afirmou que a partida tinha sido “de loucos”. Não haverá aqui uma nota dissonante neste coro celestial de sofredores, um desentendimento entre o treinador e o capitão? Claro que não. Se o jogo “enlouqueceu” foi nitidamente contra as indicações do nosso Maquiavel, que nestas ocasiões receita sempre uns comprimidinhos pragmáticos contra os nervos. Se ele pede aos seus pupilos que joguem futebol e os jogadores, em conluio com os adversários, resolvem jogar à bola, nenhuma culpa lhe pode ser imputada. Depois do jogo, Santos alertou-os para o perigo de “ir atrás do cheirinho do adversário.” O seleccionador quer que os seus homens joguem futebol (e não à bola), num estado de absoluta concentração, indiferentes à estética e, de preferência, deixando o olfacto nos balneários.

Lembrei-me de resposta de Jorge Jesus, já depois de ter saído do Benfica, quando lhe perguntaram o que era a estrutura. Jesus respondeu como um sábio: “a estrutura é ganhar”. Há tempos, Álvaro Magalhães respondeu de forma idêntica para definir a mística: “a mística é ganhar”, disse o glorioso lateral-esquerdo da minha infância. Fernando Santos, que não é menos esperto que os outros dois, segue esta linha de pensamento segundo a qual tudo no futebol se reduz ao “ganhar”. Até ao dia em que se perde, claro. Vem a derrota e tudo se eclipsa porque fora do “ganhar” nada existe, nem estrutura, nem mística, nem selecções, nem golos de calcanhar do Ronaldo. Se calhar nem jogadores, nem estádios, nem adeptos, nem realidade. Na hora da derrota, talvez só exista o departamento médico ou o vendedor de cachecóis. Ou se ganha ou tudo o que parecia sólido se desfaz em poeira de pesadelo. Na derrota, tudo se evapora. É como nos diz a máxima: ganhar ou perder, tudo é ganhar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR