1. Dois dos factos sociológicos mais relevantes nas eleições americanas são que os votantes com níveis de instrução mais baixos tenderam a votar em Trump, e não em Clinton, e que Hillary não conseguiu capturar o voto dos chamados millenials, os jovens que nasceram por volta do milénio e que, alguns, poderiam votar pela primeira vez. Ambos convergem na necessidade de reforçar o investimento e a formação curricular em “educação para a cidadania e a democracia”, bem como em melhorar a qualidade das nossas instituições democráticas. O facto de candidatos “anti-sistema” e “anti-políticos” ganharem eleições e liderarem sondagens é deveras preocupante para o futuro da democracia. Para além da educação e da melhoria constante do sistema político, um factor crítico para o sucesso das nossas democracias é o seu desempenho económico e social. Sem crescimento, emprego, direitos sociais e dignidade no trabalho não há democracia que sobreviva.

2. Para além de todas as incertezas e do impacto negativo da eleição de Trump na ordem económica e geopolítica mundial há um efeito secundário que importa relevar. Este enfraquecimento moral dos EUA no concerto das nações (tão mais evidente quando o comparamos com Obama) ainda mostra com maior evidência a necessidade da construção da Europa em geral e do reforço da sua participação na NATO de forma a assegurar a sua defesa. Há muitos anos que os líderes políticos americanos tentam convencer, sem sucesso, os europeus a aumentarem as suas contribuições para várias instituições multilaterais, em particular a NATO. Há já muitas décadas que economistas explicaram porque é que na presença de bens públicos globais, em geral “o pequeno explora o grande”, isto é aquele que tem poucos benefícios relativos da paz e estabilidade internacional contribui proporcionalmente menos para esse bem colectivo do que aquele que retira os maiores benefícios (ver Olson e em particular Sandler). Nem a insistência dos líderes americanos, nem a influência da teoria económica foi suficiente para os europeus agirem e contribuírem para a sua auto-defesa. Porém, agora terão que o fazer. Os países bálticos, a Finlândia e a Ucrânia estão cientes dessa necessidade. Portugal, e outros países europeus, que não têm margem orçamental para aumentar o seu orçamento de defesa em bens públicos transnacionais europeus (relativos à despesa com migrações, estabilidade de países terceiros, e.g. Grécia e Turquia, etc.) terão que progressivamente ir alterando a estrutura de despesa quer do ponto de vista macro do “federalismo orçamental “(repartição entre despesa europeia, nacional, regional e local) quer ao nível micro de despesa sectorial (na defesa em particular).

3. A Europa vai-se movendo como um paquiderme e cumprindo o seu ritual do semestre europeu como se nada se passasse. Acaba de produzir dois documentos quer sobre o que se antevê para o próximo ano quer sobre o que deveria ser feito. O primeiro é a análise dos projetos de orçamentos de estado (OEs) dos Estados membros. Com base nesses projetos, conclui-se que a política orçamental da zona euro para 2017 em termos agregados será aproximadamente neutra, isto é, não contribuirá nem para a expansão do produto nem do emprego. O segundo documento da Comissão, é significativo pela positiva por ser a primeira vez que é dito explicitamente que a orientação da política orçamental (fiscal stance) da União deveria ser expansionista (aumento de despesa pública e/ou redução de impostos), através de uma combinação de políticas expansionistas de estados que as podem fazer (e.g. Alemanha, Holanda, etc.) e de políticas de consolidação naqueles que têm défices excessivos ou que não têm condições de o fazer (França, Portugal, Grécia, Itália, etc.). Sendo o efeito das primeiras mais forte que o das segundas ter-se-ia um efeito agregado expansionista. Contudo, o único e “pequeno” problema é que não há nenhuma maneira de a Comissão levar os países com folga orçamental a ter políticas expansionistas de promoção do crescimento e emprego. Sem completar a União bancária, sem mutualização ou renegociação da dívida, sem fundo de estabilização europeu, sem política orçamental e com a política monetária no seu limite o impasse na Europa e no euro mantêm-se.

4. O debate académico europeu (ver Siglitz entre outros), é cada vez mais no sentido de que ou se muda a arquitectura do euro, ou é melhor pensar num divórcio amigável (euro forte e fraco; euro flexível). A realidade política é que poderemos ter no euro um efeito sísmico, na eventualidade de Matteo Renzi perder o seu referendo em 4 de Dezembro e demitir-se. No meio desta incerteza, que já não é apenas americana, mas também europeia, aquilo que deveríamos continuar a fazer em Portugal era resolver os problemas que ainda temos entre mãos. Alguns estão a ser resolvidos, como a descida do défice, a saída do procedimento dos défices excessivos, a aceleração do crescimento e o aumento do emprego, a reposição de salários e de dignidade de trabalhadores em funções públicas e pensionistas, o relançamento do investimento quer no Portugal 2020 quer através do Plano Juncker. Há, porém, várias dificuldades e coisas para completar, nomeadamente o saneamento do sistema financeiro, com a recapitalização da CGD e a solução para o problema geral do crédito mal parado. Não perceber que estes problemas são nacionais e utilizá-los para arma de arremesso político, só pode mesmo derivar de um “curto prazismo”, taticismo e miopia política, a mesma que levou Cameron ou Renzi a pedir os referendos. O euro parece estar apenas à espera de um evento desintegrador e entre nós há quem tente reparar o barco e quem, ignorando a turbulência das águas dos dois lados do Atlântico, pretenda abrir-lhe brechas.

Professor universitário e deputado eleito como independente nas listas do PS de Setúbal e membro do respetivo grupo parlamentar. As opiniões expressas apenas vinculam o autor.

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