É tão importante ter consciência do que se sabe como do que não se sabe. O matemático americano Warren Weaver afirmava que a ciência se comportava como uma clareira no meio de uma grande floresta de ignorância – à medida que a clareira vai aumentando de superfície, a sua circunferência de contacto com a floresta vai-se alargando também, o que significa que vamos tendo maior consciência da nossa ignorância. E que, na sua luta contra o desconhecido, a ciência, em ultima instância, não está a vencer, porque apesar de se saber cada vez mais, o volume do não compreendido também continua a crescer. E que, neste sentido, o que a ciência está a trazer é uma visão progressivamente mais sofisticada da nossa ignorância.

Esta visão progressivamente mais sofisticada daquilo que não sabemos está lentamente a penetrar no modo de pensar e agir em várias áreas da nossa vida colectiva. Lembro-me, por exemplo, de ter lido já há algum tempo, num artigo da revista “The Economist”, que relativamente às alterações climáticas devíamos ser prudentes não por aquilo que sabemos mas por aquilo que não sabemos. A falta de noção da nossa ignorância associa-se muito frequentemente a excessiva autoconfiança, conduzindo a arrogância e imprudência na actuação.

Não pretendo defender que a arrogância e imprudência manifestada pelo PS em relação ao orçamento e outras medidas com impacto na economia se devem exclusivamente, ou mesmo essencialmente, a ignorância. Mas também existe esse factor. É irónico que a esquerda portuguesa, tão convencida da sua superioridade intelectual, apresentando-se como o único sector em Portugal representando verdadeiramente a ciência e a cultura, quando chega ao poder e começa a actuar na economia mostra em todo o seu esplendor como é ignorante, simplista e retrógrada.

A economia é uma estrutura ligada a processos materiais de produção e distribuição de bens na sociedade. A economia tem existência objectiva, independentemente dos nossos processos mentais, das nossas ideias, dos nossos desejos e dos nossos planos em relação a ela. A economia emergiu naturalmente nas sociedades humanas, mesmo nas mais primitivas, ainda sem escrita, sem que houvesse durante muitos milénios qualquer reflexão sobre ela. Ainda agora, a grande maioria dos agentes que actuam no mundo da economia fazem-no apenas na base do seu interesse pessoal mais restrito, sem qualquer noção de pertença a um sistema mais amplo. Neste sentido, a economia está mais próxima de conceitos como o de metabolismo dos organismos biológicos. Globalmente, os mecanismos intrínsecos do metabolismo biológico estão muito longe de ser totalmente desvendados, o mesmo acontecendo com os da economia. Significa isto que a economia tem a sua “hidden law”, de que falava W. H. Auden no seu poema com o mesmo nome.

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Qualquer intervenção no metabolismo tem que ser cuidadosamente avaliada em relação aos seus efeitos antes de ser adoptada. Devido ao caracter complexo e não linear do metabolismo de um organismo biológico, estes efeitos são sempre pelo menos parcialmente imprevisíveis. O mesmo acontece na economia em que domina uma imprevisibilidade fundamental. Ambos, o metabolismo e a economia, são sistemas sensíveis, susceptíveis de serem rapidamente arruinados, sobretudo se interferidos em pontos chave. O erro do marxismo e do positivismo em geral foi ter pensado que se podia lidar com a economia como se ela fosse uma estrutura com regras simples, claras, inteiramente acessíveis e moldáveis pela razão humana. E deu no que deu.

Embora de uma forma muito mitigada, os socialistas continuam a mesma tradição, velha de mais de um século, de que basta querer para a economia obedecer. O estilo atabalhoado, arrogante, arbitrário, ao sabor dos caprichos do momento, tipo “posso, quero e mando”, com que as alterações têm sido propostas e feitas pelo actual governo, sem atender minimamente a eventuais consequências, mostra como eles desconhecem o modus faciendi da economia. O que se está a passar com o orçamento e com a TAP são bons exemplos e não auguram nada de bom. A confiança é uma característica extremamente sensível da economia. Destrói-se num ápice. Se os socialistas tivessem alguma noção de como é importante esta característica, tinham muito mais cuidado e menos basófia em relação às suas intervenções. É muito lamentável que quando as coisas estavam a resultar e a economia a melhorar, o actual governo viesse alterar tudo duma vez e mudar as regras do jogo. Revela uma arrogância e uma imprudência que relevam, entre outras coisas talvez ainda piores (refiro-me a um revanchismo primário como nunca se viu na política portuguesa), de uma profunda ignorância da “hidden law” da economia. E, a não ser que arrepiem caminho, os estragos vão continuar a acontecer.

Existe um divórcio de facto entre os socialistas portugueses e a actividade económica privada. O PS não está preparado para actuar num ambiente de economia predominantemente aberta, de que os mercados a nível mundial são um reflexo e um instrumento. Não é por acaso que António Costa diz que os mercados são “lixo”. A única estratégia genuína do PS em relação à iniciativa privada é tentar de alguma maneira submetê-la ao controlo do Estado. Neste aspecto o PS é profundamente retrógrado e cultural e cientificamente arcaico.

Médica