Muitos de nós já se interrogaram sobre como será uma casa de banho do sexo oposto; especulou-se sobre se os mordomos ou os curadores conseguem chorar; ou sobre aquilo de que falarão os médicos em família. São todas questões que intrigam. Não se trata apenas da curiosidade genérica em saber como é que a outra metade da humanidade vive; trata-se da curiosidade particular em saber o que é que pessoas que não nos habituamos a imaginar que têm necessidades fisiológicas, requisitos higiénicos, família, ou sentimentos fazem quando ninguém está por perto.

As pessoas a respeito de quem não concebemos necessidades ou sentimentos são geralmente pessoas que vemos pouco, ou durante pouco tempo, ou apenas em certas alturas. São como amigos de férias: gente com quem nos encontramos em contextos muito específicos, e de quem esperamos coisas muito específicas. Muitos sabem fazer o que nós não sabemos, e por isso lhes pagamos; e também por isso imaginamos às vezes que não deverão ter as necessidades ou os sentimentos que nós temos. É aliás sobre essas pessoas misteriosas que se escrevem romances. De facto, os melhores romances são sobre aquilo que o seu autor nunca saberá, sobre as pessoas que nunca conhecerá, e sobre os sítios onde nunca pôde realmente pôr os pés.

Há no entanto profissões cujos praticantes se caracterizam na sua maioria por lembrar constantemente aos outros que as coisas que sabem ou conseguem fazer estão vedadas a terceiros; dependem da ideia de que os seus profissionais têm um acesso privilegiado a segredos e mistérios que os outros nunca estarão em posição de conhecer. São de facto mais que profissões: são os modos de vida que caracterizam a separação das casas de banho; os médicos que conversam entre si em dialecto; os mordomos que nos sugerem que são íntimos de quem lhes paga; e os curadores. Esses vários modos de vida consistem em impedir os outros de aceder a coisas, fazer coisas, ou perceber coisas. A ideia de que temos acesso privilegiado a certas coisas está ligada ao impulso para recusar esse acesso a terceiros.

A convicção oposta é a de que estas classes de pessoas não sabem nada de muito especial; e a que a maioria dos animais parecidos com um mordomo, um curador, ou um médico conseguiria aprender a fazer, melhor ou pior, a maior parte das coisas que eles sabem fazer. Não adianta muito reclamar acesso privilegiado a segredos e a pessoas, ou negá-lo a terceiros; como não adianta imaginar que devemos os nossos talentos a segredos que por coincidência nos foram comunicados apenas a nós; ou imaginar que possamos pertencer ao número dos eleitos. Há pelo contrário um certo consolo insípido no facto de não sermos misteriosos; é o consolo de não podermos vir a entrar em romances alheios.

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