A liberdade de opinião revelou-se uma ideia tão boa que praticamente toda a gente a adoptou. Onde tal é possível sentimos vontade de dizer aquilo que nos ocorre. Mudar de ideias, e com razão, deixou de estar sujeito a um prémio especial. Os consumidores que não se queixam são considerados indignos; os alunos que não falam são considerados preguiçosos; quem não abre a boca é considerado estúpido; e quem não vota é considerado doido. A ausência de opinião é vista como uma forma de deficiência genérica; mas ao contrário das outras formas de deficiência é tratada com severidade.

Pelo contrário, a troca de opiniões é considerada um bem dos maiores e uma actividade nobre. Tal troca consiste num simulacro de comércio entre duas pessoas. ‘Simulacro’ não é um termo pejorativo: quer apenas dizer que nada realmente se troca. A actividade conhecida por troca de opiniões consiste em dizer frases de modo alternado, pelo processo chamado diálogo. Como muitas outras coisas o valor do diálogo depende do número de pessoas que o cultiva, daquilo que é cultivado, e do número de pessoas que o procura: e pode variar. Quando toda a gente acha uma boa ideia dizer aquilo que lhe ocorre, esse valor é praticamente nulo.

Acontece porém que enquanto nas formas mais regulares de comércio, como nos piqueniques, as pessoas trazem coisas diferentes de casa, os diálogos, mesmo com estranhos, consistem na maior parte dos casos no uso de uma opinião para excitar até à exaustão a mesma opinião por parte de outra pessoa. Este facto singular é celebrado como milagre; mas é apenas sinal de que, dada a oportunidade de nos expressar, todos acabamos por dizer coisas muito parecidas sobre quase todos os assuntos.

Só uma minoria desconfia da liberdade de opinião. Não é porque necessariamente manifeste reservas acerca das opiniões que ouve expressar; e não também porque desdenhe essas opiniões e ache que todas as coisas importantes não podem por definição ser ditas, ou não devem por definição ser comunicadas a quem não as pode perceber. A sua desconfiança não vem de acharem que pertencem a uma raça especial, que saberá aquilo que os outros não sabem: e não é assunto que lhes interesse muito.

A minoria silenciosa divide-se em dois grupos, e às vezes combina-se entre eles. Há por um lado as pessoas que aceitam o facto de não terem ideias sobre a maior parte das coisas deste mundo, e a quem a obrigação de as exprimir causa desconforto; são os tímidos e os francos. Mas há também aqueles que quando se acham rodeados por pessoas que dizem tudo o que lhes ocorre entendem a situação como a de quem foi apanhado desprevenido por uma carga de água ao sair de casa. Sabem que não há muito a fazer: abrigam-se nos vãos das portas, tentam manter-se ocupados, e esperam que a opinião passe.

Miguel Tamen assina esta coluna às sextas-feiras.

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