O sector bancário em qualquer país desempenha uma função estratégica no financiamento da economia. Com efeito, é o sector bancário que decide quais as empresas que devem ou não ser financiadas, e portanto as que terão condições para crescer em benefício da economia do país, nomeadamente em termos de emprego e de exportações. É também o sector bancário que muitas vezes promove fusões e aquisições entre as empresas do país, podendo utilizar capacidade de gestão e capitais existentes nesse país, de modo a permitir que se mantêm como propriedade desse país áreas importantes do tecido empresarial. Estando o sector bancário em mãos de nacionais, haverá a garantia de que o apoio financeiro às empresas portuguesas não estará dependente de interesses empresariais estrangeiros. É ainda o sector bancário que decide onde são aplicadas as poupanças dos portugueses, nomeadamente as provenientes dos depósitos bancários. Com efeito, um banco com sede no estrangeiro, terá uma muito maior probabilidade de transferir para o estrangeiro as poupanças dos portugueses, aplicando-as em empresas do seu país. Podemos assim referir que é o sector bancário que direcciona o caminho de uma economia, escolhendo as empresas onde são aplicadas as poupanças do país, escolhendo os sectores económicos que devem ou não ser apoiados, acabando também por determinar a estrutura accionista das principais empresas, ao facilitar ou não, o seu crescimento e desenvolvimento.

Pela importância estratégica que o sector bancário tem em qualquer economia, os países europeus têm seguido, com toda a atenção, a evolução accionista dos seus principais bancos. Foi nomeadamente o caso do que sucedeu após a crise financeira de 2007, onde para evitar a sua venda a interesses estrangeiros, a quase totalidade dos Estados europeus optaram por entrar na sua estrutura accionista. Tem assim sido possível assegurar, na generalidade dos países europeus, que o controle dos bancos nacionais é não só detido pelos próprios nacionais, como também que consolidam e têm a sua sede nesse país. O gráfico seguinte mostra a elevada percentagem do capital dos bancos que é controlada por nacionais de cada país:

Em Portugal porém, os diversos Governos não têm prestado a devida atenção a este tema estratégico, tendo a situação sido agravada pela crise financeira de 2007 a 2012 e pela má gestão privada em vários bancos nacionais. Desta forma, a propriedade espanhola da banca portuguesa, que em 2005 representava apenas 17%, foi aumentada através das aquisições do Banif, do BPI e do Barclays. Foi particularmente prejudicial para o sector bancário nacional a compra do Banif por parte do Banco Santander, onde este banco espanhol obteve um lucro superior a um bilião de euros, considerando a diferença entre o valor dos activos líquidos que recebeu, menos os 150 milhões de euros que pagou pelo Banco. Esse lucro explica actualmente um terço dos resultados do Banco Santander em Portugal, que em 2016 atingiram 396 milhões de euros. De forma a evitar que o Banif tivesse sido vendido em péssimas condições, o Governo Português deveria ter optado por recapitalizar o Banco com capitais públicos, tal como propôs o Banco de Portugal em Outubro de 2015, de forma a dar ao Banco mais tempo para se recuperar e valorizar. Poderia também ter optado por vender o Banif ao Grupo Apollo que, nessa altura, ofereceu 750 milhões de euros pelo Banco.

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O resultado da evolução verificada foi que a banca espanhola, constituída pelo Banco Santander, BPI, BBVA e Bankinter têm actualmente cerca de 40% da banca portuguesa. Esta concentração da propriedade da banca nacional nas mãos de um único país estrangeiro é uma situação que não tem paralelo em nenhum outro país europeu.

É neste contexto que decorre a actual venda do Novo Banco. Se este Banco acabar, um dia, também por cair nessa propriedade, mais de 50% da banca nacional passará a ser controlada por Espanha. Isto significará que o financiamento de toda a economia portuguesa, incluindo o sector público e privado, ficará dependente de centros de decisão de um único país estrangeiro.

Que capacidade terão então os Governos portugueses para negociarem quaisquer relações bilaterais com Espanha, onde muitas vezes existem interesses divergentes, como a questão da gestão das centrais nucleares, dos transvases de água a partir de rios comuns, da repartição dos fundos comunitários da União Europeia, da delimitação da Zona Económica Exclusiva, do transporte de electricidade produzida em Portugal para França, etc? Paralelamente e do ponto de vista empresarial, a concentração da banca portuguesa em Espanha tenderá, inevitavelmente, a dar preferência na concessão de crédito, dentro de um mesmo sector económico, a empresas espanholas, devido a um melhor conhecimento dos banqueiros espanhóis das empresas do seu país, a promover a aquisição das melhores empresas portuguesas por parte das suas concorrentes espanholas, ou a transferir a actividade industrial para Espanha, de onde abastecerão toda a península ibérica. E finalmente aumentará significativamente a probabilidade dos depósitos bancários portugueses serem transferidos para o estrangeiro.

É perfeitamente legítimo que Portugal deseje obter um sistema bancário independente e diversificado, tendo um funcionamento da sua economia que lhe permita desenvolver a sua actividade empresarial por todo o Mundo, como tem realizado ao longo dos séculos, e não estar confinado á península ibérica. Um financiamento independente tem sido um objectivo alcançado por todos os países europeus, pelo que não se pode estranhar que Portugal procure fazer o mesmo. A título de exemplo, seria fácil de imaginar qual seria a reacção de Espanha, se os bancos franceses pretendessem adquirir mais de 50% da banca espanhola.

É assim essencial que na presente venda do Novo Banco, para além do preço, se procurem definir orientações que, dentro do possível, dêem algumas garantias para que a estratégia futura do Banco possa estar ao serviço de um crescimento saudável e independente da economia portuguesa. Dentro dos aspectos que interessa analisar e discutir com os dois actuais candidatos, podem ser referidos:

  1. O Estado Português não deve vender agora a totalidade do Novo Banco, de forma a manter cerca de 30% da sua propriedade. Esta presença no Novo Banco permitiria ao Estado não apenas verificar a forma como o Banco desenvolve a sua actividade, como também lhe proporcionaria a possibilidade de vender a parte restante por um valor mais elevado, quando o Banco estiver devidamente recuperado. Foi o que sucedeu com o Banco Lloyds em Inglaterra;
  2. Deve ser assegurado que o Novo Banco manterá a sua característica histórica, de se dedicar prioritariamente ao financiamento das pequenas e médias empresas;
  3. Deve ser assegurado que o Novo Banco não será desmembrado, através da venda de partes da sua actividade a diferentes entidades, o que alteraria por completo a sua actual natureza;
  4. Deve ser assegurado que o Novo Banco manterá sempre a sua sede em Portugal, que será cotado na bolsa portuguesa e que contará com uma participação portuguesa no seu capital que, preferencialmente, não deverá ser inferior a 25%.
  5. Por último, e numa perspectiva de médio prazo, deverá ser aceite a possibilidade futura de fusão com o BCP, o que dotaria o País com uma instituição bancária de dimensão adequada, com sede em Portugal, dedicada prioritariamente às empresas portuguesas de qualidade e assegurando que os seus depósitos são aplicados no financiamento das empresas e do Estado português.

É assim importante que o actual poder político considere que, além do preço de venda, existe outra consideração ainda mais importante, que consiste em dotar o País de um sistema bancário, que possa assegurar, a médio e longo prazo, um financiamento saudável e independente a economia portuguesa.