1. Perante uma tragédia tão devastadora como a de Pedrógão Grande (e Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos), exige-se ao Estado que actue com o sentido de urgência e de emergência que as circunstâncias em absoluto reclamam.

Além de tudo o resto, que é muito, um dos planos (e é só deste aspecto específico que aqui se trata) em que o Estado deve agir, e depressa, é na assunção da sua responsabilidade, enquanto Estado.

É que, tendo em conta tudo o que já se sabe, parece haver dados suficientes, e por demais evidentes (ver adiante ponto 10), para se poder concluir – independentemente de todos os inquéritos em curso e de todos os que irão decorrer – que houve uma grave falha na protecção e segurança das populações, um grave incumprimento de um dos deveres mais básicos do Estado, que corresponde a uma das razões centrais da sua existência.

O Estado deve assim chamar a si, desde já, a responsabilidade pela indemnização das vítimas e dos respectivos familiares.

2. Independentemente dos requisitos legais da responsabilidade por actos ilícitos, ao reconhecer imediatamente, por lei, a sua responsabilidade pela falha em proteger adequadamente as populações, o Estado torna desnecessário o recurso aos tribunais (embora não o impeça), se criar ao mesmo tempo um mecanismo excepcional de rápido apuramento e atribuição de indemnizações às vítimas da tragédia, um procedimento extrajudicial célere de resolução de litígios, de tipo arbitral.

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Esse deve ser um mecanismo destinado, em primeiro lugar, à atribuição de indemnizações por morte ou incapacidade e ferimentos graves.

Poderá passar pela atribuição das competências para a instrução dos pedidos e determinação e apuramento das concretas circunstâncias de facto de cada situação e de cada família, por exemplo, ao Provedor de Justiça ou à Ordem dos Advogados, e para a atribuição das indemnizações, através da aplicação de critérios que privilegiem a justiça material e a equidade, a uma comissão arbitral, presidida por um juiz nomeado ad hoc pelo Conselho Superior da Magistratura, com representantes do Provedor de Justiça, da Ordem dos Advogados e de outras entidades.

Este ou outro esquema semelhante deve ser desenhado no sentido de garantir simultaneamente a rapidez e o rigor na apreciação de todos os pedidos.

E apesar de a situação dos bombeiros mortos ou feridos ser porventura abrangida por legislação especial, não deverá deixar de poder ser também incluída na aplicação deste mecanismo mais célere e excepcional.

3. Note-se que há vários precedentes, com contornos jurídicos não totalmente coincidentes, para casos semelhantes, como o da queda da ponte de Entre-os-Rios, ou diferentes, mas em que o Estado assumiu igualmente uma falha grave de protecção, como o da contaminação com HIV de hemofílicos por transfusão de sangue ou o das vítimas de abuso sexual na Casa Pia (configurado como uma violação dos deveres de vigilância, salvaguarda e promoção dos interesses dos jovens alunos colocados à guarda do Estado).

No caso de Entre-os-Rios, a aprovação rápida deste mecanismo (escassos quatro dias depois da queda da ponte) permitiu a atribuição de indemnizações no prazo de três meses após a tragédia.

4. Tem-se discutido o modo como em Portugal se valora judicialmente o “valor da vida”. Mas também nesta matéria há alguns precedentes claros: no caso de Entre-os-Rios, o Provedor de Justiça veio a definir critérios para o cálculo das indemnizações, de acordo com o princípio da equidade, e legislação recente veio defini-los para o cálculo do dano-morte nos casos de acidentes de viação.

5. Os ensinamentos que se podem retirar daqueles casos e das suas vicissitudes devem, no entanto, ser tidos em conta, na definição deste mecanismo excepcional, e aconselham que a lei deva deixar claro vários pontos.

Por um lado, que esta assunção pelo Estado da sua responsabilidade não prejudica o apuramento de tudo o que se passou, que os inquéritos e auditorias em curso determinarão, incluindo a eventualidade de apuramento de responsabilidade individuais e/ou institucionais que poderão ter consequências noutras sedes, nomeadamente civil ou criminal (não prejudica assim o eventual accionamento de direito de regresso do Estado perante outros eventuais responsáveis).

Em segundo lugar, o procedimento extrajudicial a criar deve ser configurado não como uma alternativa absoluta ao recurso normal aos tribunais mas como um mecanismo que visa ressarcir o mais depressa possível as vítimas, mas não lhes retira o direito de, em devido tempo, e se o entenderem, poderem accionar normalmente os tribunais, contra o Estado ou contra quem considerem que possa também ser responsável ou co-responsável (nomeadamente em função das conclusões que forem produzidas pelos inquéritos em curso, e outros). Ou seja: as indemnizações a atribuir rapidamente através deste mecanismo devem ser vistas como provisórias e antecipatórias e não devem impedir que, posteriormente, quem entenda que o deva fazer possa recorrer aos meios judiciais normais. No eventual caso de, então, os tribunais vierem a reconhecer o direito a indemnizações a cargo do Estado mais elevadas, apenas deverão a estas deduzir as que tenham sido fixadas e pagas no âmbito deste mecanismo excepcional.

Em terceiro lugar, e concomitantemente, é da mais elementar justiça que, excepcionalmente, todas as diligências judiciais que decorram desta tragédia sejam, do lado das vítimas, isentas de quaisquer custas judiciais.

Para além disso, o Estado, com a Ordem dos Advogados, deve colaborar activamente no assegurar de efectivo e independente patrocínio judiciário a quem dele necessite.

6. Na verdade, importa que a assunção imediata pelo Estado da sua responsabilidade não seja entendida ou interpretada, pelas vítimas, pelos órgãos do Estado ou pela sociedade em geral, como um desincentivo à abertura de processos individuais de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado ou outras entidades, nem seja confundida com um “lavar” da consciência dos poderes públicos.

Antes, a assunção unilateral de responsabilidade por parte do Estado, com a consequente desnecessidade de ele ser condenado em tribunal, corresponde também a um verdadeiro dever do Estado: é algo que decorre ainda do seu dever constitucional de protecção das vidas humanas, ou melhor, que se impõe como a concretização mínima exigida secundariamente por esse dever quando ao Estado se torna evidente que, independentemente das responsabilidades individuais ou institucionais concretas que tenham ocorrido, foi ele, enquanto tal, responsável, por omissão de protecção, pela violação desse dever primário.

Note-se, a este propósito, que o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República entendeu (num caso relativo a uma explosão num laboratório de uma escola pública no Cartaxo) que correspondia ao cumprimento do dever de prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da justiça e da boa fé, a decisão da Administração Pública de celebrar um acordo extrajudicial com vários dos alunos que foram vítimas, em que se fixavam unilateralmente (ou seja, sem condenação judicial) as respectivas indemnizações em valor semelhante a outras que tinham sido atribuídas em tribunal a outros alunos também vítimas – a disparidade resultava do facto de nuns casos terem sido interpostos recursos judiciais e noutros casos não (diga-se que, nesse caso, os factos remontavam a 1985 e as decisões dos tribunais a 1995, e a intervenção citada da PGR teve lugar em 2003…).

7. Não se objecte que esta assunção unilateral por parte do Estado da sua responsabilidade representa um passo precipitado, porque ainda não se sabe o que exactamente aconteceu, porque há muito mais dúvidas do que certezas, muito mais perguntas do que respostas. Ou um passo irresponsável porque então, dir-se-ia, se o Estado assume voluntaria e unilateralmente a sua responsabilidade numa tragédia como esta então também teria que assumir igual responsabilidade em todas as tragédias que ocorram, nomeadamente as que ocorram por acção humana negligente ou por desastre natural.

Na verdade, importa não confundir dois deveres que, em situações como estas, cabe ao Estado prosseguir. Um é o dever de cuidar e de acudir (em todas as dimensões possíveis) a todos os que perderam tudo; o outro é o dever de se responsabilizar pela omissão de protecção. O primeiro implica a disponibilização, no terreno, de todo o auxílio que for possível; o segundo tem uma exclusiva dimensão jurídica (e política).

O primeiro dever está presente em todas as situações de tragédia ou de catástrofe, de causa conhecida ou desconhecida, natural ou humana, de responsabilidade individual (negligente ou até mesmo dolosa) ou pública. Mas, numa situação como a que ocorreu em 17 de Junho, a esse dever de auxílio acresce um outro, que é exigido pela consideração e respeito que devemos, como sociedade, às vítimas que não soubemos proteger.

O caso deste incêndio não é comparável, por exemplo, a uma tragédia que decorresse directamente de um terramoto. Neste exemplo, estaríamos perante um desastre natural em que as mortes ocorreriam pela acção directa e instantânea (ou quase) desse desastre, e das derrocadas de edifícios, estradas ou infra-estruturas que ele provocasse. Aí não haveria lugar para se falar de responsabilidade do Estado: seria um desastre natural, isto é, provocado por causas naturais, que não se podem sequer prever. Mas o dever de cuidar que impenderia sobre o Estado não seria menor.

O mesmo se passaria, por razões diferentes, com o exemplo de uma explosão numa fábrica de produtos químicos ou de pirotecnia que provocasse numa determinada comunidade uma grande devastação humana (ainda recentemente, no Norte, ocorreu um evento destes, com oito mortos): aqui, seria a acção humana, nomeadamente por negligência, a responsável. E sobre o Estado cairia sempre o dever de acudir.

8. A tragédia de Pedrógão não é comparável com estes exemplos, sendo, antes, bastante próxima da tragédia de Entre-os-Rios.

Estamos a falar de um fogo em que o Estado foi incapaz de fazer aquilo que, felizmente, tem quase sempre conseguido fazer ao longo de todos estas dezenas de anos de terríveis incêndios florestais, ou seja, proteger as pessoas, os lugares e as aldeias, se necessário evacuando as populações para lugares seguros. E, em último caso, mesmo perdendo as casas, salvando sempre, ou quase sempre, as vidas.

Note-se que são raríssimos, em todos estes anos, os casos de mortes de civis em incêndios florestais. E também não são assim tao frequentes os casos de mortes de bombeiros em combate a esses incêndios, normalmente apanhados por fogos cruzados, no meio da floresta: as situações mais dramáticas foram as de 1985, em Armamar (14 bombeiros mortos) e 1986, em Águeda (13 bombeiros mortos). Para além disso, os anos mais mortíferos, com mortes ocorridas em incêndios diversos, foram os de 1992 (12), 2005 (16) e 2013 (11 bombeiros mortos).

Mas nunca aconteceu nada como agora. Ora, este facto é justamente um indício de que algo de muito grave falhou, o que torna evidente a necessidade de o Estado assumir a sua responsabilidade.

9. Não se trata aqui, por isso, da questão da determinação de uma eventual culpa dos responsáveis, nos mais diversos graus de comando ou de poder. Em honestidade, não pode ser ainda assacada a responsabilidade pessoal de ninguém, nem de instituições em concreto. Nem ninguém pode ainda explicar integralmente o que aconteceu. A falha do Estado em proteger as populações terá resultado de descoordenação e/ou incapacidade de previsão e antecipação das consequências do fogo a decorrer; de não consideração adequada de previsões climatéricas; de questões de comunicações; de falta de meios; etc. Mais provavelmente, resultará de uma combinação de todos estes factores.

Estas razões que explicam em detalhe o que aconteceu só poderão ser apuradas nos inquéritos em curso, que se pretendem rigorosos, independentes, sérios, rápidos, globais e consequentes. Por isso, não se compreende que a lei que cria a comissão independente de investigação deixe dúvidas quanto aos poderes dessa comissão. Como também já foi apontado, ela deveria ter os mais amplos poderes de investigação factual, o que implica o acesso a todas as informações que entenda necessárias para apurar o que se passou, incluindo as que estejam cobertas por segredo de Estado ou segredo de justiça.

10. Não sabemos ainda o que em concreto aconteceu, mas sabemos porque é que o Estado, enquanto tal, se deve já considerar objectivamente responsável, pela omissão em proteger as populações.

Na verdade, apesar de todas as lacunas relativamente aos acontecimentos daquele dia, conhecemos, com certeza certa, pelo menos três factos concretos: que o fogo começou cerca das 14h40 perto de Pedrógão Grande (em Escalos Fundeiros); que esse fogo se desenvolveu de tal forma que veio a matar 64 pessoas cerca de 6 a 8 horas depois; e que todas as mortes ocorreram a cerca de 12/15 km para oeste da origem do incêndio (numa área correspondente sensivelmente a um triângulo, constituído por Figueiró dos Vinhos, Castanheira de Pera e Pedrógão Grande, com três lados de cerca de 10 km cada), na chamada “estrada da morte” ou nas aldeias apanhadas pelo fogo (Outão, Pobrais, Nodeirinho, Moita, Sarzedas de São Pedro, Sarzedas do Vasco, Vila de Pedro).

Para além disso, o fogo feriu mais de 250 pessoas, destruiu total ou parcialmente 500 casas e várias aldeias, e afectou instalações de pelo menos 40 empresas.

Quem é completamente leigo em matéria de desenvolvimento do fogo (ou técnicas de combate a incêndios, dinâmica dos ventos ou fenómenos atmosféricos) apenas sabe fazer perguntas. Pode assim correr-se o risco de se ser injusto ou de se revelar ignorância pura, mas elas impõem-se (para além de muitas outras que têm sido feitas, relativas, por exemplo, ao funcionamento dos sistemas de comunicações), sem prejuízo de todo o respeito e admiração pelo trabalho, sacrifício, empenho e coragem de todos os bombeiros, GNR, protecção civil e de todas as outras entidades envolvidas, dos operacionais no terreno a todos na cadeia de comando.

Na verdade, por um lado, os factos conhecidos, e nomeadamente o facto de se saber que o fogo se desenvolveu sempre para oeste da sua origem, fazem questionar porque é que não se tomaram, desde o início, mais precauções a oeste (nomeadamente evacuações de lugares e aldeias), sabendo-se que, de qualquer forma, o eventual desenvolvimento do fogo no sentido contrário sempre enfrentaria a barreira natural da Barragem do Cabril.

Por outro lado, e para além de todas as dúvidas que têm sido publicamente levantadas acerca do não encerramento da “estrada da morte” perto do IC-8, em Figueiró dos Vinhos, impedindo-se o trânsito de sul para norte, estranha-se também como é que foi possível que essa estrada também não tivesse sido encerrada em Castanheira de Pera, várias horas depois de um forte incêndio já se ter desencadeado a sudeste, para impedir o trânsito de norte para sul. Ora, do que se sabe, regista-se pelo menos a morte de duas famílias (um casal que vinha de Góis, e um casal com dois filhos que tinha passado a tarde na praia fluvial de Castanheira de Pera) que nem sequer estavam a fugir de nenhum incêndio: ao que se sabe, dirigiam-se de carro para a zona de Lisboa, a partir de Castanheira de Pera, numa estrada que não foi cortada ao trânsito, e onde encontraram a morte pelo fogo.

Por fim, o facto de, nos dias seguintes, ter sido possível a presença de mais de 2000 operacionais no terreno, e de, nas zonas de Góis e Pampilhosa da Serra, terem sido atempadamente evacuadas, com a evolução do incêndio, mais de 30 aldeias, leva a questionar sobre quais são os critérios operacionais utilizados para a mobilização de mais meios, e, nomeadamente, quais são os critérios para a determinação de zonas de evacuação, o número de kms que o perímetro dessas zonas normalmente tem, etc. Na verdade, são aparentemente unânimes os relatos segundo os quais todas as aldeias que arderam no dia 17 de Junho e/ou onde houve mortos não viram a presença de bombeiros antes de tudo ardido, nem foram objecto de evacuação.

11. Estas e muitas outras dúvidas parecem ser suficientes para que, independentemente de concretas responsabilidades individuais e/ou institucionais a apurar, independentemente de se determinar em pormenor o que falhou (tarefa essencial para que, pelo menos, esta tragédia sirva de lição, embora demasiado amarga, para o futuro), se possa concluir, já, que o Estado, no seu todo, tendo objectivamente falhado, é, enquanto entidade colectiva, responsável. Isto é: que somos todos nós, enquanto sociedade politicamente organizada, objectivamente responsáveis.

Dir-se-á que todos estes exemplos de factos cujas explicações ainda não conhecemos constituem justamente o objecto dos inquéritos em curso, pelo que seria precipitada a assunção pelo Estado de responsabilidade por falha no dever de protecção das populações.

Mas esta consideração levaria a ter que equacionar a alternativa: ou seja, a hipótese alternativa à assunção imediata, com o que já se sabe, da responsabilidade do Estado teria de assentar no facto de ter ocorrido um fenómeno puramente natural, absolutamente imprevisível, no desenvolvimento do fogo, que de todo em todo não fosse possível ter previsto, fossem quais fossem os meios, a sua coordenação, a sua disposição no terreno, o seu funcionamento, etc. A hipótese alternativa implica a possibilidade de nada ter falhado, de nada poder ter sido feito de diferente ou melhor, tendo em conta a informação disponível no momento.

Por mais inusitado que tenha sido o desenvolvimento do fogo, e por mais excepcionais que tenham sido os fenómenos atmosféricos ocorridos no fim da tarde daquele sábado, na zona da “estrada da morte” e das aldeias próximas, afigura-se, porém, que o Estado, através do seu poder político e legislativo, está já na posse de elementos suficientes para ajuizar que falhou no cumprimento daquele dever de protecção.

É que o fogo começou mais de seis horas antes, desenvolveu-se para oeste, e os cidadãos esperam do Estado que tenha a capacidade de se organizar de tal maneira que consiga, perante fogos florestais do tipo do que começou às 14h43 em Escalos Fundeiros, se não apagá-lo quase na origem, se não evitar a perda da floresta, se não até prevenir a destruição de casas, carros e bens materiais, ao menos salvar as populações, se necessário procedendo à sua evacuação. Isto é, que o Estado e os seus organismos tenham pelo menos a capacidade de antecipação do risco mais grave e de acção em função desse risco.

E se porventura se apurar que as falhas se devem também a decisões políticas, legislativas, financeiras ou administrativas, mais remotas ou mais recentes, que tenham contribuído para a descoordenação ou insuficiência dos meios existentes no incêndio (e para além de toda a questão da política florestal), essa circunstância, em vez de relevar, antes acentuará a responsabilidade do Estado pelo que agora sucedeu.

12. Ora, o Estado, enquanto tal, não precisa de estar à espera de ser “condenado” por um tribunal, ou de ver as suas falhas determinadas por uma comissão independente, para assumir a responsabilidade que lhe cabe, quando ela é por demais evidente, como se demonstra neste caso (nesta matéria, paralelo ao da ponte de Entre-os-Rios).

Cabe ao poder político assumir essa responsabilidade, de uma forma clara e quanto antes, em nome do Estado, sendo certo que a decisão política, incluindo esta, é sempre uma decisão baseada numa informação não totalmente completa, e que não pode estar à espera do momento ideal para ser tomada, pois tem que ser tomada quando é necessária.

O momento dessa assunção de responsabilidade é o momento presente.

Porque ela é importante como elemento mínimo para a restauração da confiança das pessoas no Estado, traumatizadas por um momento em que as populações se sentiram abandonadas por esse mesmo Estado.

E, sabendo bem, no entanto, que nem essa responsabilização nem nenhuma indemnização que seja atribuída mitigarão o seu sofrimento, porque ela servirá, pelo menos, para que que as vítimas percebam que o Estado, e todos nós, ao assumir a insuficiência da nossa organização colectiva, as respeitam profundamente na sua dignidade de vítimas inocentes e não assobiam para o ar nem tentam esconder o que correu mal sob a capa de meras explicações naturais ou fortuitas.

Este é um sinal importante do Estado perante as maiores vítimas desta terrível tragédia, e perante os seus herdeiros.

Não substitui tudo o resto que é preciso fazer, e que o Estado e a sociedade civil estão a pôr em marcha. Não se confunde com o dever de acudir, com todos os meios possíveis, às necessidades das vítimas, especialmente as que estão em situação mais frágil.

Mas a satisfação deste dever de cuidar, por mais completa que seja, também não substitui o outro dever do Estado, que se encontra noutro plano: o dever de se responsabilizar perante os cidadãos pelas suas falhas, acções e omissões, mesmo que estas decorram duma mera falta ou insuficiência de organização, nomeadamente quando delas decorram as consequências trágicas que ocorreram naquele sábado, em Pedrógão Grande.

Joaquim Pedro Cardoso da Costa é Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.