Escrevi antes que as medicinas “alternativas” nos querem devolver simplesmente à medicina como ela era há duzentos anos, antes da revolução científica. Isto dito, é preciso perceber que as pessoas têm boas razões para recorrerem às “medicinas alternativas”. As pessoas não são tolas. Pensar isso é o erro de todos os iluminados. Não é necessário ser-se extraordinariamente competente numa certa área para ser-se capaz de identificar o que é o nosso interesse e lutar por ele. Cada pessoa sabe definir e procurar o seu próprio bem-estar. O paternalismo, nestas coisas, é tão deslocado como o desprezo.

As pessoas doentes estão assustadas e frágeis. Vão aos “alternativos” à procura daquilo que não encontram nos médicos: empatia. Não querem um técnico que as examine e conserte como se conserta um automóvel. Querem atenção e compreensão. Há estudos que mostram que a maior parte das queixas dos doentes não se dirigem à competência do médico, que eles nem sabem, de resto, avaliar. Queixam-se da distância, da frieza, da insensibilidade. É difícil para os médicos aceitar isto, porque estudam e esforçam-se imenso para serem competentes e eficazes e convivem diariamente com a angústia, a insegurança e o cansaço. Mas as pessoas precisam de mais do que competência técnica.

No passado, o povo preferia os curandeiros e “mezinheiros” aos “médicos de toga” das universidades: porque eram mais baratos mas, sobretudo, porque existiam — nos bairros populares, nas aldeias perdidas, em todos os lugares demasiado pobres para sustentarem um médico. Agora o Estado garante a presença do médico mas esse médico está pressionado e cada vez mais alienado pela exigência de cumprimento de objectivos cada vez mais exigentes e contraditórios entre si; pela necessidade constante de actualização; pelo puro esforço físico das longas horas de consulta ou de urgência.

Mas há outra razão para este desencanto do doente com o médico, mais funda e menos óbvia. Há falhas que não deviam existir, com ou sem cansaço. Dificuldade em comunicar com pessoas de culturas diferentes, sejam elas uma velhinha do Alentejo ou um imigrante cabo-verdiano. Incapacidade de falar com a mãe de uma criança que vai morrer ou com um doente que teve um AVC e está paraplégico.

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É verdade que se não ensina humanidade como se ensina radiologia. Os médicos do século XIX e da primeira metade do século XX tinham uma cultura humanista que depois se perdeu. Infelizmente, não é possível recuperar essa formação, que tinha muito a ver com ambientes familiares e meios sociais que já não existem. Mas a ligação às pessoas e aos seus problemas não é uma questão de talento ou inclinação. É uma maneira de trabalhar. Aprende-se e treina-se.

Algumas faculdades de medicina ensaiam novas abordagens. Há quem estimule o voluntariado e ponha os alunos a colaborar em instituições de solidariedade social. Há quem crie disciplinas de medicina narrativa, em que se exploram a doença, a solidão e o medo da morte com a ajuda da literatura e das histórias que se contam e que se ouvem.

Não sei se vai funcionar. Para bem dos doentes — e dos médicos — espero que sim.